SEM TRÉGUA

Feminicídios ligam alerta vermelho no Agosto Lilás

Em pleno mês de combate à violência de gênero, pelo cinco mulheres foram mortas e quatro sofreram agressões graves de companheiros em Minas

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O mês de agosto, pintado em tons lilás para simbolizar a luta pela proteção integral das mulheres contra todas as formas de violência, deveria ser um período de celebração dos avanços nesse sentido. No entanto, o cenário que se desenha é de alerta vermelho, marcado pela persistência da brutalidade contra a mulher e recordes de feminicídio. Até ontem, pelo menos cinco feminicídios e quatro casos de agressões graves foram registrados no estado. Em quase todos, companheiros são os suspeitos.


Os casos recentes ecoam a realidade: mesmo com leis e campanhas, o agressor continua agindo, e as vítimas, muitas vezes, não conseguem escapar a tempo. No último fim de semana, o policial penal Rodrigo Caldas foi preso suspeito de matar a namorada, auxiliar administrativa Priscilla Azevedo Mundim, a facadas. O policial estava afastado do cargo por “motivos psiquiátricos”.


O crime aconteceu na residência do policial, um apartamento no Bairro Padre Eustáquio, na Região Noroeste de Belo Horizonte. Acionada por um parente do policial penal, a Polícia Militar encontrou a mulher caída, com marcas de estrangulamento e pancadas, enquanto o homem estava com a blusa suja de sangue e com uma faca na mão e tentou se mantar. Ele foi detido e levado ao Hospital João XXIII.


À imprensa, Leonardo Alves de Souza, cunhado de Priscilla, contou que a vítima e o namorado estiveram em uma confraternização de família na noite de sexta-feira (15/8) e, às 22h, resolveram ir embora. A família tentou contato para saber se o casal chegou bem em casa, mas não conseguiu resposta. Na manhã seguinte, Leonardo e a esposa, Fabíola Mundim, irmã da vítima, seguiram sem resposta. Os dois foram à casa do policial procurar por Priscila. Em uma ligação, Rodrigo confessou que “fez merda” e pediu que chamassem a Polícia Militar.


Segundo a Polícia Civil, o homem já tinha um boletim de ocorrência registrado por uma ex-namorada, que o acusava de persegui-la por não aceitar o fim do relacionamento deles. Rodrigo teve a prisão preventiva decretada pela Justiça. “A triste e emblemática história de Maria da Penha se repete diuturnamente”, diz trecho da decisão que decretou a prisão preventiva do agente.


No mesmo dia em que Priscilla foi assassinada, um caso semelhante foi registrado, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Uma policial penal de 43 anos foi morta pelo companheiro, também agente de segurança penitenciário, de 25, dentro do apartamento em que moravam. Segundo a Polícia Militar, um vizinho acionou a corporação ao ouvir som de tiros. Militares precisaram arrombar a porta do apartamento e encontraram a mulher caída no sofá, coberta de sangue, com múltiplas perfurações de arma de fogo. A perícia recolheu nove cápsulas e cinco projéteis calibre.380 no local.


A policial penal sofreu 12 perfurações, sendo três na barriga, duas na perna direita, duas no braço direito, uma no peito e três nas costas. O relato de moradores no boletim de ocorrências indica que, momentos antes dos disparos, ouviram a mulher gritar “não, não”, seguido do som dos tiros. O autor tentou se matar após o crime e foi socorrido, mas morreu depois de receber atendimento hospitalar. Em ambos os casos, não há esclarecimento sobre a motivação do crime.

Recordes

De acordo com dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), a violência contra a mulher não dá trégua em Minas Gerais. No ano passado, o estado bateu recorde, com 415 registros de feminicídios, sendo 248 tentados e 167 consumados. Em 2023, foram 354 (186 consumados e 168 tentativas). Já este ano, conforme os últimos números, atualizados em junho, Minas teve 167 casos de agressão, sendo 72 consumados e 95 tentados. Do total, 21 foram em BH.


Segundo a promotora de Justiça Ana Tereza Giacomini, o feminicídio, especialmente casos consumados, tem apresentado um crescimento nacionalmente. “Desde 2015, isso vem sendo observado. Tivemos um recorde no número de feminicídios no ano passado, com uma média de quatro mulheres sendo mortas por dia. Isso revela um desafio enorme, porque a meu ver, a solução não vai passar apenas pela questão da tipificação penal, ou pela busca de uma repressão penal. Precisamos trabalhar questões estruturais complexas”, afirma.


