Araxá (MG) - Livro de “histórias infinitas” para a criançada, oficinas de escrita, slam, roda de samba e, claro, muito bate-papo sobre literatura movimentam a 13ª edição do Festival Literário Internacional de Araxá (Fliaraxá), que começou na última quarta-feira (1º/10) e prossegue até domingo, na cidade do Alto Paranaíba.


Com o tema “Literatura, encruzilhada e memória”, o evento tem como autora homenageada a ruandesa Scholastique Mukasonga, vencedora do Prêmio Renaudot e do Prix Ahmadou-Kourouma de literatura.


O primeiro dia foi voltado majoritariamente ao público infantil, com teatro, contação de histórias e música. À noite, começaram os debates para o público adulto, com a presença de Itamar Vieira Junior e dos curadores do festival, Bianca Santana, Jeferson Tenório e Sérgio Abranches, este último colunista do Estado de Minas.


Embora esteja às vésperas de lançar “Coração sem medo”, que encerra a trilogia iniciada com “Torto arado” e chega neste mês às livrarias, Itamar Vieira Jr. preferiu debater as implicações da leitura e o fazer literário. A noite terminou em clima festivo, com apresentação do grupo de congada de Araxá, seguida por uma roda de samba.


A programação se intensificou na quinta-feira. Diversos ônibus lotaram o estacionamento do Centro Cultural da Uniaraxá, trazendo alunos de escolas da cidade e região. No palco, o escritor e multiartista cearense Tino Freitas cantou seus poemas infantis, ao lado da jornalista e escritora Silvana Gontijo.


“Histórias infinitas”

Alessandra Roscoe apresentou aos pequenos seus livros de histórias infinitas – uma espécie de oroboro, em que fim e início se unem em um ciclo contínuo. Lara Prado, filha do maestro e romancista Ricardo Prado (autor de “Os primeiros”), declamou seus poemas. E Morgana Kretzmann e Paulo Scott lançaram “Clube Verde e a Liga dos Solos”, estreia do casal na literatura infantojuvenil, sobre um grupo de jovens que enfrenta o bullying e conhece três grandes super-heróis.


Também participaram Ricardo Ramos Filho, neto de Graciliano Ramos, que apresentou “Toda poeira do caminho”; Cidinha da Silva, com “Só bato em cachorro grande, do meu tamanho ou maior – 81 lições do Método Sueli Carneiro”; João Anzanello Carrascoza, com “Tranças de menina”; e Paulo Scott, que voltou ao palco para falar de “Direito Constitucional antirracista”, seu outro lançamento neste Fliaraxá.


A mesa mais aguardada da noite de quinta reuniu Scholastique Mukasonga, Itamar Vieira Junior e Jeferson Tenório. Autora da trilogia sobre o genocídio em Ruanda (“Baratas”, “Nossa Senhora do Nilo” e “A mulher de pés descalços”), Scholastique recordou as atrocidades que marcaram seu país natal desde 1959, quando os tutsis, minoria ligada à elite, passaram a ser perseguidos pelos hutus, após a independência. A violência culminou em 1994, no massacre de cerca de 800 mil pessoas em apenas 100 dias – entre elas, 37 familiares da escritora.


“Quando escrevi [a trilogia do genocídio em Ruanda], meu único objetivo era salvar a memória. Essa foi minha única preocupação”, disse Scholastique ao EM. “Gostaria que meus leitores retivessem de meus livros o nome que uma grande associação feminina ruandesa adotou após o genocídio: ‘Ubutwari bwo kubaho’ [A coragem de viver].”


Itamar Vieira Junior acrescentou que a literatura também se ancora na experiência da dor. “Não é um sentimento que nos engrandece. Não há nada sagrado, nem maravilhoso. Mas acredito que escrever sobre isso me faz refletir de uma maneira mais ampla sobre a nossa humanidade, até porque cada personagem, cada ser humano, reage de uma forma diante desse sentimento universal que nos atravessa ao longo da vida”, afirmou, lembrando que “Torto arado” e “Salvar o fogo” dialogam diretamente com exclusão, preconceito e opressão contra minorias.


A programação de sexta manteve o ritmo intenso. Entre as mesas mais esperadas estava a da camaronesa Léonora Miano, vencedora do Prix Goncourt des Lycéens, que lança no Brasil os ensaios “O oposto da branquitude” e “A outra linguagem das mulheres”.


Já neste sábado (4/10), sobem ao palco Natalia Timerman, Jamil Chade, Tatiana Salem Levy, Marcelino Freire, Matheus Leitão e Ale Santos – duas vezes finalista do Jabuti, roteirista de uma HQ da franquia “Assassin’s Creed” e único representante do afrofuturismo no festival.


Mais do que uma vitrine literária, o Fliaraxá reafirma a potência da palavra como espaço de memória, resistência e invenção. Em meio a tantas vozes e perspectivas, a literatura surge não apenas como reflexão sobre o passado, mas também como convite para imaginar outros futuros possíveis.

FLIARAXÁ
Até domingo (5/10), no Teatro CBMM, Centro Cultural Uniaraxá (Av. Min. Olavo Drummond, 15, Bairro São Geraldo, Araxá). Entrada franca. Programação completa no site do festival

*O jornalista viajou a convite do Fliaraxá.

compartilhe