Tudo que se sabe sobre os feminicídios envolvendo policiais penais em MG
Duas mulheres foram mortas, em BH e Uberlândia, nesse fim de semana. Nos dois casos, os companheiros agentes penitenciários sãos os principais suspeitos
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Siga noDuas mulheres, de 43 e 46 anos, foram mortas em um intervalo de horas neste final de semana, em Belo Horizonte (MG) e Uberlândia (MG), na Região do Triângulo. Nos dois casos, os principais suspeitos do crime são os companheiros das vítimas que eram policiais penais. Ambos tentaram se matar após os crimes, mas um deles sobreviveu e segue internado sob escolta no Hospital João XXIII.
O primeiro crime aconteceu no bairro Padre Eustáquio, na Região Noroeste da capital mineira. Priscila Azevedo Mundim, auxiliar administrativa de 46 anos, foi morta a facadas no apartamento em que o namorado morava e encontrada na tarde de sábado (16/8). O suspeito é o policial penal Rodrigo Caldas, de 45 anos, que estava afastado do cargo por “problemas psiquiátricos”.
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Como foi o crime em Belo Horizonte?
À imprensa, o cunhado de Priscila, Leonardo Alves de Souza, contou que a vítima e o namorado estiveram em uma confraternização em família durante a noite de sexta-feira (15) e, às 22h, resolveram ir embora em direção à casa do suspeito. A família tentou contato para saber se o casal chegou bem em casa, mas não conseguiu resposta.
Na manhã seguinte, Leonardo e a esposa Fabíola Mundim, irmã da vítima, seguiram sem resposta. Os dois foram à casa do policial procurar pela vítima e, em uma ligação, Rodrigo confessou que “fez merda” e pediu que chamasse a Polícia Militar.
O casal foi encontrado na cama. A mulher tinha marcas de estrangulamento e facadas, enquanto o homem estava com a blusa suja de sangue e com uma faca na mão, dizendo que iria se suicidar.
Após cometer o crime, o suspeito tentou tirar a própria vida. Ele foi socorrido com um corte na região do abdômen e encaminhado ao Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, na Região Centro-Sul da capital, onde segue internado sob escolta policial.
O corpo de Priscila foi encontrado em um dos cômodos da casa com marcas de facadas. À reportagem, vizinhos relataram terem ouvido gritos e chamado a polícia, mas nenhum militar compareceu para averiguar. A suspeita é que o feminicídio tenha acontecido de madrugada.
O velório e sepultamento da auxiliar administrativo ocorreu no Cemitério Parque da Colina, no bairro Nova Cintra, na Região Oeste de Belo Horizonte, nesse domingo (17). Ela deixa dois filhos: um jovem de 22 anos e uma menina de 11.
Principais pontos do caso de BH
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Priscila e Rodrigo confraternizaram com a familiares e voltaram para casa às 22h de sexta-feira (15)
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Cunhado tentou contato para saber se chegaram bem, mas não conseguiu resposta
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Vizinhos ouviram gritos e chamaram a polícia, que não apareceu
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Cunhado e esposa, irmã de Priscila, foram à casa de Rodrigo procurar Priscila
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Rodrigo confessou que “fez merda” e pediu que chamassem a polícia
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Apartamento foi arrombado e vítima e suspeito foram encontrados na cama
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Rodrigo tentou tirar a própria vida e foi socorrido ao João XXIII
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Priscila foi encontrada morta em um dos cômodos do apartamento
Por que agente penal estava afastado do trabalho?
Em nota, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp-MG) informou que o policial penal estava distanciado das atividades desde o início de 2024 por “motivos psiquiátricos”. Desde então, a arma institucional do servidor já havia sido recolhida.
A pasta, por meio do Departamento Penitenciário (Depen) instaurou um procedimento administrativo pela Corregedoria para auxiliar a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) ao longo do inquérito que vai investigar o crime. “A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) lamenta imensamente a morte de Priscila Azevedo Mundim, vítima de feminicídio, neste sábado (16/8), em Belo Horizonte”.
"A gente não sabia de questões de que ele (Rodrigo) estava afastado por problemas psicológicos. Não temos informação de histórico de agressão (contra mulheres)", afirma o cunhado. "Na sexta-feira, quando esteve na minha residência, ele disse que estava atendendo à ocorrência da morte do gari, no Ceresp Gameleira", contou à reportagem a prima-irmã de Priscila, Thais Angélica Azevedo Mundim.
