À ESPERA DO JULGAMENTO

MG: cinco vítimas relatam terem sido abusadas pelo mesmo homem na infância

Os abusos teriam ocorrido entre os anos de 1986 e 2007 no município de Paulistas, no Vale do Rio Doce

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Cerca de 45 veículos participaram de uma carreata nesta quinta-feira (26/6), em Paulistas, no Vale do Rio Doce. O protesto, que contou com a participação do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e da Polícia Militar, busca chamar atenção para uma série de denúncias de abuso sexual infanto-juvenil envolvendo um morador da cidade.

O ato foi organizado por Adriana Froes, de 30 anos, que afirma ter sido abusada por ele dos 5 aos 14 anos. Outras quatro mulheres também relatam terem sofrido abusos na infância, entre 1986 e 2007,  pelo mesmo suspeito. A audiência de instrução e julgamento do caso está marcada para o dia 18 de julho, na comarca de São João Evangelista.

Por determinação judicial, a identidade do autor não pode ser divulgada, já que o processo corre em segredo de justiça, mas ao Estado de Minas, todas as vítimas confirmaram se tratar do mesmo suspeito.

Em 2023, Adriana Froes resolveu usar as redes sociais para compartilhar um trauma. No vídeo, que já soma 3 mil visualizações, ela revela, desesperada, ter sido vítima de abuso sexual infantil dos 5 aos 14 anos (2000 a 2014), por parte de um vizinho, em Paulistas. Antes da publicação, ela já havia formalizado a denúncia através de um boletim de ocorrência registrado em 2021.

Adriana cresceu em Paulistas, atualmente é lavradora e mãe de três filhos. Segundo ela, nasceu em uma família muito violenta e teve uma infância bem dura.

Ela e os 12 irmãos moravam de favor no terreno do suspeito. Segundo a lavradora, ele é influente na cidade e abusou sexualmente dela durante boa parte de sua infância. “A gente foi morar no terreno dele e os abusos começaram. Ele me tocava e não me deixava ser criança”, relembra Adriana.

Na entrevista ao Estado de Minas, a vítima precisou de pausas para respirar em meio ao choro que a impede de terminar as frases. Adriana conta que sua vida nunca mais foi a mesma. Depois de se afastar do suspeito, ela vive até hoje em luta constante contra uma depressão muito forte. “Sofro muito todo dia. Fico relembrando tudo e penso se algum dia vou conseguir seguir a vida”, conta.

Aos oito anos, Adriana diz ter sido estuprada pelo suspeito. “Tive febre depois e contei para minha mãe. Ela só me deu uma surra. Como morávamos de favor, ela não gostava que falasse dele”, relembra.

Os abusos só pararam aos 14 anos, quando Adriana deixou de morar na casa. “Ele abusava de mim quase todo dia e eu não o confrontava porque ele me batia, falava que ia passar com o carro em cima dos meus pais”, relembra. 

Repercussão do vídeo

O vídeo feito por Adriana chegou até Bruxelas, na Bélgica, onde mora a esteticista de 44 anos Ângela Matos. “Vi o vídeo da Adriana e resolvi contar minha história. Eu sabia que uma hora ia chegar a oportunidade de eu contar. Eu tinha medo pela minha tia, e vergonha também”, conta Ângela, que é sobrinha do suspeito.

A esteticista morou na cidade quando tinha seis anos e foi vítima dos abusos 14 anos antes de Adriana. “Em 1986, fui morar com minha avó em Paulistas e era muito apegada à minha tia que também morava lá”, relembra.

A tia de Ângela se casou com o suspeito e foi morar com ele. “Como éramos muito próximas, passei a frequentar bastante a casa deles. Tinha seis anos e ele começou a tocar minhas partes íntimas, de várias maneiras, enquanto eu dormia”, relata.

Ela continua: “Acordava e ele estava lá e, em meio aos abusos, me fazia carinho pedindo que eu ficasse calma.”. Ângela relembrou outros dois episódios, além das visitas noturnas que não é capaz de numerar. Segundo ela, os abusos duraram de 1986 a 1989, quando deixou de morar na cidade.

Após o vídeo de Adriana, cerca de 37 anos depois, Ângela chegou a registrar um boletim de ocorrência, mas o prazo estabelecido por lei para que o Estado possa processar e punir o autor do delito já havia expirado. Ainda assim, ela também resolveu publicar um vídeo, juntando-se a Adriana e denunciando o suspeito.

Mais vítimas

Alessandra Matos, de 39 anos, irmã de Ângela, também relatou ter sofrido um abuso pelo mesmo homem em 1992, quando tinha seis anos. Apesar de não ter morado na cidade, em uma visita à casa da tia, Alessandra relata que o suspeito teria tentado passar a mão em seus seios e em suas partes íntimas.

“Cheguei a contar para a minha tia, mas ela desconversou. Ele também tentou mais de uma vez ver a gente trocar de roupa, ficava espiando eu e minha prima (filha dele) pela janela”, conta, em meio às lágrimas.

Alessandra explica que o trauma foi bloqueado de sua mente e só aos aos 32 anos ela se lembrou do que viveu. “Aquilo afetou muito, não só eu, como minha irmã. Todos nós que tivemos contato com ele tivemos a infância afetada. Eu mesma me lembro de apanhar do meu pai porque fazia algumas coisas que eu nem entendia. Eu e minha irmã fomos afetadas. Éramos crianças fazendo coisa de adulto”, relembra, com pesar. 

