Zoobotânica abre sindicância sobre morte de animais
Comissão vai investigar óbitos de bichos em cirurgia. Anestésicos serão analisados. Também operada, onça-pintada está bem. Casos reacendem debate sobre espaço
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Depois da morte da leoa-branca Pretória, na terça-feira (11/11), e da chimpanzé Kely, na quarta (12/11), a Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica de Belo Horizonte (FPMZB) informou ontem que a onça-pintada Maya foi submetida a uma cirurgia ortopédica e está internada, depois de sofrer uma fratura no membro posterior direito. Segundo a FPMZB, o animal apresenta solução satisfatória. Em coletiva na quarta-feira, o prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião, disse que as mortes dos animais serão investigadas. Ontem, a Fundação Zoobotânica anunciou a criação de uma comissão de sindicância integrada por servidores da PBH.
Os incidentes com os bichos que vivem no zoológico da capital abrem discussão sobre o papel das instituições que abrigam espécimes para visitação pública. Especialista ouvida pelo Estado de Minas defende os zoológicos como espaço de ciência, conservação e educação ambiental.
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De acordo com a FPMZB, os primeiros sinais de que algo estava errado com a onça-pintada Maya surgiram em 17 de outubro, quando os tratadores notaram que o animal apresentava dificuldade para apoiar uma das patas e comportamento diferente do habitual. Após exames detalhados, os veterinários constataram a fratura, e a cirurgia foi feita em 21 de outubro, no Hospital Veterinário da Escola de Veterinária da UFMG.
Desde então, Maya permanece em observação no hospital do próprio zoológico, recebendo acompanhamento diário das equipes de veterinários e biólogos. “Ela vem respondendo bem ao tratamento e segue em recuperação”, informou a Fundação.
A notícia sobre o tratamento de Maya surge em meio a uma semana de mortes no zoológico da capital. Na terça-feira (11/11), a instituição confirmou a morte da leoa-branca Petrória, de 14 anos, por uma parada cardiorrespiratória após receber uma anestesia para uma cirurgia de urgência. No dia seguinte, a chimpanzé Kely, de 27, também morreu sob as mesmas circunstâncias. Ela foi submetida a um procedimento no útero e também não resistiu à anestesia.
As duas estavam em processo de quarentena, o que envolve o isolamento de recém-chegados ao zoológico. Durante o período, os animais passam por uma série de exames para garantir a saúde deles, além de realizar a adaptação ao novo espaço.
Investigação
As causas das mortes estão sendo apuradas pela Fundação e pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). “Nossa principal preocupação é a qualidade de vida dos animais. O lazer é consequência. Muitos procedimentos médicos são realizados no zoológico ao longo do ano, sempre com rigor técnico e responsabilidade”, afirmou o prefeito.
Neste ano, 35 animais morreram no Zoológico de BH, número inferior à média dos últimos cinco anos, que gira em torno de 50. O espaço recebe cerca de 40 mil visitantes por mês, somando quase meio milhão de pessoas por ano.
A fundação informou que será instaurada uma sindicância integrada por servidores da PBH. A comissão, instuída por meio de portaria com publicação anunciada para hoje no “Diário Oficial do Município (DOM)”, será responsável pela análise de documentos técnicos e procedimentos realizados, a fim de verificar se houve eventuais falhas nas condutas adotadas. O prazo para conclusão dos trabalhos é de 30 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período, caso necessário.
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PERDAS DO ZOO
Dos 35 animais que morreram este ano:
20
eram aves (grupo com expectativa de vida mais curta em relação aos demais)
5
répteis
9
mamíferos
Já estavam na área de visitação 16 aves, 9 mamíferos (sendo que quatro deles foram furões natimortos) e quatro répteis. No setor extra (fora da área de visitação), estavam quatro aves e um réptil (em quarentena).
Fonte: Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica de Belo Horizonte (FPMZB)
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A FPMZB disse ainda que também está em contato com a Fundação Ezequiel Dias (Funed) para verificar a possibilidade de recolhimento do lote de anestésicos utilizados nos procedimentos. O objetivo é identificar possíveis alterações, contaminações ou outras irregularidades que possam ter contribuído para as mortes.
“O conjunto dessas ações tem como objetivo avaliar a adequação dos protocolos de bem-estar e segurança animal adotados no Zoológico de Belo Horizonte, de forma transparente e ética. Em seus 66 anos de existência, o Zoológico tem como premissa garantir, por meio das melhores práticas de manejo e bem-estar animal, a conservação de espécies brasileiras, principalmente aquelas ameaçadas de extinção.
A FPMZB reafirma seu compromisso com o bem-estar dos animais sob seus cuidados e com a alta qualificação de sua equipe técnica, composta por biólogos, veterinários, zootecnistas e cuidadores especializados. As medidas também visam garantir a prestação de contas à sociedade e o aprimoramento contínuo das práticas institucionais”, diz a fundação, em nota.
ORIGEM DOS BICHOS
A leoa-branca Pretória chegou à capital em 15 de outubro, acompanhada do macho, Mafu, da mesma idade. Eles vieram do Beto Carrero World, parque localizado em Santa Catarina, que decidiu descontinuar a permanência de animais em seu espaço. Já a chimpanzé Kely tinha sido transferida de Sorocaba, interior de São Paulo, há cerca de 40 dias, já doente, com problemas no útero.
Maya chegou ao zoológico em abril deste ano, vinda do Animália Park, em Cotia, São Paulo, como parte do Programa de Conservação de Onça-Pintada do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A transferência foi feita por meio de um acordo entre o ICMBio e a Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (Azab).
A felina, que completou um ano em junho, passou por quarentena antes de ser integrada ao recinto de visitação. Desde então, tornou-se uma das principais atrações do parque. A espécie é classificada como “vulnerável” pelo ICMBio e enfrenta risco de extinção, agravado pelo desmatamento no Cerrado e na Amazônia.
CONSERVAÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
A historiadora e professora das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e de Ouro Preto (Ufop), especialista em história dos animais, Regina Horta Duarte, afirma que o zoológico de Belo Horizonte é um dos melhores do país e destaca a qualidade dos profissionais que trabalham no espaço.
“A equipe conta com profissionais de grande especialização em medicina veterinária e biólogos especialistas em bem-estar animal. Os animais têm uma dieta equilibrada e recebem atendimento veterinário da melhor qualidade. Tem um hospital veterinário ali, com uma equipe de especialistas”, pontua.
Regina Horta Duarte estuda a história dos zoológicos desde o fim do século 19. Tem um livro publicado chamado “Genealogia dos Zoos na América Latina: civilização, ciência e sensibilidades (1875-1939)” e, em dezembro, vai lançar outro sobre o Jardim Zoológico de Belo Horizonte, além de artigos publicados no Brasil e no exterior.
“Toda vez que um animal morre no zoológico vira uma histeria coletiva pelo preconceito que as pessoas têm contra os jardins zoológicos, que, realmente, no passado, foram lugares muito questionados. Mas, atualmente, não são apenas instituições de conservação, mas de educação ambiental e de ciência. As pessoas não podem imaginar quanta produção científica é realizada ali. Dissertações de medicina veterinária silvestre defendidas na Escola de Veterinária da UFMG, teses de doutorado, artigos acadêmicos. Existe uma integração grande dessas equipes do zoológico com pesquisadores da UFMG”, explica.
A professora destaca ainda que além da conservação e da saúde dos animais silvestres, a instituição luta contra o tráfico de animais. “Ele recebe animais que foram resgatados do tráfico ou que vem de outras instituições particulares, onde, às vezes, não estavam tão bem cuidados.”
A especialista não nega que a instituição deva enfrentar dificuldades, já que nem sempre as verbas são suficientes. “Nas legislações atuais é muito difícil o zoológico captar doações de empresas particulares. Então, é a prefeitura que tem que prover e é um lugar de entretenimento da população, especialmente, de baixa renda. Mas também de educação ambiental. A quantidade de escolas atendidas ali é enorme”, ressalta.
Outro ponto destacado pela professora são os projetos de conservação animal dos quais o zoológico da capital participa. “Os gorilas fazem parte de um projeto mundial de conservação, com sede no Reino Unido, e que atua junto a parques nacionais da África. (O zoológico) é uma instituição muito importante, que, certamente, enfrenta problemas, mas que precisa do apoio da sociedade civil.”
“Se a gente precisa conservar a vida silvestre, isso não será feito sem os zoológicos. Eles são um lugar importante para a conservação. Os programas de conservação precisam de animais com diversidade genética. Se a mesma população se reproduz entre si tende a ter propensão a doenças”, completa.
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Ela diz que, provavelmente, os animais que morreram estavam debilitados quando chegaram ao zoológico. “Nenhum bicho ali morre por falta de atendimento. Não sou veterinária, não posso avaliar a situação desses animais, mas eu diria que eles tiveram o melhor atendimento veterinário que poderiam encontrar porque conheço a equipe veterinária de lá”, afirma.
Segundo a professora, no início da história dos zoológicos, os animais tinham uma vida de desonra, triste. Mas que, ao longo do tempo, foi mudando. O zoológico de BH foi inaugurado em 1959 e era voltado apenas para o entretenimento. “Os animais não tinham uma vida boa. Era possível tirar animais da natureza, o que foi proibido depois. Hoje em dia, a maior parte deles nasceu em cativeiro ou veio do tráfico.”
*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho