Pela primeira vez desde que suas denúncias culminaram na apreensão do segundo maior diamante do Brasil, de 647 quilates, a empresa Carbono Mineração se manifestou e declarou em primeira mão para a reportagem do Estado de Minas que a suspeita de furto em suas atividades de mineração de diamantes ocorreu em abril de 2025.

As suspeitas foram suficientes para que a Polícia Federal (PF) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) iniciassem uma investigação, enquanto a pedra era submetida ao Certificado do Processo Kimberley (CPK), sem o qual o diamante não é vendido legalmente para o exterior.

Os policiais pediram vistas integrais ao processo, no dia 29 de julho, e no dia do último lacre do CPK, em 27 de agosto, apreenderam o segundo maior diamante do Brasil.

De acordo com a nota da Carbono, que tem operações em Araguari (MG), no Triângulo Mineiro, denúncias recebidas reforçaram ainda mais os elementos suspeitos. "A Carbono Mineração, notou comportamento suspeito em suas atividades de mineração de diamantes no Rio Araguari no dia 30/04. Nas semanas seguintes, diferentes denúncias recebidas fortaleceram a hipótese de desvio", informou a empresa.

"A Carbono Mineração reafirma sua total confiança nas autoridades competentes, colaborando integralmente com as investigações em curso e colocando-se à disposição para todos os esclarecimentos necessários, certa de que a verdade prevalecerá", conclui a nota.

No site da empresa, consta que “foi fundada em 2013 com um portifólio diversificado de áreas minerárias, e que conduz diferentes projetos de pesquisa para variados recursos minerais”, culminando na sua atual fase de produção. Consta ainda que a empresa opera um Porto de Areia a 15 quilômetros de distância de Uberlândia, no leito do Rio Araguari.

O diamante foi apreendido por agentes da ANM de Brasília e policiais federais por suspeitas de furto e desvio da gema gigante. Crimes e irregularidades que são apurados em processo administrativo sigiloso da agência e investigação da PF, como mostrou com exclusividade a reportagem do EM.

Falsidade Ideológica

A empresa Diadel Mineração Ltda. foi quem primeiro revelou a existência do segundo maior diamante do Brasil, ao afirmar que a extração se deu em seu garimpo no Rio Douradinho, em Coromandel (MG), no Alto Paranaíba. A pedra foi registrada no Relatório de Transações Comerciais (RTC) do Cadastro Nacional de Comércio de Diamantes (CNCD), em 29 de maio de 2025.

A PF, contudo, investiga se a verdadeira origem da pedra preciosa foi uma extração legal no Rio Araguari, em Araguari (MG), no Triângulo Mineiro, pertencente à Carbono Mineração. A suspeita é de que o diamante possa ter sido furtado e desviado.

A ANM exigiu uma série de documentos da Diadel, incluindo planilhas detalhadas de produção, controle e guarda do material desde a extração, identificação de todas as pessoas que tiveram acesso, parecer técnico gemológico e geológico, e se há ou houve relação com a Carbono Mineração. As exigências devem ser apresentadas neste mês.

A investigação busca por inconsistências entre o que a empresa declarou (origem em Coromandel) e as provas obtidas, como a localização real do garimpo.
Caso se comprove que a Diadel apresentou informações falsas, isso pode configurar uma fraude em documentos oficiais ou falsidade ideológica, prevista pelo artigo 299 do Código Penal como "omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante".

A pena é de reclusão de um a cinco anos, e multa se o documento for público. Diante da suspeita de que o diamante foi vendido por um valor abaixo do mercado, o Ministério Público Federal (MPF) pode intervir para defender os interesses da União, especialmente diante da suspeita de não recolhimento de impostos sobre a venda.

A comercialização abaixo do valor real poderia ter o objetivo de diminuir os impostos a serem pagos. Evasão fiscal é um crime contra a ordem tributária, segundo a Lei nº 8.137/1990, descrito como "fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal", sendo a pena de reclusão de dois a cinco anos, e multa.

Comprador ou Avaliador 

Renomado comerciante de diamantes em Minas Gerais, Oswaldo Borges da Costa Netto, de 53 anos, conhecido como Wado Borges, declarou que atuou apenas no ato de avaliação técnica, documentação e exportação da gema, em nota divulgada pelos seus advogados.

Até o momento, Wado era tido como suposto comprador do diamante. Ele é quem aparece em vídeos que circulam nas redes sociais sobrevoando garimpos em Coromandel, exibindo a pedra nas mãos. Há informações de que ele próprio teria levado a pedra para a ANM, de táxi, no dia da apreensão, em Belo Horizonte.

