‘Vai ficar à ruína’: diz morador evacuado de zona de risco em Brumadinho
Ao menos duas famílias já foram retiradas de suas casas no Vale do Ingá, após barragem da Emicon Mineração ter o nível de emergência elevado
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Siga noAo menos duas famílias já foram retiradas de suas casas na comunidade do Vale do Ingá, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, após a barragem B1-A, da empresa Emicon Mineração e Terraplanagem Ltda, ter o nível de emergência elevado.
Desde as notificações, na última terça-feira (22/7), a administração municipal tomou a frente das tratativas com os moradores que serão removidos. Apesar da certeza de que serão levados para um local seguro, as famílias estão revoltadas com a situação e o provável abandono a que seus imóveis serão submetidos.
Odilon de Oliveira, de 49 anos, mora na comunidade há seis anos e há dez em Brumadinho. Ele conta que sua casa está quase finalizada, mas já tinha planos para alugá-la ou mesmo se mudar para o imóvel. Desde que foi notificado pela Defesa Civil municipal de que deveria sair do local, ele tem lamentando o abandono forçado. “Agora não podemos fazer nada. Vão interditar nossas casas e vai ficar tudo em ruínas. Ninguém vai cuidar da minha casa”.
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Essa é a segunda vez que Odilon e a família são removidos devido a intercorrências em barragens da Emicon. Em 2019, ele conta que a família recebeu assistência do Conselho Tutelar, Ministério Público de Minas Gerais e da própria empresa, o que não se repetiu nessas semanas.
Ele afirma que, até então, a mineradora não apresentou a trajetória da mancha de rejeitos em uma eventual ruptura do barramento. “Estamos em um lugar maravilhoso desse e vamos ter que deixar nossas casas irem à ruína, porque eu tenho certeza que ninguém vai cuidar”.
Inconformados e sem informações suficientes, os moradores estão revoltados com a situação. Esse é o caso de Roberto do Nascimento Hastenreiter, de 74 anos. Morando bem ao lado de uma mina d’água e próximo a um riacho, o mecânico foi pego de surpresa com a notícia.
Logo após a primeira notificação, ele afirmou que, se pudesse escolher, não sairia de casa. No entanto, nesta manhã, ele acompanhou o processo de mudança ao lado da filha, Renata. “É desagradável largar tudo para trás. Quem vai molhar minhas plantas? Vai ficar aí”, lamenta Roberto.
Para Renata Hastenreiter, apesar da certeza que o pai está sendo levado para um local mais seguro, o sentimento diante da evacuação é de tristeza. “Aqui é o lugar que ele gosta. Ele saiu da cidade para vir para essa casa. Mas agora estamos priorizando a segurança dele”.
A Prefeitura de Brumadinho informou, por meio de nota, que teve início "a realocação preventiva de duas famílias que residem na Zona de Autossalvamento (ZAS) da Barragem B1, da empresa Emicon Mineração. A ação está sendo coordenada pela Defesa Civil Municipal, por meio da Secretaria de Segurança Pública, Mobilidade e Defesa Civil". (Confira a nota completa mais abaixo)
Na última quinta-feira (24/7), em coletiva de imprensa, o prefeito de Brumadinho, Gabriel Parreiras (PRD) havia afirmado que a evacuação está sendo coordenada em parceria com os moradores.
Evacuação preventiva
De acordo com a Agência Nacional de Mineração, o Nível 2, em que se encontra atualmente a barragem B1-A, exige a evacuação imediata e preventiva da Zona de Autossalvamento (ZAS), onde, em caso de um desastre como nas catástrofes de Mariana (2015) e da Vale, há seis anos, equipes de resgate não teriam sequer tempo de chegar. Por isso, pessoas que vivem nessas comunidades são instruídas a fugir por rotas predeterminadas, mas não devem tentar ajudar outras, sob o risco de morrerem antes de conseguir.
De acordo com a agência, a medida tomada na estrutura tem caráter preventivo e foi motivada pela desatualização de documentos entregues pela Emicon. O órgão explicou, em nota, que os estudos conduzidos por auditores e projetistas indicaram que os resultados obtidos não podem ser considerados conclusivos, uma vez que há “insuficiências nas investigações geotécnicas”.
