Pedestres ou motoristas? Quem causa mais acidentes em áreas urbanas de BRs?
Em Minas, mapeamento de desastres em áreas urbanas de BRs mostra que atitude do pedestre está ligada ao maior volume de acidentes. Panorama nacional é diferente
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Siga noA falta de paciência dos pedestres é tida como a grande vilã para atropelamentos registrados no Km 524 da BR-040, no Bairro Novo Boa Vista, em Contagem, na Grande BH, onde moram a babá Andreia Rodrigues, de 29 anos, e sua família. Lá, a passarela mais próxima fica a 750 metros de distância.
“Eu me cansei de ver pessoas se arriscando ao atravessar a estrada, porque acham que a passarela é muito longe. Tem quem prefira esse risco para ir a um lugar pertinho do outro lado da rodovia. Aí, tenta passar pelos carros em alta velocidade”, afirma Andreia.
Os motivos que levaram a acidentes rodoviários nas estradas federais nas áreas urbanas entre 2020 e 2024 são variados, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), mas os pedestres aparecem como um grave fator desencadeador de desastres, sobretudo em Minas Gerais.
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Enquanto as falhas de percepção ou de reação dos motoristas (reação tardia, ausência de reação, falta de atenção ou condutor dormindo) são a principal causa de ocorrências fatais no Brasil (21,5%), em Minas Gerais esses motivos ficam em segundo lugar (24,3%), bem atrás dos desastres relacionados a atitudes dos pedestres (travessias indevidas, caminhar na pista, desatenção), que chegam a 30%. Em âmbito nacional, essa é a terceira maior causa, com 19,6%.
O risco deliberado (alta velocidade, uso de álcool/drogas, transitar pela contramão, ultrapassagens indevidas) é o segundo fator que leva a acidentes fatais nacionais, somando 20,4%, e é o terceiro em Minas (21%).
Analisando os riscos aos pedestres, as vias federais em passagens por áreas urbanas registraram 2.119 mortes por atropelamentos no Brasil. As principais causas foram pessoas caminhando pela pista (19,7%), entrada súbita do pedestre na pista (18,7%), travessia fora da faixa (18,3%), falta de atenção do pedestre (12,9%) e acesso à via sem observação correta (5%).
Em Minas Gerais, foram 206 mortes no período (9,7% do total nacional). Os principais fatores para os óbitos foram pedestres caminhando pela pista (22,3%), atravessando fora da faixa (18,4%), entrando subitamente na estrada (16,9%), por falta de atenção de quem caminha (14,5%) ou por acesso à via sem observação correta (4,5%).
As vilãs dos atropelamentos
Em relação às mortes por atropelamento, as rodovias mineiras com mais vítimas foram a BR-381 (72) e a BR-040 (62). Nessas estradas, dois segmentos de mil metros acumularam cinco óbitos por esse motivo, um em cada via, mas ambos em Contagem, na Grande BH.
Na BR-381, o Km 480, no Bairro Petrolina, foi o ponto crítico para atropelamentos que terminaram em morte. Um local de intensa movimentação na estrada que liga a Grande BH a São Paulo, cercada de polos industriais e bairros populosos.
Já na BR-040 (BH-Brasília), o Km 524, na divisa dos bairros Kennedy e Jardim Laguna, foi o que fez mais vítimas. A via é um dos nós logísticos e de tráfego mais importantes e perigosos da Grande Belo Horizonte, permitindo ligação com as Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa Minas), com acessos a corredores como a Avenida Sarandi e funcionando também como importante acesso ao Anel Rodoviário de Belo Horizonte.
Lá, as pistas têm geometria considerada complexa, marcada por um grande viaduto e um trevo com múltiplas alças de entrada e saída. As pistas marginais coletam o tráfego dos bairros e o direcionam para o fluxo de alta velocidade da rodovia principal, criando inúmeros pontos de acesso em um espaço curto.
