LITERATURA

Fliaraxá começa hoje a edição 2025

Com 53 autores nacionais e estrangeiros convidados a debater suas obras com o público, evento na cidade mineira vai desta quarta (1º/10) a domingo

Publicidade
Carregando...


“A missão que meus pais me confiaram quando parti para o exílio, em 1973, foi a de ser a memória deles quando chegasse o dia de sua morte”, diz Scholastique Mukasonga. A frase da escritora ruandesa, hoje com 68 anos, é poderosa e concentra três dimensões centrais de sua obra: exílio, memória e responsabilidade ética com a escrita.


Ser a memória dos pais, no entanto, vai além de recordar nomes e rostos. Significa preservar histórias, língua, práticas culturais e a vida cotidiana dos tutsis – grupo étnico ao qual sua família pertencia – que o genocídio tentou apagar. Esse papel confiado a Scholastique se traduziu, mais tarde, na literatura que ela construiu.


A escritora, que vive na França desde que deixou o país natal, é a homenageada da 13ª edição do Festival Literário Internacional de Araxá (Fliaraxá), que começa nesta quarta-feira (1º/10) e segue até domingo na cidade do Triângulo Mineiro, com o tema “Encruzilhada, literatura e memória”.


Scholastique nasceu em 1956, na província de Gikongoro, no Sudoeste de Ruanda, três anos antes da Revolução Hutu. Na época, o país era colônia da Bélgica e a sociedade estava dividida entre tutsis, ligados às elites e majoritariamente pecuaristas, e hutus, camponeses e maioria da população. Os tutsis eram privilegiados pelo governo belga, o que gerou tensões sociais que se intensificaram ao longo das décadas seguintes.


Genocídio

Em 1959, começaram as agitações políticas que transformaram os tutsis em alvo de ataques, e, em 1962, os hutus proclamaram a independência de Ruanda. O novo governo perseguiu os tutsis de forma ainda mais incisiva, forçando muitos a buscar refúgio em países vizinhos, como Uganda e Congo (então Zaire).


Rádios locais incentivavam ataques, enquanto políticos convocavam cidadãos a identificar e assassinar tutsis em suas vilas. Os perseguidos foram desumanizados. Receberam o apelido de "baratas" e sofreram tortura, assassinatos e estupros.


“Foram minhas lembranças de infância que me serviram para a escrita dos meus livros, especialmente os dois primeiros, ‘Baratas’ e ‘A mulher de pés descalços’, que são autobiográficos”, conta a escritora.


“Era preciso salvar a memória, esse era meu dever de sobrevivente. E, quando foi necessário continuar nesta bela aventura que é a escrita e me lançar no romance, foram sempre minhas lembranças de infância e juventude que serviram de pano de fundo, como em ‘Nossa Senhora do Nilo’”, acrescenta.


A perseguição aos tutsis se estendeu até 1994, quando aproximadamente 800 mil pessoas foram mortas em 100 dias – entre elas, 37 parentes de Scholastique. “Na minha escrita, tive de mergulhar novamente nessa infância dolorosa e na brutalidade do exílio. As primeiras ações contra os tutsis começaram em 1959, eu tinha 3 anos”, conta ela.


“Eu sabia que escrever sobre um genocídio poderia afastar certos leitores. Por isso, recorro muitas vezes ao humor, que me parece característico do espírito ruandês. Mas também descrevo com ternura a vida cotidiana: a escola, os casamentos, as receitas de cozinha…”, ressalta.


Mesa redonda

Em suas obras, a autora busca ressaltar a resiliência, tentando viver com a história tal como ela é, sem negá-la, mas também sem se tornar prisioneira dela.


Scholastique discutirá sobre isso em mesa-redonda amanhã à noite, ao lado de Itamar Vieira Jr., também homenageado pelo festival, com mediação de Jeferson Tenório, um dos curadores do Fliaraxá. Bianca Santana e Sérgio Abranches, colunista do EM, também assinam a curadoria do festival.


A ideia da organização é fazer com que o tema desta edição – “Encruzilhada, literatura e memória” – discuta a ideia de cruzamento de saberes e futuros possíveis. Isso, aliás, será ponto de partida de diversas mesas, incluindo a de quinta à tarde, com Morgana Kretzmann, Paulo Scott e Leo Cunha.


Na sexta-feira, o bate-papo será com a escritora camaronesa Léonora Miano e o brasileiro Jamil Chade; Natalia Timerman, Tatiana Salem Levy, Jeferson Tenório e Bianca Santana também participam de outras discussões.


Ao todo, 53 autores estão na programação desta edição da Fliaraxá, com cerca de 70 atividades, entre mesas-redondas e oficinas. Toda a programação é gratuita.


Clube de leitura

Aproveitando a passagem pelo Brasil, Scholastique Mukasonga também participará do Clube de Leitura CCBB 2025, na próxima quarta-feira (8/10), no CCBB do Rio de Janeiro, às 17h30. O bate-papo será gravado e disponibilizado integralmente no YouTube do Banco do Brasil.

O livro em foco será “A mulher de pés descalços”, no qual a autora aborda os conflitos enfrentados pelas mulheres ruandesas durante a perseguição dos hutus.


FLIARAXÁ
Desta quarta-feira (1º/10) a domingo (5/10), no Teatro CBMM, Centro Cultural Uniaraxá (Av. Min. Olavo Drummond, 15, Bairro São Geraldo, Araxá). Entrada franca. Programação completa no site do festival.

Tópicos relacionados:

cultura- festival literatura minas-gerais

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay