O juiz da 3ª Vara Cível da Comarca de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, determinou sigilo nas informações que constam no processo movido pela filha de Laudemir de Souza Fernandes, assassinado em 11 de agosto no Bairro Vista Alegre.
A ação pede indenização por danos morais e pagamento de pensão a Renê da Silva Nogueira Júnior, réu pelo homicídio do gari, e de sua esposa, a delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira, indiciada pela Corregedoria da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) por prevaricação.
De acordo com o documento, assinado pelo juiz Marcus Vinícius do Amaral Daher na última sexta-feira (10/10), o processo possui dados sensíveis da autora do processo, filha de Laudemir, que é menor de idade. “A demanda versa sobre dados sensíveis da criança autora, possíveis danos psicológicos em virtude do ato ilícito imputado aos réus”, afirma o magistrado.
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Em 17 de setembro, a Justiça determinou o bloqueio de contas bancárias e aplicações financeiras de até R$ 611 mil das contas de Renê e Ana Paula. O sequestro dos bens é correspondente à pensão mensal até a maioridade da filha de Laudemir e possível pagamento de danos morais, sugeridos pela defesa. O pedido original, conforme o advogado Felipe Saliba, que representa a mãe da filha da vítima, previu a possibilidade de sequestro de até R$ 1,2 milhão.
Logo após a decisão, em um outro processo cível para pagamento de indenização movido pela esposa de Laudemir, o magistrado citou que a Justiça encontrou apenas R$ 587,19 nas contas do casal. O valor, de acordo com Daher, é considerado “ínfimo” para cumprir decisões judiciais em desfavor da dupla. No documento, o magistrado afirmou que o montante encontrado nas contas e aplicações aumentam o receio de uma possível tentativa de ocultação do patrimônio.
Na época das decisões, em entrevista ao Estado de Minas, o defensor explicou que, além das contas bancárias, na decisão o magistrado também incluiu o bloqueio de automóveis e imóveis em nome do casal. Além disso, ele também autorizou acesso às declarações de Imposto de Renda do empresário e da servidora pública, para análise de outros bens que possam ser incluídos na ação.
“De fato, nas contas bancárias foi encontrado um valor ínfimo, que é em torno de R$ 500, mas também foram encontrados quatro veículos, inclusive o utilizado no dia do crime e eles foram bloqueados”, explicou o advogado.
Saliba afirma que as pesquisas entregues à Justiça foram positivas para a defesa e os bens apreendidos serão suficientes para cumprir a determinação judicial. “Não achou dinheiro em conta, mas serão feitas outras apurações até para ser verificado se não está sendo feita ocultação de valor”.
Segredo de Justiça
Em 1º de outubro, a juíza sumariante do 1º Tribunal do Júri de Belo Horizonte determinou que o processo criminal sobre a morte de Laudemir de Souza Fernandes seja colocado em sigilo. A decisão foi publicada pela magistrada após “risco concreto de vazamento de informações”.
A restrição das informações do processo contra o casal foi determinada 16 dias depois da Justiça aceitar a denúncia do Ministério Público contra Renê e torná-lo réu. Desde então, o empresário responde por quatro crimes: ameaça, porte ilegal de arma de fogo, fraude processual e homicídio qualificado. Na época, a juíza Ana Carolina Rauen Lopes de Souza, também acolheu o pedido do MPMG e determinou o desmembramento do processo em relação à esposa dele, a delegada da Polícia Civil.
Na decisão do início de outubro, a magistrada afirmou que publicidade de atos processuais, em regra geral, é prevista pela Constituição Federal. No entanto, no caso do processo contra Renê e Ana Paula “acessos atípicos ao processo eletrônico” e o “risco concreto de vazamento de informações protegidas” têm comprometido a regularidade da persecução penal.
