Entre corredores de cultura e gastronomia no Centro de Belo Horizonte, turistas, lojistas e frequentadores assíduos se deparam com um grupo de moradores que já faz parte da identidade do lugar: os gatos do Mercado Novo. Eles vivem no espaço há pelo menos duas décadas, mas desde 2022 uma rede de voluntários, comerciantes e o próprio condomínio tem transformado a convivência em um exemplo de resistência e responsabilidade social.


Hoje, cerca de 60 felinos circulam pelo prédio, bem menos que os quase 200 que chegaram a viver soltos pelo local. A redução é fruto de feiras de adoção mensais, castrações e um trabalho contínuo de cuidado.


Os animais contam com dois espaços exclusivos para descanso, alimentação e areia, além de pontos espalhados em todos os andares. A manutenção diária é feita por funcionários do condomínio, com apoio de lojistas e clientes. Mas parte essencial vem do engajamento de voluntários, como o frequentador Fábio Alves, que assumiu a missão de acompanhar a saúde dos bichanos, articular castrações e organizar feiras de adoção.


Fábio dedica boa parte do seu dia ao cuidado dos animais, e mesmo não sendo funcionário do condomínio, organiza sua rotina para estar sempre presente, já que trabalha nas proximidades. “Saio no café, no almoço, e vou lá fazer a limpeza da sala, ver os gatos”, conta.


O voluntário também mantém em casa uma extensão do trabalho que realiza no Mercado Novo. “Na casa da minha filha nós temos 17 animais. Temos um filhotinho que caiu do telhado e está na veterinária, dois cachorros resgatados na estrada que ficam em outro local, além de quatro cachorros e uma gata que recolhi do Mercado Novo com três dias de vida. É um trabalho voluntário”, relata.


Ele ressalta que o cuidado não é feito sozinho: “Eu entrei nesse meio e comecei junto com os funcionários. Eles ajudam muito, os seguranças também. A dona do estacionamento cede duas vagas no dia da feira. Então existe um conjunto de pessoas que trabalham, e a gente faz essa união.”


O voluntário também ajudou a conscientizar lojistas a castrar seus próprios animais. “Antes, muita gente levava o bichinho, não castrava, dava cria e devolvia lá dentro. Fizemos esse trabalho para quebrar esse ciclo”, explica.


Custos e conscientização

O cuidado com os animais exige um investimento constante. Segundo o síndico e curador do Mercado Novo, Luiz Felipe de Castro, o condomínio gasta em torno de R$ 4 mil por mês apenas com ração, areia e manutenção.


O voluntário Fábio também destaca que os custos são significativos. “A ração, a areia, os remédios têm custo, e precisamos de apoio para que o trabalho não pare”, afirma. Ele calcula que, para alimentar cerca de 60 gatos, são necessários aproximadamente 2 kg de ração por gato por mês, totalizando cerca de 120 kg mensais. Além disso, o consumo de areia chega a dois sacos por dia, o que representa cerca de 60 sacos ao mês. “É um volume altíssimo, e qualquer doação faz diferença”, reforça.

Como ajudar? 

Para manter o cuidado com os felinos, o Mercado Novo busca parcerias com empresas, entidades e apoiadores individuais. Segundo o síndico Luiz Felipe de Castro, o condomínio procura entusiastas da causa animal dispostos a ajudar financeiramente ou com doações de materiais usados mensalmente, oferecendo em troca visibilidade como apoiador institucional do Mercado Novo e da causa animal dentro do espaço. Quem quiser contribuir pode entrar em contato com a administração pelo telefone ou WhatsApp: (31) 99753-4842.


O trabalho ganhou reforço da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). A zoonose tem realizado castrações, vermifugação, vacinação e identificação por microchip. “Os gatos foram recolhidos, castrados e soltos lá mesmo, porque são de lá. Só conseguimos doar dois adultos, mas todos os filhotes de gatas prenhas recolhidos foram doados nas feiras. Nesse prazo de dois anos, conseguimos controlar a população”, afirma Fábio.


As feiras começaram em 2023 e já somam cerca de 25 edições, realizadas uma vez por mês. O objetivo é encontrar lares responsáveis, especialmente para os filhotes. “Os filhotes até conseguimos doar nas feiras, mas os gatos mais velhos ficam. Eles precisam de cuidados, de ração de qualidade, de remédio. Não dá para deixar de lado”, diz Fábio.

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Segundo ele, os eventos cumprem dupla função: incentivar a adoção e conscientizar lojistas e frequentadores sobre o respeito aos animais. “Dois anos atrás tínhamos mortes, envenenamentos, denúncias… O Ministério Público chegou a intervir. Hoje o cenário é outro, mas só porque a gente não deixou a causa morrer”.

Abandono é crime

Apesar dos avanços, o abandono de animais ainda acontece no Mercado Novo – prática considerada crime pela Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605/1998) e agravada pela Lei Sansão (nº 14.064/2020), que prevê reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda em casos de maus-tratos contra cães e gatos. A pena pode ser aumentada em até um terço se o animal morrer em decorrência da violência.


“Tem gente que ainda insiste em abandonar gatos aqui, achando que eles vão ser cuidados. Mas isso não é ajuda, é crime. A gente denuncia todos os casos, porque abandono também é uma forma de maltratar”, alerta o voluntário Fábio Alves.


O síndico Luiz Felipe salienta que o condomínio atua de forma preventiva. “Infelizmente, ainda temos casos de abandono. Mas deixamos claro: isso é crime e todos os registros são denunciados. Nosso papel é acolher e cuidar dos que já estão aqui, não ampliar o problema”, afirma. O Mercado Novo planeja ampliar os pontos fixos de alimentação e água, instalar novas câmeras de vigilância e fortalecer as feiras de adoção. Segundo o síndico, a próxima feira está marcada para o próximo dia 20 (20/9).


“Os gatos fazem parte da história do Mercado Novo. Eles são, de certo modo, guardiões da memória do espaço. Com mais apoio, poderemos garantir dignidade, ampliar adoções e transformar ainda mais histórias”, conclui Luiz Felipe.

* Estagiária sob supervisão da editora Crislaine Neves

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