Diz-se que o termo “enlatado” – utilizado para se referir a séries e desenhos importados e programas reprisados pelas emissoras de televisão – surgiu para se referir a produtos culturais sem muito valor artístico e que foram feitos “enlatados” para serem mais facilmente consumíveis pelo público. Esse jogo de palavras tem um outro sentido se retornarmos ao começo da televisão no Brasil. Naquela época, não havia no país tecnologia para gravar os programas e o único conteúdo possível de não ser transmitido ao vivo era, exatamente, filmes e séries estrangeiras, gravadas em rolos de filmes e que chegavam às emissoras dentro de latas de metal.
Justamente pelo começo da produção televisiva ser inteiramente ao vivo, sem qualquer gravação, boa parte da história da TV Itacolomi, a primeira emissora de televisão de Minas Gerais, inaugurada em 1955, se perdeu “no ar”, restando apenas na memória de quem produziu – e de quem assistiu. Até mesmo o que foi produzido após a chegada do videotape – equipamento que permitiu a gravação dos programas – seguiu pelo mesmo caminho. As fitas do aparelho eram caríssimas, o que levava as emissoras a gravar novos programas por cima daqueles que foram exibidos.
Mas esse cenário não é inteiramente de terra arrasada. A história da TV Itacolomi, registrada ao longo dos anos em reportagens escritas, segue preservada no acervo do jornal Estado de Minas, que inclui, também, arquivos da revista O Cruzeiro e do Diário da Tarde, além de centenas de fitas antigas de reportagens e programas.
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Acontecimentos marcantes
Parte do acervo audiovisual foi digitalizado a partir de uma parceria entre os Diários Associados e o Museu da Imagem e do Som (MIS), instituição ligada à Fundação Municipal de Cultura (FMC) da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e que promove a salvaguarda do patrimônio visual da cidade. O acervo do MIS aglutina cerca de 90 mil itens relacionados ao cinema e televisão belo-horizontinos, catalogados desde a sua abertura, em 1995, entre películas, fitas magnéticas, vídeos, cartazes, roteiros e documentos.
Na ocasião da produção da exposição “TV Itacolomi - A pioneira de Minas”, lançada em 2018, o MIS descobriu que estava sob posse dos Diários Associados um acervo de filmes de 16mm produzidos pela emissora. O material é constituído de valiosos registros das décadas de 1950, 1960 e 1970, tais como reportagens de grandes acontecimentos no estado, partidas de futebol de times mineiros, propagandas antigas, entre outros.
Cerca de 600 fitas do acervo foram digitalizadas pelo MIS, explica o coordenador do museu, Thiago Veloso Vitral, de 43 anos. Na avaliação dele, a salvaguarda desse tipo de registro o coloca como um dos mais valiosos da instituição. “O acervo de televisão é muito rico nesse sentido. Você resgata um contexto espacial e histórico de uma determinada região que é magnífico. E a imagem em movimento tem muita força e muito poder”, avalia.
Empenho e acesso
O processo de digitalização das fitas apresenta certa dificuldade, pois, ao longo dos anos, tem sido cada vez mais difícil encontrar máquinas que façam a leitura desse tipo de mídia. Para se ter uma ideia, a moviola utilizada pelo MIS no processo de digitalização dos filmes em película data de antes da década de 1980.
“Tal como o Museu da Imagem do Som preserva os formatos que foram usados no cinema e televisão, nós também preservamos alguns equipamentos que dão acesso e que ajudam a difundir essas produções, como a própria moviola, a radiola, os vídeos cassetes, os projetores”, explica Thiago Vitral.
Outro tipo de mídia da época da Itacolomi, e que ainda não pode ser digitalizada, são as fitas de videotape. Este era um formato utilizado apenas pelas emissoras de televisão. Com o surgimento das fitas u-matic e os arquivos digitais, as máquinas que leem videotape foram sendo desativadas e, atualmente, são raríssimas.
O acervo digitalizado da TV Itacolomi é formado, majoritariamente, por produções da equipe de jornalismo. Ali estão registros únicos da história de Belo Horizonte, como a paisagem da Avenida Afonso Pena antes da retirada dos fícus; a remoção dos trilhos de bondes, que cortavam grande parte das ruas dentro da Contorno; imagens do Mineirão recém-inaugurado, em 1965; entre outros.
A digitalização e catalogação destes arquivos passaram a agregar na produção audiovisual do Estado de Minas, numa soma ao acervo fotográfico e de texto preservados pela Gerência de Documentação (Gedoc). Alguns dos vídeos foram utilizados nas reportagens em vídeo da série especial “TV Itacolomi - 70 anos”, publicadas em youtube.com/portaluai, além de serem comumente veiculadas no quadro “Sabia Não, Uai!”, onde são contadas curiosidades e histórias de Minas Gerais.
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Especial "70 anos da TV Itacolomi"
- Parte 1: Ao vivo e sem cores: ex-funcionários contam como começou a TV Itacolomi
- Parte 2: Sem experiência, jornalistas da primeira TV de minas usaram a criatividade
- Parte 3: Há 70 anos, Itacolomi transmitiu o primeiro jogo de futebol da TV mineira
- Parte 4: Dos teleteatros às novelas, dramaturgia se reinventou na TV Itacolomi
- Parte 5.1: Os valiosos registros de Minas preservados no acervo da TV Itacolomi
- Parte 5.2: Ex-funcionários da Itacolomi dizem o porquê da TV deixar tanta saudade