Por isso, novas investigações já estão sendo realizadas, mas os dados ainda não foram integrados às análises apresentadas, devido a “questões contratuais pendentes”. Mesmo assim, a agência informou que foi constatado que não há risco iminente de ruptura da estrutura.
Novo acordo
Na última sexta-feira (25/7), a Emicon firmou um novo Termo de Compromisso com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). O documento determina que os administradores da empresa terão que cumprir medidas para mitigar os riscos das quatro estruturas - B1-A, Quéias, Dique B3 e Dique B4-, localizadas na Serra da Conquista, dentro da sub-bacia do Córrego dos Quéias. Apesar do novo termo representar algum avanço para a segurança das barragens, pessoas ligadas à empresa apontam que o histórico dos administradores é de descumprimento das condutas.
Conforme o documento que o Estado de Minas teve acesso, um dos sócios da mineradora e o representante legal do segundo parceiro empresarial se encontraram com promotores do MPMG para um acordo extrajudicial a respeito de uma petição acatada pela 2ª Vara de Execuções Penais e Cíveis de Brumadinho, na quinta-feira (24/7), em desfavor da empresa.
Na ocasião, ficou decidido que a Emicon terá 15 dias para realizar o monitoramento dos barramentos; finalizar a coleta de dados de estudo de investigações geotécnicas; atualizar informações do cadastro das estruturas no Sistema de Informações de Gerenciamento de Barragens; e adotar as medidas necessárias para garantir a realocação dos moradores da Zona de Autossalvamento da Barragem B1-A, que teve o nível de segurança elevado.
Além disso, os sócios concordaram em contratar empresas para elaborar e realizar os projetos de descaracterização das contenções e manter a operação mínima nos barramentos, incluindo guarda patrimonial. Já com o prazo de 30 dias, a mineradora se comprometeu a instalar sistemas sonoros de alerta nas ZAS e incluiu um sistema de videomonitoramento nas dependências da empresa.
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No mesmo dia, após a reunião, o juiz Pedro Henrique de Assis Crisafulli, de Brumadinho, reconheceu o Termo de Compromisso e incluiu o pagamento de multa de R$ 5 mil por dia até que as obrigações sejam cumpridas. Apesar disso, com o acordo entre as partes, os sócios da Emicon não tiveram seus passaportes retidos, como havia sido pedido pelo Ministério Público após a notificação da Agência Nacional de Mineração (ANM), sobre os riscos da B1-A.
Confira a nota da Prefeitura de Brumadinho
"A Prefeitura de Brumadinho informa que nesta terça-feira (29) teve início a realocação preventiva de duas famílias que residem na Zona de Autossalvamento (ZAS) da Barragem B1, da empresa Emicon Mineração. A ação está sendo coordenada pela Defesa Civil Municipal, por meio da Secretaria de Segurança Pública, Mobilidade e Defesa Civil.
Ao todo, sete famílias deverão ser realocadas, além da transferência de animais como Bovinos, suínos e equinos. A operação está sendo conduzida de forma gradual e planejada, seguindo os protocolos estabelecidos no Plano de Contingência e em conformidade com as normas do Sistema Nacional de Defesa Civil.
É importante reforçar que se trata de uma medida exclusivamente preventiva, conforme previsto em legislação específica para áreas próximas a barragens. Não há risco iminente de rompimento. A ação tem caráter legal e visa garantir a segurança dos moradores da região.
Conforme acordo firmado com o Ministério Público, as famílias que residem em áreas de risco terão até 15 dias, a contar do último sábado (26), para serem realocadas com segurança. Embora a responsabilidade legal pelo suporte às famílias seja da empresa Emicon Mineração, a Prefeitura de Brumadinho assumiu o apoio emergencial à população.
As demais realocações ocorrerão nos próximos dias, também de forma gradual. As famílias estão sendo transferidas para moradias seguras e compatíveis com o tamanho do núcleo familiar, conforme escolha dos próprios moradores."