Qual era o perfil do agente penal?
Durante o velório da vítima, o cunhado Leonardo Alves de Souza disse que a família de Priscila não sabe se ela chegou a ser agredida pelo namorado em outras ocasiões durante o relacionamento que durou cerca de cinco meses. No entanto, ele afirma que todos já haviam percebido que Rodrigo tinha comportamentos de “uma pessoa possessiva”. Após a morte da cunhada, ele clama por justiça e pede que o suspeito não saia impune.
Ao Estado de Minas, o cunhado também relatou que percebeu uma crise de ciúmes durante a confraternização, mas não imaginava a agressividade. "Ele mostrou ela fazendo uma selfie e reclamou que não estava na foto. Eu disse a ele para ver no perfil dela. O que mais tinha eram fotos dele com ela. Ele ficou incomodado. estava muito ciumento naquele dia”, relatou.
“A gente é atleticano e ele, cruzeirense. Aí ele não gostou de uma brincadeira dela. A gente precisou pedir para ele ter equilíbrio, que era só brincadeira. Eram situações em que a gente ainda conseguia contornar", lembra o cunhado.
"Senti um ciúmes extremo por parte dele. Ela me disse: 'não estou aguentando, ele está me sufocando'. Disse que ela não precisava mais disso. Ela me deu um abraço como nunca me deu antes e disse: 'irmã eu te amo'. Quando ela foi embora, senti uma angústia tão grande", lembra a irmã de Priscila, Fabíola Mundim.
Como foi o crime em Uberlândia?
No Triângulo Mineiro, uma policial penal de 43 anos foi morta a tiros pelo companheiro, também policial penal, no apartamento em que moravam em Uberlândia. O suspeito, de 25 anos, tentou se matar após o ataque, foi socorrido e morreu no hospital.
Os dois se relacionavam há cerca de um ano e trabalhavam juntos no Presídio Professor Jacy de Assis. A motivação do crime ainda não foi definida.
De acordo com o boletim de ocorrência, a Polícia Militar foi acionada na noite do sábado por um vizinho do casal, que ouviu barulhos de tiros e gritos da mulher de “não, não”. Os militares seguiram ao endereço e, sem resposta, arrombaram a porta da casa.
A vítima foi encontrada caída no sofá, coberta de sangue e com múltiplas perfurações de arma de fogo. O suspeito estava próximo à mesa de jantar, visualmente ferido mas com sinais vitais aparentes.
Do local, foram recolhidas nove cápsulas e cinco projéteis de calibre .380, além de uma arma registrada no nome do policial. Conforme a perícia, a vítima sofreu 12 perfurações que atingiram a barriga, a perna direita, o braço direito, o peito e as costas.
O suspeito foi socorrido para o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, mas teve a morte cerebral confirmada.
Em nota, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) lamentou o episódio e informou que a investigação está sob responsabilidade da Polícia Civil. “O Departamento Penitenciário está à disposição para auxiliar a Polícia Civil no que for preciso para o curso do inquérito policial que investigará as circunstâncias do fato”, afirmou a pasta.
Principais pontos do feminicídio
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Vizinhos ouviram tiros e gritos da mulher e acionaram a polícia
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Militares foram à casa e, sem resposta, arrombaram a porta
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Mulher foi encontrada morta no sofá da casa, sem sinais vitais
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Policial penal foi achado ferido perto da mesa de jantar
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Suspeito foi resgatado ao hospital
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Suspeito teve a morte confirmada pela equipe médica
Por que tantos feminicídios envolvendo policiais penais, segundo o sindicato da categoria?
Com o envolvimento de dois policiais penais em ocorrência de feminicídio em um mesmo dia, o Sindicato dos Policiais Penais do estado (Sindppen-MG) alega falta de acompanhamento do governo estadual em relação aos servidores afastados de suas funções. “O Estado tem virado as costas para os policiais penais. Essas tragédias não já estamos avisando que poderia acontecer há muito tempo”, afirmou Jean Otoni, presidente do Sindppen.
