Concerto destaca mulheres negras 'apagadas' na música erudita brasileira
'Sobre tons' será realizado sexta (7/11), no Palácio das Artes, reunindo as solistas Edna D'Oliveira e Edineia de Oliveira c Sinfônica de Minas e Coral Lírico
compartilhe
SIGA
“Sobre tons”, concerto que homenageia a história dos negros na música erudita, será apresentado nesta sexta-feira (7/11), às 20h, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes. Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, sob regência de Ligia Amadio, Coral Lírico e as solistas mineiras Edna D'Oliveira e Edineia de Oliveira vão executar peças ligadas à trajetória dos povos que fizeram parte da diáspora africana.
“A ideia do concerto surgiu de uma pesquisa sobre a participação dos negros na música erudita, do Brasil Colônia até agora. Resolvi aprofundar o estudo sobre as mulheres. Quem atuava nesse período? Descobri Joaquina Lapinha e, a partir dela, comecei a descobrir outras mulheres inviabilizadas pelo racismo na música erudita”, conta a soprano Edna D’Oliveira, de 59 anos.
Leia Mais
As cantoras negras Camila Maria da Conceição, Zaíra de Oliveira, Maura Moreira e Maria d’Apparecida terão destaque no concerto, com passagens sobre elas narradas pelas solistas e projeções visuais. O repertório inclui “Kyrie”, da “Missa afro-brasileira”, do maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca, além de composições de autoria anônima, como “My lord what a morning”, “Calvary” e “Sometimes I feel”.
Canções religiosas e o Hino Nacional da África do Sul, composto por Enoch Sontonga, Jeanne Zaidel-Rudolph e Marthinus Lourens de Villiers, também estão presentes no concerto.
“Para esse repertório, tivemos de pensar na música da América. Que tipo de música era feita aqui e na América do Norte, dentro do mapa e da rota escravocrata? Quisemos trazer músicas desses dois locais que tinham um cerne comum, que era a fé e a esperança de um dia serem libertos”, diz Edna, referindo-se a criações dos escravizados.
Candomblé, umbanda e catolicismo
A soprano cita a importância das músicas religiosas para a população negra. “Vemos isso aqui na América do Sul, especialmente no Brasil, com a presença do candomblé, da umbanda e do catolicismo; e nos Estados Unidos, com o gospel, do qual veio muito da música americana. Ela surgiu, infelizmente, pela dor, mas principalmente pela fé.”
No Brasil, negros valiam mais no mercado de escravizados se soubessem ler, escrever, tocar instrumentos, cantar e falar diferentes idiomas. Eram forçados a aprender esses ofícios.
"Antes da vinda da corte portuguesa para o Brasil, a alta sociedade não se interessava por música, porque era um ofício menor, artesanal. Com a vinda de Dom João VI, aficionado por música erudita, as coisas começaram a mudar. A participação do negro na música erudita foi ficando cada vez menor e começando a desaparecer. Foi assim que minha curiosidade se intensificou para saber quem foram as mulheres que surgiram naquele período”, conta a soprano.
Reprovação
Edna relembra os desafios que ela própria enfrentou ao se mudar de Belo Horizonte para São Paulo, em 1994, época em que não se costumava discutir o racismo como atualmente.
“Eu não via cantoras negras atuando, e isso me preocupou muito, porque tinha 20 e poucos anos. Não via solistas negros, sempre via mulheres negras maravilhosas fazendo testes e não sendo aprovadas.”
A cantora destaca a quantidade de “nãos” recebidos por ela, muitos deles motivados pelo racismo. “Comecei a ouvir os 'nãos’ que provavelmente as minhas antepassadas também ouviram, barreira que não conseguiram transpor. Posso dizer que venci pela persistência”, conclui Edna D'Oliveira.
“SOBRE TONS”
Concerto nesta sexta-feira (7/11), às 20h, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Com Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, Coral Lírico e as solistas Edna D’Oliveira e Edineia de Oliveira. Entrada gratuita, mediante retirada de ingresso na bilheteria local ou na plataforma Eventim.
* Estagiária sob supervisão da subeditora Tetê Monteiro