A residência do empresário em um condomínio de luxo onde vive com a família, em Nova Lima (MG), na Grande BH, foi alvo de um mandado de busca e apreensão da PF, em 24/09), às 6h. Ele não estava em casa no momento.

Um dia depois, 25/09, a PF cumpriu mais dois mandados de busca e apreensão nos municípios mineiros de Coromandel e de Nova Ponte, no Alto Paranaíba.

A reportagem apurou que o alvo em Coromandel seria um homem conhecido no mercado de pedras preciosas e que é suspeito de ter agido como intermediário no suposto desvio do diamante. Em Nova Ponte, o endereço vasculhado pelos policiais federais também é residencial. Segundo apurado pelo EM, o município é o mesmo de origem de garimpeiros que trabalham na mineração de diamantes do Rio Araguari.

A principal suspeita investigada é se a pedra foi, de fato, furtada e transferida de Araguari para Coromandel para “esquentar” sua documentação na Diadel Mineração, conferindo-lhe uma aparente legalidade por meio de um garimpo lícito. Não se sabe se Wado seria apenas o avaliador, como ele alega, ou um comprador que desconhecia as suspeitas ou ainda se teria agido previamente e utilizado a Diadel para o suposto esquema.

Segundo a Diadel, nunca houve qualquer relação com a Carbono Mineração, empresa responsável pela denúncia que resultou na apreensão do diamante.

Detenção e Condenação

Fundada em 2004, a Diadel Mineração tem como sócio-administrador, desde 2024, o empresário Carlos César Manhas, de 63 anos. Manhas é uma figura bem conhecida no setor de diamantes em Coromandel e estaria ligado a grupos de israelenses que atuam no mercado internacional de pedras preciosas.

Em 2002, o empresário foi detido pela PF em Rondônia, junto com um grupo de brasileiros e israelenses, por posse de 44 diamantes e uma ametista. As pedras seriam oriundas da Reserva Indígena Roosevelt, pertencente aos Cinta-Larga, uma área onde a mineração é proibida. Manhas foi condenado por receptação de bem pertencente à União, com a acusação de facilitar o comércio ilegal de diamantes para compradores estrangeiros, especialmente israelenses, com quem ele manteria conexões até os dias de hoje.

Por meio de nota, a Diadel Mineração fez uma forte revelação: "no dia da descoberta, representantes da (ANM), acompanhados de profissionais especializados, estiveram presentes no local, inclusive na frente de lavra, para atestar oficialmente o achado. Este fato comprova, de forma inequívoca, que o diamante foi extraído na área da Diadel e é legítima propriedade da empresa".

A afirmação pode auxiliar nos esclarecimentos dos fatos sob suspeita. Os advogados que defendem a Diadel Mineração nos processos administrativos junto à ANM para o Certificado de Kimberley são os mesmos que representam Wado Borges, conforme nota publicada ontem.

Os representantes ainda afirmam que a denúncia é “fundada em supostas conversas de aplicativos de mensagens eletrônicas” e que os atos da ANM “podem repercutir negativamente na imagem do Brasil perante o setor minerário internacional, notadamente no âmbito do Processo Kimberley”.

A defesa de Wado informou que “adotará as medidas judiciais cabíveis, adiantando que oficiará o Ministério das Relações Exteriores para ciência dos fatos, considerando que a atuação da ANM, em desconformidade com os procedimentos aplicáveis, no âmbito do Processo Kimberley”, afirmando ainda que acionará a corregedoria da ANM.

A reportagem procurou a ANM para saber sobre a presença de agentes no dia da descoberta, como afirma a Diadel, mas a agência reguladora do setor não confirmou. "Os processos de Certificação Kimberley são de natureza sigilosa, sendo vedado qualquer fornecimento de dados sobre seu andamento. A Agência possui competência para adotar medidas acautelatórias administrativas quando necessário, conforme previsto na legislação."

"Qualquer ação da ANM é pautada pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, princípios da Administração Pública", informou a agência por meio de nota.

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Confira na íntegra a nota da mineradora 

“A Carbono Mineração, notou comportamento suspeito em suas atividades de mineração de diamantes no Rio Araguari no dia 30/04. Nas semanas seguintes, diferentes denúncias recebidas fortaleceram a hipótese de desvio. A Carbono Mineração reafirma sua total confiança nas autoridades competentes, colaborando integralmente com as investigações em curso e colocando-se à disposição para todos os esclarecimentos necessários, certa de que a verdade prevalecerá.”

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