Minas Gerais deve entregar em mãos, na próxima segunda-feira (11/8), o plano estadual de reestruturação do sistema prisional, elaborado dentro do programa nacional Pena Justa, ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. 

As informações foram adiantadas ao Estado de Minas pelo desembargador José Luiz de Moura Faleiros, superintendente do Grupo de Monitoramento e Fiscalização dos Sistema Carcerário e Socioeducativo (GMF/TJMG). “Apesar das nossas mazelas, Minas está sempre à frente”, disse em entrevista à reportagem. Ele cita o modelo das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APACs) que, embora tenham origem em São Paulo, se consolidaram como referência no estado mineiro.

O programa, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), estabelece metas para redução da população carcerária e garantia de direitos básicos das pessoas privadas de liberdade. Todos os estados brasileiros devem entregar seus planos ao STF até segunda, conforme determinação da Corte, que, em 2015, declarou o sistema penitenciário nacional em “estado de coisas inconstitucional”.

Foi essa decisão que reconheceu violações generalizadas de direitos humanos nas prisões, já denunciadas por familiares e egressos do sistema prisional, como superlotação, condições precárias de infraestrutura, alimentação e saúde, além de relatos de tortura. A resolução abriu precedentes para o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 (ADPF 347), em outubro de 2023, que culminou na criação do programa de enfrentamento à falência do sistema prisional.

Minas Gerais, segundo estado com maior população carcerário do país, e São Paulo foram convidados para fazer a entrega presencial do documento na capital federal, segundo o desembargador Faleiros. A reportagem procurou a assessoria do governador Romeu Zema (Novo) para confirmar se o dirigente irá participar da entrega, mas, até o fechamento desta edição, não houve retorno.

Superlotação e comida precária

Ao comentar o panorama carcerário em Minas, o desembargador Faleiros foi categórico ao apontar a superlotação e alimentação precária como os principais gargalos do sistema mineiro. “A prisão por si só, sabidamente, não leva a um efeito positivo concreto. E não podemos continuar com um amontoado de seres humanos à margem de todos os direitos. O foco é ampliar o espaço e que tenhamos condições de fornecer comidas saudáveis e aceitáveis”, afirmou.

 

Com a crise reconhecida internamente, o Tribunal de Justiça repassou R$ 1,3 bilhão do Fundo Judiciário ao governo do estado por meio de um termo de cooperação. O montante, segundo o desembargador, é destinado a obras emergenciais, como a criação de cinco mil novas vagas e a reforma das cozinhas industriais dos presídios para voltar a produção dos alimentos dentro das unidades.

Após a entrega do plano ao STF, o documento ainda será analisado pela Suprema Corte e poderá ser devolvido para ajustes. O CNJ será responsável pelo monitoramento semestral do andamento das metas e da implementação de cada eixo do programa nos estados.

Construção coletiva

A estruturação do plano mineiro foi resultado de quase três meses de debates conduzidos pelo Comitê de Políticas Penais de Minas Gerais, criado especialmente para essa tarefa. O grupo reuniu representantes do Tribunal de Justiça, Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Assembleia Legislativa.

A versão final do documento foi aprovada na última quinta-feira (30/7) e assinada oficialmente nessa terça-feira (5/8), em uma solenidade fechada à imprensa que contou com a presença do presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador Luiz Carlos Corrêa Junior, e do governador Romeu Zema (Novo). As mais de 300 metas previstas para os próximos três anos envolvem desde questões estruturais — como vagas, alimentação e saúde — até o aprimoramento da gestão processual, com foco na ressocialização.

A composição do comitê que discutiu o plano foi alvo de críticas por parte de representantes da sociedade civil. “Deixar a população fora desse comitê é aprofundar a distância entre o discurso e a prática, é escolher o caminho da exclusão ao invés da participação. Somos nós que vivemos, são os nossos que estão sofrendo", disse Míriam Estefânia dos Santos, presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, em audiência pública no início de julho.

O incômodo é reforçado pela deputada estadual Bella Gonçalves (Psol), integrante da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, que criticou a falta de representatividade social no comitê e o desequilíbrio entre os poderes institucionais. “A formulação e aprovação do plano foram marcadas por uma lógica pouco democrática, com desequilíbrio entre os poderes institucionais e a sociedade civil, o que compromete sua legitimidade”, disse em nota.

A parlamentar também condenou o argumento de “limites orçamentários” para justificar a omissão estatal. “Direitos fundamentais não são opcionais — são obrigações constitucionais que exigem ação imediata, responsabilidade institucional e vontade política”.

A magnitude do problema carcerário em Minas acompanha a própria extensão territorial do estado e, como em outros assuntos, espelha o tamanho da complexidade brasileira. Segundo números da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), segmentados pelo Núcleo de Dados do Estado de Minas, o estado tem hoje 72.568 pessoas privadas de liberdade para 58.644 vagas. A taxa de superlotação é de 66,8%.

Representante mineira

A discussão nacional do programa terá como representante de Minas a juíza Solange Riemma, que também é corregedora de uma unidade prisional no Triângulo Mineiro. “Ela agora está em Brasília em treinamento para a posse, e vai ser uma pessoa próxima aqui de Minas”, informou o desembargador Faleiros.

Durante audiência pública realizada na Assembleia Legislativa no mês passado, a juíza defendeu que o foco do programa está em atacar as causas estruturantes das violações de direitos dentro das prisões. “Acredito que aquela pessoa precisa se recuperar, se transformar, porque ele volta. E como essa pessoa volta na minha comunidade se eu não trabalhar com ela efetivamente? Parece que todo mundo acha que essas pessoas vão se acumulando, vão se coisificando, e nós esquecemos que são seres humanos que darão o tom para a nossa futura geração”, afirmou a coordenadora do GMF/TJMG.

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Ela também destacou que o compromisso do Estado com a mudança não pode ser apenas simbólico. O próprio Judiciário reconhece, porém, que o caminho será longo. "Nós estamos nos comprometendo em ter uma responsabilidade de que cada cidadão é cidadão entenda que nós não temos prisão perpétua, felizmente no Brasil. Não vai ser agora no dia 11 de agosto que nós vamos mudar isso. Nós estamos nos comprometendo em ter uma responsabilidade de que cada cidadão e cidadã entenda que nós não temos prisão perpétua, felizmente, no Brasil", disse Solange na audiência.

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