Piores segmentos ficam no Sudeste
Entre as 10 rodovias com maior violência em áreas urbanas do Brasil, segundo as estatísticas de acidentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Região Sudeste se destaca negativamente por ter seis dos piores trechos, tanto em volume de acidentes quanto em mortes. Minas Gerais (BR-381 e BR-040) e Rio de Janeiro (BR-101 e BR-116) figuram com duas estradas em cada uma dessas listas.
Mas fica em São Paulo o trecho urbano de rodovia mais violento do Brasil: na BR-116, onde foram registradas 397 mortes e a segunda pior marca de acidentes, com 8.387 no total. O segmento de mais graves ocorrências é o Km 230, na Marginal do Rio Tietê, atravessando a Zona Norte na altura de Vila Maria. Só no local foram 13 mortes e o segundo índice mais grave de acidentes da estrada, com 211 registros, atrás do Km 219, também na Marginal Tietê, mas na altura do Pari, na Região Central, com 253 ocorrências.
De acordo com os registros da PRF, os tipos mais comuns de acidentes na BR-116 foram as colisões traseiras (40), laterais em mesmo sentido (28) e atropelamentos de pedestres (16). Já as causas identificadas seriam a reação tardia ou ineficiente do condutor (30), manobra de mudança de faixa (25) e falta de atenção na direção (12).
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Na avaliação de equipes que patrulham a via, por se tratar de um complexo viário central e que margeia um dos rios divisores da cidade, a rodovia passa a funcionar como um corredor entre diversas áreas paulistanas. Essa interpretação aponta que “a maioria dos acidentes são típicos de tráfego intenso e congestionado, sendo a principal condição de risco a interação entre veículos que seguem no mesmo fluxo, sob alta densidade, mas de interfaces diferentes (tráfego local e de passagem”.
BR-381 lidera em desastres e mortes
Em Minas Gerais, os trechos urbanos de estradas com mais acidentes (4.108) e mortes (190) ficam na Grande BH, na BR-381, sentido Sul (Fernão Dias). Em Betim, na altura do Bairro Casa Amarela, a morte de 13 pessoas no período pesquisado destaca o Km 501 como o mais crítico. Trata-se de pista duplicada nos dois sentidos, que são separados por um canteiro central, com acostamentos e iluminação.
Segundo os dados da PRF, a dinâmica do trecho é dominada por dois tipos de acidentes: colisão traseira e colisão lateral em mesmo sentido (28 ocorrências), indicando um tráfego intenso e veloz. O alto número de tombamentos (8) sugere um fator de risco adicional relacionado à estabilidade dos veículos de carga. Posturas relevantes para os acidentes, de acordo com a PRF, são as mudanças de faixa mal executadas, proximidade insegura entre veículos, desatenção e velocidade incompatível com o trecho.
Naquela altura, a estrada tem funções conflitantes de via de comunicação entre Belo Horizonte e São Paulo, dotada de intenso tráfego de carretas e caminhões em elevada velocidade, funcionando também como um dos principais corredores para grandes polos como a Refinaria Gabriel Passos e a montadora Stellantis (Fiat). É também caminho para bairros de Betim e de Contagem, como o Jardim Teresópolis, sem pistas de desaceleração para quem deixa a rodovia para esses destinos.
Já o Km 481 da BR-381, no Bairro Petrolina, em Contagem, foi onde ocorreram mais acidentes em trechos urbanos de Minas Gerais, com 155 registros no período avaliado. A área também dá acesso aos mesmos polos de Betim, tendo várias ligações para as avenidas Helena de Vasconcelos Costa e Adutora Várzea das Flores, que conectam a rodovia aos bairros densamente povoados da região.
Informações da PRF apontam para um cenário em que a falta de atenção, a pressa e a imprudência dos condutores são os principais fatores de risco, resultando em colisões traseiras e laterais. A vulnerabilidade e o comportamento de risco dos pedestres também são destaque.
