Uma servente escolar demitida por não comparecer ao trabalho após ser agredida pelo ex-companheiro ganhou o emprego de volta na Justiça por causa da Lei Maria da Penha. A profissional, concursada da MGS e contratada em 2019, sofreu a agressão do ex-companheiro em 16 de janeiro de 2021. O homem invadiu a casa em que ele morava com os três filhos e espancou a mulher e a ameaçou de morte.

Com medo de novas agressões, a servidora registrou boletim de ocorrência e pediu medida protetiva. Em seguida, a mulher comunicou a MGS que não se sentia segura para voltar ao trabalho e solicitou transferência de posto. Inicialmente, a empresa orientou que ela aguardasse em casa até nova instrução.

No entanto, semanas depois desta orientação, a servente recebeu notificação para justificar as ausências presencialmente e acabou dispensada por justa causa, sob a alegação de faltas injustificadas e histórico disciplinar, incluindo uma suspensão em 2019.

Direito na Justiça

A servidora entrou na Justiça para tentar recuperar o emprego. A juíza da 14ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, resposável pelo caso entendeu que as ausências da servente estavam justificadas pela situação de violência doméstica e que a empresa tinha conhecimento do caso, inclusive concordando com o afastamento.

“A autora estava sendo perseguida e ameaçada pelo ex-companheiro, que invadiu sua residência e contra quem ela precisou pedir ordem restritiva. É razoável entender que estivesse receosa de retornar ao trabalho, especialmente com o medo de encontrar o agressor”, afirmou a magistrada.

A decisão cita o inciso II do artigo 9º da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que assegura a manutenção do vínculo trabalhista, mesmo com afastamento do local de trabalho por até seis meses, para preservar a integridade física e psicológica da mulher em situação de violência. Além disso, a juíza destacou que a empresa, parte da administração pública indireta, deveria ter priorizado a proteção da servente, oferecendo, por exemplo, remoção para local seguro.

“Se o Poder Público pode garantir a remoção do empregado para proteger a unidade familiar, deve fazê-lo para preservar a vida e segurança da empregada vítima de violência doméstica”, afirmou. Também ficou evidenciado que não houve procedimento administrativo disciplinar adequado, com direito à ampla defesa e contraditório, para justificar a dispensa.

Segundo a magistrada, a motivação oficial da dispensa deve corresponder à realidade dos fatos. A alegação da empresa de desídia não refletiu o contexto real das ausências, tornando a justa causa inválida conforme a teoria dos motivos determinantes.

“Os elementos de convicção indicam que a motivação apresentada não condiz com a realidade, razão pela qual declaro nulo o ato administrativo que determinou a dispensa e reverto a justa causa aplicada”, completou.

Decisão e consequências

A juíza anulou a justa causa e determinou a reintegração da servente ao mesmo cargo, com remuneração equivalente e em posto compatível, sob pena de multa diária de R$ 100,00, reversível à trabalhadora. A empresa foi condenada ao pagamento de salários, férias, 13º salário e benefícios desde a data da dispensa até o retorno da trabalhadora.

A empresa recorreu, mas a Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-MG) manteve a decisão por unanimidade. O desembargador que analisou o caso ressaltou que mulheres vítimas de violência doméstica não podem ser penalizadas no ambiente profissional e que é dever do poder público e da sociedade garantir proteção.

“É dever do poder público e da sociedade proteger mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. A legislação prevê acesso prioritário à remoção e manutenção do vínculo trabalhista para preservação da integridade física e psicológica, conforme art. 9º, §2º, I e II da Lei Maria da Penha.

A empresa ao tomar ciência da violência, deveria ter orientado a funcionária sobre seus direitos e assistência, mas optou pela dispensa, mesmo ciente da situação”, finalizou. Em fevereiro de 2025, após o pagamento da dívida trabalhista, o processo foi arquivado.

19 anos de proteção às mulheres

Nesta quinta-feira, 7 de agosto de 2025, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) completa 19 anos. Essa legislação é um marco no combate à violência contra a mulher no Brasil, buscando não apenas punir agressores, mas garantir que as vítimas possam romper o ciclo de violência e reconstruir suas vidas com dignidade e segurança. 

Sancionada em 7 de agosto de 2006, a Lei 11.340 homenageia Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência durante 23 anos de casamento. Nesse período, ela sofreu duas tentativas de homicídio. A primeira com arma de fogo a deixou paraplégica. A segunda por eletrocussão e afogamento a fez criar coragem para denunciar seu ex-marido. Conseguiu uma ordem judicial contra ele e iniciou uma batalha para que seu agressor fosse condenado.

O artigo 9º, parágrafo 2º, incisos I e II da lei assegura medidas essenciais para mulheres em situação de violência doméstica:

  • I – acesso prioritário à remoção para servidoras públicas da administração direta ou indireta;

  • II – manutenção do vínculo trabalhista, mesmo com afastamento do local de trabalho por até seis meses, para preservar a integridade física e psicológica.

Para aplicação dessas medidas, a mulher deve estar amparada por medida protetiva ou decisão judicial que reconheça a situação de risco.

Essas garantias são fundamentais para que a mulher não seja penalizada profissionalmente por buscar proteção contra a violência, oferecendo suporte para seguir a vida sem medo. 

Os diferentes rostos da violência

A Lei Maria da Penha contempla cinco tipos de violências contra mulheres no âmbito conjugal e familiar, que vão muito além das agressões físicas:

  • Violência física: atos que causam dano à integridade corporal, como espancamento, estrangulamento, queimaduras e uso de armas.
  • Violência sexual: coação ou força para manter relações sexuais não consentidas, impedir o uso de contraceptivos ou forçar abortos.
  • Violência psicológica: ações que causam dano emocional, diminuem a autoestima e controlam a mulher por meio de humilhações, ameaças, isolamento e perseguição.
  • Violência patrimonial: controle abusivo sobre bens e recursos da mulher, destruição de documentos, privação econômica e danos a objetos pessoais.
  • Violência moral: difamações, calúnias, injúrias e ataques à reputação e dignidade da mulher.

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