Em entrevista ao EM, Jean afirmou que a entidade tem sido combativa em relação a episódios de assédio sexual e perseguições dentro das unidades prisionais. Ele explica que a pauta caminha ao lado da que discute o adoecimento da categoria diante a superlotação dos presídios e penitenciárias mineiras.
Segundo o sindicalista, entre 2020 e 2024, ao menos 50 policiais penais tentaram tirar a própria vida. “Nós temos denunciado essa situação e temos pedido que colegas possam acompanhar o tratamento de saúde dos servidores, mas o estado não aprovou nossa proposta", lamenta.
O Projeto de Lei 3797/2025, assinado pelo deputado Professor Cleiton (PV), prevê a instituição, em caráter permanente, do serviço de Capelão nas entidades públicas estaduais. Para o sindicato, o objetivo do texto é fazer o acolhimento “espiritual, humano e emocional” para os servidores e seus familiares. Na ALMG, o texto aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça.
Como identificar se uma relação é abusiva?
No ano de 2024, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, o Brasil registrou 1.450 feminicídios, sendo este o maior número desde a lei que tipifica o crime, em 2015. Apesar de grande o número de casos, muitas mulheres não conseguem reconhecer sinais de abuso, principalmente quando se veem dependentes do agressor. Em entrevista, a psicóloga Najma Alencar explica que a violência pode vir de forma física, sexual, psicológica, moral ou patrimonial.
Para ajudar suas pacientes, Najma aplica um questionário com 12 perguntas que apontam o grau de dependência emocional. Responder “sim” para as questões indica um vínculo marcado pela submissão e pelo medo de abandono:
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Você sente necessidade de consultar o seu parceiro para tudo o que faz?
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Você é incapaz de aproveitar os momentos em que está sozinha?
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Sua felicidade depende exclusivamente do seu parceiro e não consegue suportar a ideia de um término?
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Você se afastou dos amigos e da família desde que começou essa relação?
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Você não se atreve a tomar a iniciativa em nada e não expressa sua opinião por medo de desagradá-lo?
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Qualquer atividade que você faz sem ele é chata e monótona?
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Você já se fez de vítima para chamar a atenção dele?
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Sua vida não tem sentido sem ele?
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Você vive com medo dele ir embora?
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Você acha que tem muita sorte de alguém tão incrível querer ser seu parceiro?
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Você é muito ciumenta?
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Você perdoaria uma traição para não terminar o relacionamento?
Segundo a psicóloga, superar essa dependência exige autocrítica, autoestima e autonomia, além de acompanhamento terapêutico. Mas, quando a relação é marcada por abuso, é fundamental procurar ajuda. “Ao menor sinal de abuso, a mulher deve buscar apoio, seja em uma Delegacia da Mulher ou com alguém de confiança. Uma rede de apoio é essencial para que ela encontre coragem para sair dessa situação”, ressalta.
Como mulheres vítimas de violência doméstica podem conseguir ajuda?
Mulheres que perceberem em uma situação de violência doméstica podem conseguir ajuda pela Central de Atendimento à Mulher, no número 180. O serviço funciona 24 horas por dia e oferece orientações sobre:
- leis e direitos das mulheres;
- informações sobre serviços de acolhimento, como a Casa da Mulher Brasileira;
- encaminhamento a delegacias, defensorias públicas e centros de referência;
- registro e envio de denúncias aos órgãos competentes;
- apoio e informações sobre a rede de atendimento em todo o país.
O que é feminicídio?
Feminicídio é o nome dado ao assassinato de mulheres por causa do gênero. Ou seja, elas são mortas por serem do sexo feminino. O Brasil é um dos países em que mais se matam mulheres, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A tipificação do crime de feminicídio é recente no Brasil. A Lei do Feminicídio (Lei 13.104) entrou em vigor em 9 de março de 2015.
Entretanto, o feminicídio é o nível mais alto da violência doméstica. É um crime de ódio, o desfecho trágico de um relacionamento abusivo.
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O que diz a Lei do Feminicídio?
- Art. 121, parágrafo 2º, inciso VI"Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:I - violência doméstica e familiar;II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher."
Qual a pena para o crime de feminicídio?
- Segundo a Lei 13.104, de 2015, "a pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; na presença de descendente ou de ascendente da vítima."