Violência contra mulheres: Justiça lenta e machista é tema de debate em BH
Evento em BH discute como morosidade e machismo no Judiciário agravam a violência contra mulheres, em meio ao aumento de casos de feminicídios
compartilhe
Siga noEm meio ao crescimento no número de casos de violência contra a mulher no Brasil, a luta contra a violência de gênero ganha um novo palco em Belo Horizonte. A edição de setembro do projeto Sábados Feministas vai receber os advogados e ativistas Rodrigo da Cunha Pereira e Isabel Araújo para debater sobre a “Violência contra as mulheres: a Justiça que tarda e falha”. O evento gratuito e aberto ao público vai acontecer no dia 6 de setembro às 10h na Academia Mineira de Letras (AML).
Em Minas, a cada três dias uma mulher foi vítima de feminicídio no primeiro semestre de 2025, de acordo com o Mapa Nacional da Violência de Gênero. Segundo o levantamento, 718 mulheres foram mortas no Brasil em razão do seu gênero, de janeiro a junho deste ano. Do total, 60 casos foram em território mineiro, sendo o segundo na posição no ranking nacional de feminicídios, atrás apenas de São Paulo com 128 mortes. No mesmo período, os estupros somaram 2.285 casos.
Leia Mais
O debate ganha força diante do crescimento dos índices de violência. Para o advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Rodrigo da Cunha Pereira, o problema não se restringe às agressões físicas e psicológicas sofridas em casa. Muitas vezes, a vítima enfrenta uma nova forma de violência ao recorrer ao sistema judicial. O que deveria ser um espaço de proteção, no entanto, em vez de acolhimento, encontram novas formas de violência.
“A Justiça que tarda não é Justiça. Quando ela é lenta acaba atrapalhando as pessoas. A lentidão processual atinge de forma mais dura mulheres em situação de vulnerabilidade, principalmente em casos de partilha de bens e disputas de guarda, além dos processos criminais envolvendo violência doméstica”, afirma Rodrigo.
Além da morosidade, Pereira aponta que o Judiciário brasileiro ainda carrega uma herança machista que desvaloriza a palavra das vítimas.
“A falha e a discriminação acontecem porque a Justiça ainda é masculina - 70 a 80% dos cargos ocupados na magistratura ainda é de homens e machista. Não basta termos leis avançadas. Se o olhar que julga é masculino e machista, a Justiça se torna mais uma barreira”, afirma Pereira.
Uma forma combater esse cenário foi a criação do “Protocolo de julgamento com perspectiva de gênero” pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A medida busca orientar juízes a considerar o contexto patriarcal em que as mulheres estão inseridas ao analisar processos. “O machismo estrutural está em todos nós. A diferença está no combate, na luta diária contra o preconceito que há em cada um de nós”, afirma Pereira. Para o advogado, a iniciativa é “revolucionária”, mas ainda enfrenta resistência dentro dos tribunais.
Ao lado de Pereira, participa do encontro a advogada Isabel Araújo, presidente da Comissão de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres da OAB-Minas. O feminismo esteve presente na sua vida desde sempre, transformado de percepção da situação de desigualdade de mulheres e homens ao ativismo na área jurídica. "Ao me tornar advogada, em especial atuando em processos de júri de feminicídios, essa consciência se intensificou: incorporo a perspectiva de gênero em cada caso, buscando que o direito seja um instrumento real de proteção e emancipação”, comenta.
Isabel afirma que busca transformar o direito em ferramenta de emancipação. “Nesta área, as mulheres, de maneira geral sofrem preconceito por parte de advogados, juízes etc. E se são advogadas feministas, o preconceito é ainda maior", conta a advogada.
História de militância
Considerado como o primeiro advogado feminista do Brasil, desde que se formou em 1983, Rodrigo Pereira passou a atender gratuitamente mulheres vítimas de violência no Centro de Defesa dos Direitos da Mulher, em Belo Horizonte.
Ao longo das mais de quatro décadas de luta, Rodrigo lembra de um dos seus primeiros casos. "Uma mulher de Conselheiro Lafaiete que veio a Belo Horizonte para ser atendida, que soube do CDM. Ela era mãe solteira foi proibida de entrar em um clube social da cidade enquanto, por por lado, o pai solteiro podia entrar. Entramos com uma ação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em 1984, se não me engano, e ela conseguiu entrar no clube. Essa vitória foi muito gratificante", relembra.
Reformas
Para além de reformas no sistema judicial, os especialistas defendem que é preciso mexer nas bases da sociedade. O machismo estrutural naturaliza a violência e faz com que crimes contra mulheres sejam minimizados.
“É inaceitável que ainda hoje se use o termo ‘crime passional’ para falar de feminicídio. Isso mascara a gravidade da violência contra mulheres”, aponta Isabel.
Na avaliação de Pereira, o enfrentamento da violência contra a mulher exige mais do que boas leis. É necessária a implementação de políticas públicas sérias, investimento em educação e acolhimento das vítimas, além da transformação do próprio Judiciário.
“Se metade dos cargos na Justiça fosse ocupada por mulheres, especialmente negras, já teríamos outro cenário. A inclusão é o primeiro passo para mudar”, avalia. Pereira conclui que enfrentar o feminicídio exige ação imediata.
A escolha da Academia Mineira de Letras como palco do debate reforça o caráter cultural e reflexivo da iniciativa. Tradicionalmente voltado à literatura, o espaço vai abrir as portas para promover diálogo e conscientização. O encontro será aberto ao público, sem necessidade de inscrição prévia é "só chegar", afrima os organizadores. Os portões da AML, localizada na Rua da Bahia, 1466, no Hipercentro de Belo Horizonte, estarão abertos a partir das 9h30.
O projeto Sábados Feministas é uma iniciativa da AML em parceria com o movimento Quem Ama Não Mata e acontece no âmbito do “Plano Anual Academia Mineira de Letras – AML (PRONAC 248139)”, previsto na Lei Federal de Incentivo à Cultura, e tem o patrocínio do Instituto Unimed-BH, por meio do incentivo fiscal de mais de cinco mil e setecentos médicos cooperados e colaboradores. O evento tem apoio do Esquina Santê.
Serviço:
- Sábados Feministas – Violência contra as mulheres: a justiça que tarda e falha
- Data e horário: 6 de setembro, sábado, às 10h (portões abertos às 9h30)
- Local: Academia Mineira de Letras – Rua da Bahia, 1466, Lourdes – Belo Horizonte
- Entrada gratuita (não precisa fazer inscrições)
*Estagiária sob supervisão do subeditor Humberto Santos