Tarifa Zero em BH: o que dizem os vereadores e as concessionárias
A principal dúvida sobre a medida em tramitação na Câmara Municipal é sobre a taxa para custear o sistema, que seria cobrada das empresas instaladas na capital
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Siga noCaso a tarifa zero seja aprovada, Belo Horizonte se tornará a primeira capital do Brasil – e a maior cidade do mundo – a zerar as cobranças para a população se locomover. Uma verdadeira revolução se comparado ao cenário atual, pois BH tem a terceira tarifa mais cara entre as capitais brasileiras, de R$ 5,75. Como financiar a medida será pauta de uma reunião na próxima segunda-feira (25/8) entre vereadores signatários do projeto de lei (PL) da Tarifa Zero em BH e o secretariado municipal.
A reunião foi decidida após uma conversa entre os parlamentares e o secretário de governo, Guilherme Daltro, realizada nessa quarta-feira (20/8). Os vereadores ficaram contrariados com declarações recentes do prefeito Álvaro Damião (União), nas quais afirmou ser contrário à iniciativa porque faria empresas saírem da capital, além de que o aumento de demanda esperado com a Tarifa Zero faria aumentar o número de ônibus na cidade, trazendo impactos no trânsito.
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Segundo a vereadora Iza Lourença (Psol), que protocolou o PL, e o vereador Bruno Pedralva (PT), as declarações foram recebidas com estranhamento, já que estava havendo um bom diálogo entre os articuladores da Tarifa Zero e o comando da prefeitura. Agora, a expectativa é de que a próxima reunião esclareça dúvidas sobre o custeio da política e sensibilize o prefeito a apoiar a iniciativa. “Nós acreditamos que estamos com força política para aprovar esta proposta em BH”, defende Iza.
Estarão presentes no encontro, marcado para as 15h, na sede da Prefeitura, o secretário de Fazenda, Pedro Meneguetti, de Mobilidade Urbana, Guilherme Willer, de Planejamento, Orçamento e Gestão, Bruno Passeli, além do Secretário de Governo. A pauta principal será a recente pesquisa da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da UFMG que mostra que a implantação da taxa para custear a Tarifa Zero aumentaria a folha salarial das empresas em 0,91% em média, com uma baixa possibilidade de que empresas saiam da capital devido a este aumento.
Como a Tarifa Zero em BH seria financiada?
Conforme dados da PBH, o transporte por ônibus custa R$ 1,8 bilhão por ano, sendo a tarifa responsável por 25% da arrecadação - cerca de R$ 455 milhões. As duas maiores receitas vem do subsídio pago pela Prefeitura, orçado em R$ 698 milhões (38%), e do vale transporte pago pelas empresas, que totaliza R$ 677 milhões (37%).
Para bancar o fim das catracas, o modelo previsto no projeto de lei cria um fundo financiado majoritariamente pela chamada Taxa do Transporte Público (TTP), estimada em R$ 185, cobrada das empresas sediadas em BH por cada funcionário. A cobrança seria feita a partir do décimo colaborador - assim, empresas com nove ou menos funcionários não pagariam nada, empresas com onze funcionários pagariam uma taxa, e assim por diante.
O estudo “Tarifa Zero no transporte coletivo, Economias de Aglomeração e “Fuga” de CNPJs: apontamentos e perspectivas para Belo Horizonte (2025)”, conduzido pela UFMG, estima que a implantação desta taxa conseguiria, sozinha, arrecadar R$ 2 bilhões. Os recursos além do orçamento atual estão previstos para o provável aumento de demanda que pode ocorrer com o fim da tarifa.
O urbanista e professor da UFMG Roberto Andrés explica que este montante poderia, inclusive, aliviar os cofres da prefeitura, que tem, ano a ano, aumentado os valores gastos com o subsídio para evitar que as tarifas disparem ainda mais.
“Eu acredito que o prefeito ainda vai entender essa proposta. É uma proposta que pode assustar num primeiro momento, mas a reunião com o secretário foi muito positiva. A gente acredita que pode tirar as dúvidas, os nós, e o próximo passo é chegar no prefeito. A partir do momento que ele tiver um entendimento, vamos fazer um debate concreto sobre os prós e contras da proposta”, relata.
O que as empresas acham da Tarifa Zero?
Conforme indica o referido estudo da UFMG, o setor de comércio e administração de imóveis, responsável pelo maior número de vínculos empregatícios da cidade (436.734), seria, por consequência, o que mais contribuiria para o Fundo do Transporte Coletivo. A estimativa é de que a taxa por cada funcionário aumentaria em 1,95% a folha salarial do setor.
Se por um lado há aumento de custo, por outro há a expectativa de que o fim da cobrança de passagem nos ônibus faça a população gastar mais, devido ao alívio no orçamento mensal, e também frequentar mais os espaços da cidade - e também os comércios.
