O espetáculo “Lótus”, monólogo interpretado e roteirizado pela atriz mineira Danielle Anatólio, volta ao cartaz em BH, neste sábado e domingo (22 e 23/11), trazendo ao palco do Teatro de Bolso do Sesc Palladium a poética feminina e, especialmente, afetividades e feridas que atravessam a trajetória das mulheres negras.


O monólogo, que estreou em Salvador em 2016, recebeu, em 2018, o Prêmio Leda Maria Martins. A montagem sintetiza uma década de pesquisa de Danielle sobre performatividade negra feminina.


“‘Lótus’ tem nove anos, nasceu quando morei na Bahia, em Salvador. Isso é muito significativo, porque eu estava inserida na cidade mais negra e feminina do Brasil, uma cidade majoritariamente de mulheres negras, o que colaborou para a criação da minha obra”, afirma Danielle.

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O espetáculo inclui muito do que a atriz experimentou ao longo da vida. “Como mulher negra, vivenciei o racismo desde a infância. Cresci em BH, sempre observando minhas ancestrais. Sou de uma família matriarcal e sempre ressalto isso, porque falo sobre mulheres na minha obra.”


Para Danielle, o monólogo surge em meio à necessidade de repensar a corporeidade feminina, evidenciando histórias silenciadas pelo patriarcado e pelo racismo estrutural. Em cena, a atriz fala sobre amor, superação, beleza e vida, ao mesmo tempo em que expõe contextos de hipersexualização, solidão e preterimento que marcam a vida afetiva e social de tantas mulheres.


“A obra traz uma crítica em dois pontos: a sexualização do corpo feminino, independentemente de ser mulher negra, cis ou trans. Ela vivencia a sexualização de seu corpo todos os dias, nas esquinas e até mesmo em família. A solidão da mulher negra é outro ponto que cito, tanto na vida social e afetiva quanto na acadêmica. Nós, mulheres negras, experimentamos uma realidade muito específica. Trato disso utilizando a performatividade negra”, explica a atriz.

Danielle interpreta três figuras femininas, a ancestral, a menina e a mulher adulta, fluindo entre o teatro e a dança. O espetáculo conta com a musicalidade afro-mineira, inspirada nos tambores do congado, com percussão ao vivo que remete ao barravento de Iansã e ao ijexá de Oxum.


A atriz incentiva a participação do público, o que pode alterar a dinâmica da cena. “O jogo cênico é performático. Enquanto o público me traz respostas, vou construindo a cena com base no que estão dizendo. Nunca sei o que vai vir”, explica.


Para a artista, a interação com a plateia, especialmente com as mulheres, cria um espaço de reconhecimento mútuo. “Elas escutam a mim pelo texto, pela dramaturgia; eu as escuto falando de suas vivências. A gente percebe pontos em comum: assédio, desrespeito, escárnio. Vemos este ponto em comum e a força que surge ali, embora estejamos tratando de dores.”


Diálogos

O espetáculo também se constrói a partir do diálogo com autoras negras da literatura brasileira. Danielle explica que, ao iniciar a dramaturgia, buscou referenciar mulheres que abriram caminhos.

“Em 2016, quando comecei o ‘Lótus’, passei a mencionar escritoras. Já referenciei Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo, porque minha dramaturgia é de escrevivência, então preciso citar a Conceição porque ela que nos pauta isso enquanto escritora.”


Quase uma década após a estreia, Danielle observa que hoje há maior abertura para discutir a solidão da mulher negra e a sexualização de seus corpos. Ainda assim, ressalta que violências persistem. “É sempre algo levado à sexualização: ‘eu me sinto objetificada’, ‘sou tratada como alguém à mercê do homem’”, relata.

Em contrapartida, a atriz identifica transformações importantes na forma como as mulheres lidam com suas próprias histórias. “Aprendi que estar sozinha é liberdade, e não solidão”, conclui, citando um trecho de “Lótus”.


“LÓTUS”
Com Danielle Anatólio. Neste sábado (22/11), às 20h, e domingo (23/11), às 19h. Teatro de Bolso do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro). Inteira: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia), à venda na plataforma Sympla.


Outras atrações

>>>“ÁGUA, JOIA RARA”

O espetáculo infantil “Água, joia rara” estreia sábado e domingo (22 e 23/11), às 16h, no Teatro de Câmara do Cine Theatro Brasil (Praça Sete, Centro). A trama convida crianças e famílias a embarcarem na aventura de Nina, menina curiosa que, ao receber o chamado de um rio para o trabalho de ciências, descobre a força da natureza e a urgência de proteger as águas. A peça também terá sessões em 29 e 30/11. Ingressos: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia), à venda na plataforma Eventim.


>>>“QUEBRA-CABEÇA”

O Grupo de Dança Primeiro Ato apresenta neste domingo (23/11), às 14h, na Praça João Daher, em Confins, o espetáculo “Quebra-cabeça”. Criada em 1989, a coreografia mescla dança contemporânea com elementos teatrais, mímicos e circenses. O espetáculo é apresentado gratuitamente em municípios da Grande BH.


* Estagiária sob supervisão da subeditora Tetê Monteiro

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