Já Valéria Dias relatou ter sido abusada pelo mesmo autor, por volta de 2007, quando tinha 15 anos. “Quando eu tinha por volta de 13 anos, fui morar próximo a casa dele, em Paulistas, e ele sempre me observava muito. Às vezes, dava de cara com ele no meio do mato quando ia buscar água e ele ficava com umas conversas estranhas”, conta.

Com 15 anos, Valéria foi convidada por uma irmã do suspeito para trabalhar na casa, cuidando de outros dois idosos que moravam no local. “Ela pediu para a minha mãe, mas ela tinha as tarefas dela e eu fui no lugar”, conta.

Enquanto trabalhava na casa, Valéria relata que o suspeito teria tentado atacá-la dentro de um dos quartos da residência. “Fui trocar a roupa de cama e ele me agarrou. Consegui chutar ele e sair correndo”, relembra.

Depois disso, ela conta que passou cerca 11 dias se escondendo em meio ao mato, no horário de trabalho, com medo que o episódio se repetisse. “Na época, meu pai chegou a confrontar, mas ele negou. Já a irmã dele me pediu desculpas e disse que sabia de outras histórias do irmão”, conta. Valéria chegou a registrar boletim de ocorrência em 2021, mas o crime também prescreveu.

Uma outra fonte, que preferiu não se identificar, também revelou que morou próximo a casa do suspeito durante a adolescência. “Ele oferecia três reais para eu deixar ele fazer carinho em mim, igual ele fazia com as filhas dele. Nunca aceitei porque tinha medo. Às vezes ele também fazia gestos obscenos de longe”, relembra.

Acusado frequentava a igreja

Durante as entrevistas, duas vítimas também relataram que o suspeito frequentava a Igreja Evangélica Assembleia de Deus, em Paulistas, onde tinha inclusive um cargo no local. De acordo com as vítimas, o suspeito já foi flagrado estuprando uma menor de idade, dentro da igreja. As fontes não souberam datar com precisão o ocorrido, mas disseram que a história “rodava a cidade”.

A reportagem ouviu um pastor da instituição religiosa onde o suspeito atuava, que pediu para não ser identificado. Segundo ele, por volta de 2021, o homem ocupava um cargo de auxiliar dentro da igreja. O pastor confirmou que chegou a ser intimado pela polícia para prestar esclarecimentos após o registro de um boletim de ocorrência, que denunciava um crime sexual cometido contra uma menor de idade, dentro das dependências da igreja.

Ele esclarece que atuou como responsável pela instituição durante dois anos, mas reforça que as denúncias não se referem a fatos ocorridos no período em que ele estava à frente da igreja. “O suposto crime aconteceu quando eu ainda não era pastor aqui. Mas, quando a polícia me intimou, eu já estava como líder da igreja”, explicou.

O pastor informou ainda que, na ocasião, a vítima já não fazia mais parte da igreja. “Isso foi no fim de 2021. Depois, me mudei de cidade, então não acompanhei o desfecho. Sei que a polícia recebeu a denúncia, mas, na época, ele negou ter cometido o crime”, relembra.

Mesmo assim, o pastor explicou que, quando tomou conhecimento do caso, procurou o suspeito e o desligou definitivamente da igreja. Por conta da falta de datas e nomes, a reportagem não conseguiu confirmar os fatos nem com a Polícia Civil nem com a Polícia Militar.

O prefeito da cidade, Nem de Nené (AVANTE), que é tio de duas das vítimas, declarou apenas que a família está muito abalada e que ele não irá comentar o caso. Mas reforçou que o executivo tem dado amparo às mulheres.

As vítimas esperam a audiência do dia 18 de julho com certa ansiedade. A carreata na cidade também é uma maneira de chamar a atenção para o caso. “Espero que a gente consiga justiça. As denúncias estão aí para dizer que é comum e que os canalhas também envelhecem”, declara Ângela.

A reportagem tentou por um longo período de tempo contato com o suspeito das acusações, mas não obteve resposta.

 

Linha do tempo*

 

2021

Ângela, Adriana e Valéria registraram boletim de ocorrência relatando os crimes de abuso sexual, cometidos contra elas, quando eram menores, pelo mesmo autor

Outubro de 2021

A Polícia Civil abre um inquérito contra o suspeito 

Outubro de 2023 

A Polícia Civil conclui o inquérito e encaminha o caso ao Ministério Público 

Julho de 2024 

O Ministério Público oferece denúncia formal contra o acusado 

Agosto de 2024 

A Justiça recebe a denúncia e o réu é oficialmente informado sobre o processo

Setembro de 2024 

A defesa do réu apresenta a resposta à acusação 

Outubro e novembro de 2024 

Parte dos crimes apontados na denúncia é considerada prescrita, o que significa que o prazo legal para punição expirou. Isso inclui acusações de estupro e atentado violento ao pudor contra duas das vítimas 

Março de 2025 

Um assistente de acusação, advogado que representa diretamente às vítimas, é autorizado a atuar no processo junto com o Ministério Público 

Atualmente 

A Justiça marca a audiência de instrução e julgamento para o dia 18 de julho de 2025, em São João Evangelista

 
*A linha do tempo foi construída com base em documentos disponibilizados pelas vítimas e informações dadas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)
 
*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino
 

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