Empresa de BH deve indenizar funcionário autista por discriminação
Funcionário foi dispensado sem justa causa depois de apresentar laudo médico sugerindo mudanças no ambiente de trabalho
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Siga noUm funcionário autista de uma empresa em Belo Horizonte, será indenizado em R$ 10 mil por ter sido demitido depois de sugerir algumas adaptações no ambiente de trabalho, conforme orientado pela psiquiatra.
Na Justiça do Trabalho, o valor da indenização havia sido fixado em R$ 25 mil, sob alegação de que a dispensa logo após o pedido de ajustes mostrou omissão grave e caracterizou discriminação. No entanto, depois de recurso, o valor ficou em R$ 10 mil.
Segundo o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG), o funcionário foi bem avaliado e elogiado por colegas ao ingressar na empresa. Porém, ao apresentar um laudo médico com recomendações de adaptações simples para que pudesse exercer suas funções com mais conforto e igualdade, as coisas mudaram. Um mês depois, ele foi dispensado sem justa causa.
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O relatório médico pedia um espaço de trabalho mais calmo, luz suave em vez de fluorescente, cores neutras nas paredes, fones de ouvido para reduzir ruídos, softwares de produtividade, uma cadeira ergonômica adequada e pequenas flexibilizações na rotina, como pausas regulares em local tranquilo, e a possibilidade de contar com um mentor para ajudá-lo na interação social.
O documento indicava que eram medidas de baixa complexidade, necessárias para garantir inclusão. Segundo o relatório, as medidas não exigiam grandes reformas ou investimentos e tinham como objetivo tornar o ambiente mais inclusivo, garantindo bem-estar e produtividade do trabalhador em questão.
A empresa não cumpriu as orientações e providenciou somente medidas isoladas, como a troca da cadeira utilizada por ele e acrescentou um suporte para notebook, além de oferecer trabalho remoto como alternativa. Entretanto, o funcionário não havia feito esse pedido e o psiquiatra também não havia recomendado o home office. O próprio empregado tinha falado em depoimentos internos que o convívio com a equipe era fundamental para o desenvolvimento de suas habilidades sociais.
A dispensa foi justificada como parte de uma suposta reestruturação organizacional que não foi provada pela empresa durante o processo. A magistrada verificou que um pequeno número de pessoas havia sido desligado no setor, principalmente em cargos de liderança, o que não era o caso do trabalhador autista. Na sentença, a juíza observou a falta de empatia por parte da ex-empregadora, pois o trabalhador buscou esclarecimentos sobre sua dispensa por meio do canal oficial de atendimento da empresa, mas recebeu respostas automáticas, sem explicação concreta.
Uma testemunha do setor de recursos humanos, ouvida pela juíza, confirmou que o laudo médico chegou à medicina do trabalho, mas nada foi feito. Essa mesma testemunha relatou que a dispensa ocorreu sem sequer passar pelo setor jurídico da empresa.
O que dizia no relatório médico?
No laudo, o psiquiatra explicou que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição que pode afetar a interação social, a comunicação e o comportamento. “É fundamental proporcionar um ambiente de trabalho que atenda às necessidades individuais, de forma a aumentar o conforto e a produtividade do funcionário”, pontuou.
Ao examinar o conjunto de provas, a magistrada encontrou um depoimento prestado para campanha interna da empresa sobre inclusão de pessoas com deficiência. Nesse depoimento, o trabalhador autista destacou que o papel da convivência com a equipe para o desenvolvimento de suas habilidades sociais era fundamental.
“Desde que entrei para o time, todos já sabiam que tenho autismo e percebo o envolvimento de todos em avançar na forma de interação. Sempre pesquiso temas que podem ser compartilhados com o grupo e sempre conversamos abertamente sobre a prática da inclusão. Além disso, ganho muito no desenvolvimento, já que aqui posso trabalhar minhas habilidades sociais (...)”, disse o funcionário.
Para a juíza, o oferecimento do home office, descolado das necessidades efetivas do trabalhador, transformou-se em uma forma sutil de exclusão.
Condenação
Segundo o TRT-MG, a legislação impõe ao empregador o dever, não apenas de não discriminar, mas também de agir ativamente para assegurar igualdade substancial no ambiente de trabalho. Na sentença, a juíza citou o artigo 1º, parágrafo 2º, da Lei nº 12.764/2012, que reconhece expressamente que a pessoa com TEA é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, segundo as leis brasileiras e os acordos internacionais aplicáveis às pessoas com deficiência.
Na avaliação da magistrada, a conduta da empresa também se enquadra nos parâmetros da Súmula 443 do TST, que presume discriminatória a dispensa de trabalhadores portadores de doenças graves que envolvem estigma ou preconceito.
“Embora o autismo não seja doença, mas um transtorno do neurodesenvolvimento, é inegável que há estigmas profundos e atuais relacionados à sua manifestação no ambiente de trabalho, especialmente pela ausência de marcadores físicos visíveis e pelo desconhecimento social sobre os desafios enfrentados por adultos autistas, sobretudo os que se enquadram no nível 1 de suporte”, disse .
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Em sua análise, ela pontuou que a dispensa sem justa causa de um empregado com essa condição é presumidamente discriminatória, cabendo à empresa provar o contrário. A juíza ainda acrescentou que a empresa não conseguiu provar que a dispensa não teve relação com a condição do trabalhador, principalmente após a solicitação de adaptações, que foi ignorada.