Por Rafael Silva*
Integrante da aldeia Cinta Vermelha Jundiba, em Araçuaí, Região do Vale do Jequitinhonha, a indígena Uakyrê Pankararu saiu de sua cidade, situada a 600 quilômetros de Belo Horizonte, e foi a Nova York (EUA) denunciar os impactos da mineração desenfreada na região onde seu povo reside.
Durante a Semana do Clima, que ocorreu entre os dias 21/9 e 28/9 na cidade norte-americana, debatedores refletiram sobre a importância da visibilidade no tema das mudanças climáticas globais. O evento antecede a COP30, que será realizada em Belém de 10 a 21 de novembro.
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No painel, Uakyrê denunciou os avanços das empresas sem o devido diálogo com as comunidades originárias da região. “É importante, eu como mulher indígena, estar aqui em Nova York, porque eu vi que a maioria das decisões referente às nossas vidas não são tomadas por nós (indígenas)”, protestou.
O assunto também frequenta o debate na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou uma visita a uma outra comunidade na região, chamada Piauí Poço Dantas, em Itinga. Foi constatado que as mudanças no relevo ao redor das comunidades têm afetado a saúde física e mental dos residentes.
Os relatos de moradores apontam para aumento do número de pessoas com problemas respiratórios e cita que explosões têm influenciado na estrutura das residências e na saúde mental dos locais.
Uakyrê também alerta para a tentativa de apagamento da identidade dos moradores da região. Ela acredita que a alcunha “Vale do Lítio”, que tem sido utilizada para se referir ao local, é negativa e usada pela indústria como forma de invisibilizar a cultura local.
“São os novos Cabrais, que chegam e tentam colonizar aquele lugar e batizar de um nome que não é nosso, que não tem nenhum significado”, critica a indígena. “Falam que é uma região pobre, que é um local que precisa de salvação”, finaliza.
Mulheres na mineração
O Instituto “Por Elas” apresentou o painel "O Impacto ambiental nas mulheres: Mineração no Brasil", com cinco palestrantes – Rizza Froes, Márcia Lopes, Dandara Tonantzin, Uakyrê Pankararu e Luizamara Ribeiro. A mediação foi de Gabriela de Paula. Elas falaram sobre como as mudanças climáticas afetam as comunidades de que fazem parte.
Nos últimos meses, ocorreram manifestações de comunidades locais do Vale do Jequitinhonha, especialmente indígenas, questionando a atividade das mineradoras.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Minas Gerais é o estado brasileiro que mais faturou com minérios no Brasil em 2024, com R$108,3 bilhões. Na segunda colocação fica o Pará, com R$97,6 bilhões.
A região do Jequitinhonha tem a maior reserva de lítio do país, mineral chamado de “ouro branco” moderno pelas empresas e de uso importante nas indústrias de tecnologia e no setor energético.
“Lá tem muita riqueza, só que essas riquezas vão para fora e não tem nada que beneficie a região. As empresas propagam que lá precisa ter muito emprego, que vão gerar muitas oportunidades, só que as vagas serão temporárias,” protesta.
Saúde mental das comunidades
Uakyrê Pankararu citou que as intervenções da mineração causam problemas de saúde mental nas mulheres que residem nas aldeias dos povos originários e na comunidade de Piauí Poço Dantas, localizada em Itinga, no Vale do Jequitinhonha.
“As mulheres não conseguem dormir a noite inteira com os barulhos das máquinas da Sigma. Elas começaram a tomar remédio para dormir, tomar remédio para depressão, porque mudou todo o modo de vida”, afirma.
O psicólogo Rodrigo Chagas conhece bem esse cotidiano. Ele atua como coordenador clínico de saúde mental em Brumadinho, cidade que vivenciou o rompimento de barragem na Mina de Córrego do Feijão, em 2019. Duzentas e setenta pessoas morreram.
Chagas confirma que a mineração causa mudanças no cenário das comunidades - ao menos foi assim em Brumadinho. Também acaba retirando indivíduos de suas casas, traz impactos na saúde física e adoecimento mental dos moradores.
“A mineração traz muitas alterações. A possibilidade da tragédia traz muitos impactos para a população, porque traz muitas mudanças culturais”, diz. “Chamamos de lama invisível, que é viver a possibilidade de uma tragédia, de um rompimento de barragem, de mais um crime ambiental”, completa.
A Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) informou que existe um Protocolo de Assistência à Saúde para Casos de Exposição a Substâncias Químicas Decorrentes da Atividade Minerária, mas até o momento não realizou nenhum estudo específico sobre a Região do Vale do Jequitinhonha. A pasta também não disse quando o protocolo foi implementado.
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O Ibram respondeu que não recebeu nenhuma denúncia acerca das mudanças na região das comunidades e relatos de baixa remuneração na região, em virtude da atividade minerária.
A reportagem procurou a Prefeitura de Araçuaí e a empresa mineradora Sigma Lithium, que atua na região, mas elas não haviam respondido até a publicação desta matéria. O texto será atualizado caso se posicionem.
*Estagiário sob supervisão do subeditor Humberto Santos