Este cenário, que foi identificado em diversas cidades que implantaram a Tarifa Zero, tem tido simpatia por parte da divisão mineira da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), que tem lutado para fazer com que mais pessoas passem a frequentar os comércios a noite.
Durante uma reunião da Comissão de Orçamento e Finanças Públicas, realizada no dia 13, a presidente da Abrasel-MG, Karla Rocha, lamentou que Belo Horizonte, conhecida como capital dos bares, tenha perdido a vida noturna agitada de outrora, já que os bares e restaurantes têm fechado mais cedo - e, conforme acredita, muito disso tem passado pelos problemas de mobilidade, como a falta de ônibus à noite.
“Falando pelo empresariado, pelo setor de alimentação fora do lar, pelas nossas dificuldades hoje em relação à mobilidade urbana, nós estamos achando [a Tarifa Zero] a coisa mais maravilhosa do mundo. E estamos confiantes que, de uma forma ou de outra, a mobilidade urbana vai ser resolvida”, declarou na reunião.
O segundo setor com maior número de vínculos empregatícios na capital é o das indústrias, incluindo construção civil (142.828) - e o aumento relativo à taxa por funcionário seria de 2,06%. Estas empresas foram classificadas pelo estudo da UFMG como tendo “menor rigidez locacional”, o que significa que, por sua natureza, teriam maior possibilidade de se mudarem da cidade do que o setor de ensino, por exemplo - que precisa se manter perto do público consumidor.
Contudo, a avaliação dos pesquisadores é de que a decisão de uma empresa se instalar numa cidade envolve múltiplos fatores e o aumento médio de 0,91% da folha salarial não faria com que houvesse uma fuga de CNPJs da capital. “Políticas públicas podem ampliar o acesso à mobilidade e fortalecer atributos urbanos de atração econômica da cidade”, defende a conclusão do estudo.
A reportagem entrou em contato com a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), que informou que “neste momento, não irá se posicionar sobre a proposta de implementação da tarifa zero em Belo Horizonte". O posicionamento anterior da entidade é de contrariedade à implantação da tarifa zero nos moldes atuais, pois poderia diminuir a arrecadação das empresas e levar a demissões de funcionários.
Como trazer mais passageiros para os ônibus?
Nos últimos anos, Belo Horizonte, assim como outras cidades brasileiras, experimentou uma queda acentuada nos números do transporte coletivo, passando de 453 milhões de passageiros em 2013 para 275 milhões em 2024 - queda de 39%.
A implantação da Tarifa Zero, defende os articuladores, deve reverter este quadro, conforme observado em outras cidades que adotaram a política. Ainda, a retomada na demanda do transporte público é vista como positiva para as cidades, pois cada passageiro que saí do sistema e passa a se locomover por carro ou moto gera mais poluição e aumenta o número de veículos no trânsito.
Dentro do setor de transporte, a pauta é tida como prioritária, tendo todo o setor cobrado ações do poder público para estancar a sangria e reverter a queda da demanda. A exemplo disso, entidades como a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) têm defendido medidas como a priorização dos ônibus no trânsito (faixas exclusivas) e a aprovação do Marco Legal do Transporte Público - em tramitação na Câmara dos Deputados.
Em relação à Tarifa Zero, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) afirma que “é uma decisão de competência exclusiva do poder público”. Contudo, a entidade destaca que o aumento da demanda e do número de viagens pode fazer o custo do sistema mais do que triplicar. “Sem uma fonte de financiamento robusta e permanente, há riscos concretos para a continuidade e a qualidade do serviço prestado à população”, afirma.
A posição neutra da entidade sindical está alinhada com o entendimento da NTU, representante das empresas de ônibus de todo o país. Na edição mais recente do estudo “Tarifa zero nas cidades do Brasil (2025)”, a associação mostra que em diversas cidades que adotaram a política houve aumento na demanda, mas ressalta o risco de precarização do serviço com o crescimento dos custos para atender o número maior de passageiros.
Outro estudo, a “Pesquisa CNT de mobilidade da população urbana (2024), realizado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), mostra que que entre as pessoas que substituíram os ônibus por outros meios de transporte, o principal motivo que as fariam voltar seria a redução no valor das tarifas, opção citada por 21,2% dos entrevistados.
A aprovação do Tarifa Zero necessita dos votos favoráveis de pelo menos 28 dos 41 vereadores, sendo que 22 parlamentares assinaram o projeto de lei. Segundo Iza Lourença, a expectativa é positiva, pois, neste meio tempo, outros vereadores que não assinaram o pedido original passaram a defender a medida.
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“Nós tivemos recentemente entrevistas boas do vereador Helinho da Farmácia (PSD) e da vereadora Loíde Gonçalves (MDB). Nós temos contatos com outros vereadores também, estamos trabalhando muito para que a gente consiga não só os 28 votos, mas a unanimidade da Câmara para essa proposta”, relata.