Artista barrado em museu por estar descalço convoca manifestação
Ato 'Descalçaço Coletivo' será realizado nesta segunda-feira (26/5), às 18h30, na Praça da Liberdade, em frente ao centro cultural
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Siga noO artista Paulo Nazareth, de 47 anos, natural de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, e radicado no conjunto Palmital, em Santa Luzia, na Grande BH, organiza nesta segunda-feira (26/5), às 18h30, um protesto coletivo em frente ao CCBB-BH (Centro Cultural Banco do Brasil), localizado na Praça da Liberdade, 450, Região Centro-Sul de Belo Horizonte.
A manifestação foi convocada após o artista ter sido impedido de entrar descalço na exposição Ancestral: Afro-Américas, da qual participa com a obra Ovo de Colombo, da série Productos de Genocidio. "Me apresentei como Paulo da Silva e fui impedido de entrar. Aí, alguém disse que eu era o Paulo Nazareth", relatou o artista. "Mas, mesmo assim, fui impedido de entrar por estar descalço, sem sapatos. Segundo eles, era uma norma, mas essa norma não estava escrita em lugar algum", complementou.
Além de ter sido barrado na exposição onde exibia a própria obra, Paulo Nazareth conta que também foi vetado, por estar descalço, em outra mostra, na semana seguinte. "Voltei uma sete dias depois, na outra segunda-feira, quando estava (em exibição) a exposição de Flávio Cerqueira, que também trata do mesmo assunto, por outro modo e, novamente, fui impedido de entrar."
O artista destaca que não há qualquer regra referente à obrigatoriedade do uso de calçados no local. "Me sugeriram visitar a página deles na internet. Eu já tinha entrado; imprimi as normas e mostrei para eles que essa norma não existia", relata Paulo Nazareth, que, mesmo assim, foi obrigado a permanecer do lado de fora.
"Importante lembrar isso, que andar descalço não é ilegal. Eu estou descalço, faz parte, estou em estado de preceito: arte de preceito", pontua. Paulo Nazareth critica ainda a falta de inclusão que a exigência de calçados impõe. "Meu problema é acessar um espaço cultural que vende a imagem de acolher pessoas", conclui.
Ancestralidade
O ato, chamado de "Descalçaço Coletivo", convida o público a retirar os sapatos como forma de protesto contra normas consideradas higienistas e discriminatórias, que, segundo o artista, reforçam barreiras de classe e raça em espaços culturais. Estar descalço, para Paulo, é um gesto de memória, resistência e espiritualidade, em reverência a Nazareth Cassiano de Jesus, sua ancestral enclausurada na Colônia de Barbacena.
"Eu sou Paulo Sérgio da Silva por nascimento, batismo, e muitos nomes, e Paulo Nazareth Cassiano de Jesus, mãe da minha mãe, que foi enviada para Barbacena, para o hospital de Barbacena. Por isso é que carrego o Nazareth comigo", explica o artista.
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"Estar descalço não é descuido, é rito. É corpo em resistência. É memória de um tempo em que pés negros eram vigiados para que não fugissem para o mato", afirmou o artista no ato de convocação, que também destacou a coincidência simbólica da data do ocorrido: 12 de maio, véspera do 13 de maio, marco da abolição formal da escravidão no Brasil.
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A repercussão do caso gerou apoio de outros artistas. Para Ariel Ferreira, artista plástico de Belo Horizonte, "não barraram o nome ou o prestígio do Paulo Nazareth, mas, sim, um homem comum, um visitante descalço. Confundiram o Paulo com aquilo que ele é de fato: um homem do povo".
A organização do protesto orienta que os participantes levem sacolas para guardar os calçados durante o ato e que retirem antecipadamente os ingressos gratuitos da exposição. Um certificado simbólico de participação será entregue a quem aderir à ação.
Trajetória artística
Paulo Nazareth é um dos artistas brasileiros mais proeminentes da arte contemporânea, com uma carreira marcada por obras que exploram questões raciais, sociais e culturais. Em 2011, realizou a série Notícias da América, na qual percorreu a América Latina a pé até os Estados Unidos, coletando experiências e reflexões sobre identidade e migração. Essa jornada resultou em exposições internacionais, incluindo a participação na feira Art Basel Miami.
Em 2016, foi vencedor do Prêmio PIPA, um dos mais importantes da arte brasileira. Suas obras já foram exibidas em instituições renomadas, como o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o Instituto Inhotim. Em 2024, o Inhotim inaugurou a exposição Esconjuro, dedicada exclusivamente ao artista, destacando sua produção multifacetada e engajada.
Desde abril, a Galeria Praça e outros espaços do museu passaram a ser ocupados por ele ao longo de 18 meses, divididos em quatro estações: outono e primavera em 2024, verão e inverno em 2025.
A mostra é concebida como uma presença viva e dinâmica, com obras que são trocadas, incluídas e reposicionadas ao longo do tempo. Com uma linguagem múltipla de pinturas a instalações Nazareth propõe um outro modo de fazer arte, envolvendo diferentes formas de negociação, construção e celebração coletiva.
Além disso, o artista realizou a ocupação Pedagogia na Faculdade de Educação da UFMG, entre 2023 e 2024, apresentando a série Corte Seco, que homenageia figuras históricas marginalizadas. Suas obras também integraram a 34ª Bienal de São Paulo, com monumentos de grandes dimensões instalados no Parque do Ibirapuera.
O que diz o CCBB
O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) lamentou o ocorrido e afirmou que não há restrições quanto à entrada de pessoas descalças no espaço. Disse ainda que a abordagem feita ao artista não reflete as diretrizes institucionais da instituição e que as equipes responsáveis já foram reorientadas.
Leia a nota na íntegra:
"Eventualmente, podem existir orientações específicas relacionadas à preservação de determinadas obras ou à segurança dos visitantes, como em situações que envolvam instalações sensíveis ou intervenções no piso o que não se aplicava neste caso. O CCBB reafirma seu profundo respeito pela trajetória de Paulo Nazareth, que, inclusive — para nosso orgulho já integrou a programação do Centro Cultural ao longo desses 12 anos de história em Belo Horizonte.
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Ressaltamos que, de modo geral, não há, nas normas de visitação do espaço, restrição quanto ao acesso, circulação ou permanência de pessoas descalças no prédio, e a abordagem realizada não reflete as diretrizes institucionais do CCBB."
*Estagiária sob supervisão do subeditor Eduardo Oliveira