De onde vem esse 'trem' tão falado em Minas Gerais?
A palavra que não sai da boca do mineiro traduz quase tudo no seu dia a dia. Pesquisador põe essa história nos trilhos e explica a origem do verbete
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Siga noÉ trem para lá, trem para cá. Me passa esse trem...que trem é esse? Pois é, dizem que “mineiro não perde o trem”, muito menos uma boa história. Disposto a descobrir a origem da palavrinha e dos seus diversos significados, o presidente da Academia de Letras do Ministério Público de Minas Gerais, Marcos Paulo de Souza Miranda, pesquisou sobre “um dos signos linguísticos identificadores do falar do povo mineiro: a palavra trem, que pode significar absolutamente qualquer coisa”. Par começar, um aviso ao caro leitor: a coluna de hoje tem trem que não acaba mais.
Em Minas, “pegar o trem” não significa, necessariamente, ingressar ou tomar assento no interior de uma série de vagões engatados entre si e puxados por uma locomotiva, observa Souza Miranda. “Trem pode ser comida (Estou doido para comer um trem salgado), objeto (Traz esse trem que está aí em cima da mesa para mim), pressentimento (Estou sentindo um trem ruim sobre essa viagem) e até mesmo servir para a composição de adjetivos (Trem bom demais da conta !), entre outras muitas variações.”
No falar mineiro, a palavra trem é polissêmica (com muitos significados) e nem sempre guarda relação com o trem de ferro, que chegou às Minas somente em 1869, “quando nosso vocabulário já estava bastante sedimentado”.
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Para sua investigação, Souza Miranda foi buscar o significado em um dicionário português publicado em Lisboa, em 1789, no qual aparece o verbete “trem” com o significado de “a bagagem que acompanha alguém de jornada”. Também descobriu um documento escrito por volta de 1750, pelo bandeirante Bento Fernandes Furtado, no qual narra a chegada, à região de Ouro Preto, dos primeiros aventureiros em busca do ouro. Conta que a maior parte deles era pobre e vinha só "com o seu limitado ‘trem’ às costas", o que demonstra o uso da palavra "trem" nas Minas desde os primeiros tempos de sua história.
Dessa forma, observa Souza Miranda, trem, para os antigos portugueses que povoaram Minas Gerais, compreendia todas as coisas que eram levadas na bagagem dos viajantes – “o que, aparentemente, explica o uso da expressão ‘trenheira’ pelos mineiros, com o significado de ‘montoeira de coisas’, na maioria das vezes desnecessárias a alguma atividade”.
Herança mineira
Descoberta a origem, fica explicado etimologicamente que trem significa coisa ou quase tudo o que existe ou possa existir de natureza corpórea ou incorpórea, justificando, portanto, o largo uso pelo povo mineiro. “Verifica-se, assim, quanto ao uso da palavra trem, que os mineiros souberam preservar, de forma particular, a autenticidade das heranças linguísticas recebidas de seus ancestrais. E que hoje podem ser consideradas legítimas integrantes do patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais.
Paisagens mineradas
Depois de São Paulo (SP), Belém (PA) e Ouro Preto, a exposição “Paisagens Mineradas: marcas no corpo-território” chega a BH propondo reflexão sobre a mineração predatória. A mostra de pinturas, gravuras, videoarte, instalações e fotografias é uma realização do Instituto Camila e Luiz Taliberti. Motivados pelo rompimento da Barragem Córrego do Feijão, em Brumadinho, os dois trazem o olhar exclusivamente feminino de 12 artistas diante dos efeitos da mineração nas paisagens do país e na vida dos habitantes. Em cartaz de 5 de julho a 9 de agosto, na Funarte – Galpão 5 (Rua Januária, 68), com entrada gratuita.