SC teve mais acidentes em zonas urbanas de BRs
O maior volume de acidentes urbanos em rodovias no período avaliado ocorreu em Santa Catarina, na BR-101, com 11.888 ocorrências. O trecho de mil metros onde mais batidas e atropelamentos aconteceram foi o Km 207, em São José (SC), com 308 casos. Um segmento que é parte da Região Metropolitana de Florianópolis, em área conurbada com a capital catarinense, Palhoça e Biguaçu, formando o principal núcleo urbano do estado.
A estrada em seu ponto mais crítico tem até três faixas com separação central e marginal nos dois sentidos, podendo comportar um fluxo considerável. Segundo dados da PRF, dois tipos de acidentes dominam as estatísticas na região: colisão traseira (63) e colisão transversal (29), respondendo por mais da metade das ocorrências. Na avaliação da corporação, “os principais problemas são de interação entre veículos em fluxo (colisão traseira) e em pontos de cruzamento (colisão transversal). É uma via de tráfego rápido e intenso, onde os motoristas precisam evitar proximidade excessiva e se sujeitar a acidentes caso ocorram variações súbitas de velocidade”.
Rodovias não têm estrutura adequada
Boa parte das vias que se transformaram em ambientes urbanos não foram concebidas para esse tipo de tráfego, segundo avaliação do professor Raphael Lúcio Reis dos Santos, do Departamento de Engenharia de Transportes do Cefet-MG. “Essas vias foram projetadas para altas velocidades e fluxo contínuo de veículos. Muitas vezes, não são adaptadas adequadamente ao atravessar cidades, criando zonas de alto risco para pedestres. A falta de estruturas seguras, como passarelas, passagens elevadas, faixas de pedestres sinalizadas e ilhas de refúgio, força os moradores a fazer travessias perigosas em meio a tráfego intenso e veloz. Além disso, a sinalização inadequada e a iluminação insuficiente em trechos urbanos das rodovias aumentam os riscos, especialmente durante a noite”, enumera.
Para enfrentar situações como essas, o professor considera ser urgente uma ação integrada que envolva melhorias na infraestrutura, especialmente em rodovias federais que cortam zonas urbanas. “Medidas como a construção de passarelas, a implantação de faixas de pedestres protegidas e a revisão dos limites de velocidade nesses trechos são essenciais. Campanhas educativas devem ser intensificadas, tanto para alertar pedestres sobre os riscos de travessias inadequadas quanto para conscientizar motoristas sobre a necessidade de reduzir a velocidade e redobrar a atenção em áreas habitadas. Por fim, a fiscalização precisa ser reforçada, com maior presença de agentes e uso de radares em pontos críticos, garantindo o cumprimento das regras de trânsito”, indica o professor do Cefet-MG.
Ele observa que, em trechos urbanos de BRs, onde o problema não é a infraestrutura precária, há carência de conscientização sobre os perigos. “Muitos motoristas não reduzem a velocidade ao passar por áreas urbanas, mantendo uma condução compatível com outros trechos de estrada, o que eleva a gravidade dos acidentes. Os pedestres estão entre as vítimas mais vulneráveis do trânsito, e a presença de rodovias federais em áreas urbanas agrava esse quadro. A segurança viária exige prioridade, e os pedestres não podem ser negligenciados nessa equação”, avalia.
O que diz a concessionária
A Arteris Fernão Dias, que administra a BR-381/Rodovia Fernão Dias entre Contagem e São Paulo, informa que a via tem 87 passarelas ao longo do trecho, 32 delas entre Brumadinho e Contagem. “Tanto pedestres quanto motoristas devem respeitar os limites de velocidade e ter atenção redobrada em pontos urbanizados, devido à circulação de grande número de pedestres. É preciso cautela e atenção dos pedestres, para atravessar a pista em locais corretos, e dos motoristas, para respeitar os limites de velocidade”, informou a concessionária, que informa também promover campanhas como a “Viva Pedestre”, para conscientizar a população sobre o uso correto de passarelas e faixas de travessia.