Assim, a partir da publicação do documento, apenas os envolvidos, seus defensores, o assistente de acusação e o Ministério Público poderão ter acesso às informações. “Apesar desta Magistrada não ter a intenção de sonegar qualquer informação do público em geral, a fim assegurar a integridade da instrução, resguardar direitos fundamentais das pessoas envolvidas e garantir a efetividade da investigação, decreto o sigilo dos autos”, determinou a juíza.
Como o crime aconteceu?
- Equipe de coleta de lixo trabalhava na Rua Modestina de Souza, Bairro Vista Alegre, em BH, na manhã do dia 11 de agosto.
- Motorista do caminhão, Eledias Aparecida Rodrigues, 42 anos, manobra para liberar passagem, após ver uma fila de carros se formar atrás dela.
- Eledias e os garis acenam para Renê da Silva, que dirigia um carro BYD, permitindo a passagem.
- O suspeito abaixa a janela e grita que, caso encostasse em seu veículo, ele iria "dar um tiro na cara" da condutora.
- Na sequência, ele segue adiante, estaciona, sai do carro armado; derruba o carregador, recolhe e engatilha pistola, segundo o registro policial.
- Ele faz um disparo que atinge Laudemir no abdômen.
- O gari é levado ao Hospital Santa Rita, em Contagem, na Grande BH, mas morre por hemorragia interna.
- No local, PM recolhe projétil intacto de munição calibre .380.
- Horas após o crime, a PM localiza e prende Renê no estacionamento de academia na Av. Raja Gabaglia.
- Flagrante convertido em prisão preventiva em audiência de custódia, no dia 13 de agosto, a pedido do Ministério Público de Minas Gerais
- Renê está preso no Presídio de Caeté, Grande BH
O que as investigações mostraram?
Em 29 de agosto, 18 dias após a morte de Laudemir, Renê da Silva Nogueira Júnior foi indiciado por homicídio qualificado - por motivo fútil e meio que dificultou a defesa da vítima, ameaça contra a motorista do caminhão de coleta de resíduos e porte ilegal de arma de fogo. A esposa dele, a delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira, também foi responsabilizada e responderá por porte ilegal de arma de fogo, por ter emprestado sua arma de uso pessoal para o marido.
Os detalhes sobre o crime foram repassados pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) durante coletiva de imprensa. No dia seguinte aos fatos, em 12 de agosto, a corporação já havia afirmado que o depoimento das testemunhas, colegas de Laudemir, já indicavam que o empresário seria responsável pelo disparo.
Ao longo das investigações, ficou constatado que a arma usada no homicídio pertencia à mulher do homem. Na época, a balística comprovou que as duas munições encontradas na Rua Modestina de Souza, no Bairro Vista Alegre, na Região Oeste de Belo Horizonte, eram compatíveis com a pistola calibre .380 da delegada.
As dúvidas sobre a participação de Renê foram sanadas depois que a corporação obteve imagens de câmeras de segurança que mostram o homem guardando a arma em uma mochila, ao chegar em casa no dia do crime. As gravações reveladoras foram registradas pelo sistema interno do estacionamento do prédio em que Renê da Silva Nogueira mora, no Bairro Vila da Serra, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
De acordo com o delegado Evandro Radaelli, o indiciamento de Renê foi baseado nas informações repassadas em oitiva de testemunhas, no próprio interrogatório do investigado, análises das imagens colhidas no local dos fatos, na empresa em que o homem trabalhava e em sua casa. Além disso, a quebra do sigilo telefônico e telemático do aparelho celular e do carro que o empresário dirigia no dia, também forneceram dados para a conclusão do inquérito.
Além da comprovação do envolvimento do empresário na morte de Laudemir, as investigações indicaram que Renê tem "fascínio" por armas de fogo e o "poder" que o armamento o concedia. De acordo com o Radaelli, durante análises feitas no aparelho celular do investigado foram encontradas imagens em que ele exibe diversas armas. Em alguns vídeos, o homem aparece fazendo disparos. Ainda segundo o chefe da investigação, o artefato não é o mesmo usado no crime registrado no Bairro Vista Alegre. Além disso, o homem também demonstrava “interesse” pelo cargo ocupado pela esposa. Em uma das fotos, ele chegou a exibir o distintivo da mulher.