Para ela, há necessidade de trabalhar o assunto nas escolas e junto às pessoas que sofreram a perda. “A mulher é sempre o amor de alguém. É sempre o arrimo daquela família. Precisamos olhar para a orfandade do feminicídio, porque amanhã tendem a ser futuros agressores ou futuras vítimas, porque naturalizam ess violência”, destaca Giacomini.


Armas dos crimes

Um levantamento do Instituto Fogo Cruzado em 57 municípios indicou uma tendência de uso de arma de fogo nas tentativas de feminicídio. Segundo o estudo, pelo menos 29 mulheres foram vítimas de ataques com arma de fogo em 2025, até a primeira quinzena de agosto. Por outro lado, Ana Tereza explica que o crime é sempre cometido com aquilo que está às mãos do agressor. “Nem sempre vai ser uma arma de fogo, porque nem todos têm acesso. É comum que haja, inclusive, arma branca nesses casos. É a faca da cozinha que está disponível, mais perto naquele momento ou é o estrangulamento”, explica a promotora.


Além disso, ela revela que as mulheres são comumente atingidas no rosto e em partes íntimas. “É um traço marcante desse tipo de crime de gênero, que está relacionado a questões de assimetria de poder e ao patriarcado. É um pensamento dominante machista que entende a mulher não como um sujeito de direitos, mas como um objeto submersível, ou seja, ‘aquela pessoa que se não é mais minha, não vai ser de mais ninguém’”, descreve.


Ações de enfrentamento

Ontem, a Sejusp realizou ação educativa sobre a violência contra a mulher em todo o estado. Na capital, a mobilização, batizada de “Operação Shamar”, aconteceu na Praça Sete, ponto estratégico de grande circulação de pessoas com objetivo de atingir o máximo de pessoas.


Equipes da Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, Ministério Público, Defensoria Pública e Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) se uniram para distribuir materiais educativos, dialogar com a população e reforçar os canais de denúncia, como o Disque 181, ou 190 da Polícia Militar e o 127 da Ouvidoria do Ministério Público.


A campanha continua com atividades em todo o estado até o fim do mês, reforçando que prevenir, orientar e proteger são ações de todos. Até o momento, o balanço parcial da operação no estado é de 418 diligências realizadas, 63 pessoas presas por mandado de prisão preventiva, 12 presos por mandado de prisão civil, 184 munições e 18 armas de fogo apreendidas, 106 mandados de busca e apreensão cumpridos, 81 medidas protetivas solicitadas e 107 medidas protetivas de urgência acompanhadas. Para a execução da operação, foram mobilizados 773 policiais e 269 viaturas.


Faces da violência

Ao falar em violência doméstica, a primeira imagem que vem à mente é a agressão física. No entanto, a Lei Maria da Penha, que completa 19 anos em 2025, deixa claro que a violência contra a mulher assume diversas faces, todas igualmente graves e capazes de destruir vidas.


A violência física é a mais visível, manifestando-se por empurrões, socos, tapas, estrangulamentos e outros atos que deixam marcas no corpo. Ocorre que nem sempre a violência deixa sinais externos. Como é o caso da violência psicológica, igualmente cruel, já que se manifesta em forma de humilhações, ameaças, chantagens, manipulações e controle excessivo da vida da mulher.

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A violência moral, por sua vez, ocorre quando a mulher é caluniada, difamada ou tem sua reputação colocada em dúvida por mentiras e acusações falsas. Já a violência sexual acontece quando há qualquer ato forçado ou sem consentimento, dentro ou fora do relacionamento – inclusive no âmbito conjugal.


Menos conhecida, a violência patrimonial acontece quando o agressor destrói bens da vítima, controla o acesso ao dinheiro ou retém documentos, tentando deixá-la sem autonomia financeira. E há ainda a violência obstétrica, enfrentada por muitas mulheres durante a gestação, o parto e o pós-parto, quando sofrem desrespeito, humilhação ou procedimentos desnecessários sem consentimento. 

*Estagiárias sob supervisão da subeditora Rachel Botelho

Como denunciar

  • Ligue 180 para ajudar vítimas de abusos

  • Em casos de emergência, ligue 190

Onde procurar ajuda

  • Coordenadoria da Mulher – TJMG: (31) 3237-8232 / 8233
  • Central de Atendimento à Mulher: 180
  • Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (BH): (31) 3337-4899 / 3295-6913
  • Delegacia de Plantão de Atendimento à Mulher: (31) 3295-6913
  • Defensoria Pública de Defesa da Mulher: (31) 2010-3171
  • Promotoria da Mulher: (31) 3337-6996
  • E-mail da Coordenadoria da Mulher no TJMG: [email protected]

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