“Acreditamos que na situação em que ele disparou contra o laudemir ele estava sim demonstrando um poder, porque ele julgou que a pressa que ele tinha era mais importante que o trabalho que os garis realizavam na coleta de resíduo”, afirmou.
Qual o envolvimento da delegada no crime?
A delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira sabia que o marido tinha envolvimento com o crime antes de sua prisão no fim da tarde de 11 de agosto. A informação consta na conclusão do inquérito que tramitou na 4ª Subcorregedoria da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), que apurou o envolvimento da mulher no crime, a que o Estado de Minas teve acesso. O sigilo sobre as informações foi determinado logo após a publicação da matéria.
Durante o inquérito, os investigadores, por meio de análises do aparelho celular, conseguiram confirmar que a delegada sabia que Renê era suspeito do crime, mas não acionou a polícia ou o prendeu. Conforme o documento, Ana Paula fez 29 pesquisas na plataforma de Registro de Eventos de Defesa Social (REDS), onde estão boletins de ocorrências em andamento e finalizados. As consultas, ainda segundo as análises, aconteceram das 10h30 às 13h20. Entre os filtros usados pela delegada estava seu nome, a placa do carro usado pelo marido, o nome de Renê e o nome da vítima.
Ao longo das investigações sobre a morte de Laudemir, a PCMG não conseguiu confirmar se a delegada sabia, ou não, que o marido matou uma pessoa a caminho do trabalho. Durante coletiva de imprensa, após a conclusão do inquérito criminal, o delegado Matheus Moraes, afirmou que no dia do crime diversas mensagens trocadas entre os dois foram excluídas e eles teriam passado a se comunicar por ligação via aplicativo de mensagem.
“Há várias mensagens apagadas no celular dele e isso dificultou essa conclusão da ciência dela, ou não, da prática criminosa. Porém, alguns áudios foram recuperados, o que possibilitou que chegássemos à conclusão que ela tinha ciência do porte de arma”, afirma.
No entanto, durante as investigações na casa corregedora, os policiais conseguiram recuperar que às 14:37, Ana Paula mandou um print de uma matéria publicada por um veículo de imprensa de BH com imagens do carro usado pelo suspeito de matar o gari. Em seguida, o homem liga para a esposa e os dois conversam por cerca de 7 minutos.
Diante das informações a Corregedoria da PCMG indiciou a delegada por suposta prática de prevaricação. Conforme o Código Penal, o crime acontece quando um funcionário público retarda ou deixa de praticar um ato de ofício por motivo de interesse. Ao Estado de Minas, o advogado de Ana Paula, Leonardo Avelar Guimarães, ressaltou que devido ao estado de saúde da servidora, não foi possível o “exercício efetivo do seu direito de defesa no referido inquérito”.
“O mérito dessa conclusão será discutido oportunamente, assim como outras questões já publicizadas. Ela (Ana Paula) não teve condições de esclarecer pessoalmente os fatos investigados pela Corregedoria em razão do seu estado atual”, declarou o defensor.
Dois dias depois da morte do gari Laudemir, em 13 de agosto, a delegada Ana Paula foi afastada de suas funções para tratamento de saúde no Hospital da Polícia Civil, por 60 dias. O pedido, conforme a PCMG, segue “os termos da lei”. A decisão foi publicada no Diário Oficial do estado em 23 de agosto, sob assinatura do diretor-geral da unidade médica da corporação e pode ter o prazo prorrogado por mais dois meses, conforme avaliação médica. O documento não especifica a condição de saúde da servidora. Mesmo após o indiciamento, de imediato, a servidora ainda não será afastada de suas funções.