No dia seguinte à morte de Alice Martins Alves, de 33 anos, após ser espancada na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, a Polícia Civil de Minas Gerais procurou estabelecimentos próximos ao local do crime em busca de imagens que possam ajudar nas investigações. Segundo relatos de comerciantes da região, essa investida, feita na segunda-feira, foi a primeira dos investigadores no local desde o crime. Mulher trans, Alice foi espancada na madrugada de 23 de outubro e morreu no último domingo (9/11), quatro dias depois de registrar boletim de ocorrência sobre a agressão. De acordo com o documento, ela foi surpreendida por um homem que a atacou na esquina entre as avenidas Getúlio Vargas e Contorno, sob diversas câmeras de segurança que poderiam ter flagrado a situação. A procura pelas gravações foi feita após um apelo do pai de Alice por respostas. Por ora, a Polícia Civil não se manifestou sobre as possíveis imagens.
Na área onde Alice foi agredida há mais de dez câmeras aparentes instaladas em imóveis. No entanto, apenas seis estavam funcionando. Na tarde de ontem, o Estado de Minas esteve na região. À reportagem, comerciantes afirmaram que investigadores da PCMG estiveram no local na segunda e terça-feira (10 e 11/11). No entanto, como as câmeras têm ângulos restritos, eles não acreditam que os equipamentos tenham registrado o ataque.
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O proprietário de um estabelecimento, que pediu que não fosse identicado, afirmou que foi procurado pela corporação, mas, até o início da noite de ontem, os policiais não haviam retornado para arrecadar as imagens. Em outro local, os funcionários disseram que as gravações só ficam disponíveis por dez dias.
Na tarde de segunda-feira, durante o sepultamento da filha, Edson Alves Pereira disse que esteve no local depois que soube que Alice foi agredida, tentou obter imagens de câmeras de segurança, mas ninguém o ajudou. O desabafo de Edson explicitou sua indignação pela perda da filha, com quem morava e que ele considerava também uma grande amiga.
“Três caras estavam esperando por ela. A agrediram violentamente. Quebrou o nariz, várias costelas, e parece que pisaram nas pernas dela, que ficaram roxas. Foi socorrida pelo Samu, não fizeram exames como radiografia ou tomografia. Ela foi encaminhada para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Centro-Sul. Em seguida, chamou um uber e foi para a casa”, contou.
Jonathan Oliveira, dono do John John Bar, próximo à avenida onde Alice foi atacada, lamentou o crime. Ele contou que no dia, embora o bar estivesse aberto até 1h, nenhum funcionário presenciou o fato. Segundo o empresário, Alice era cliente assídua e muito tranquila. “A Savassi é um lugar plural, onde as pessoas deveriam se sentir seguras”.
A reportagem procurou a Polícia Civil para saber como está o andamento das investigações. Em nota, a corporação afirmou apenas que o inquérito está em andamento no Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios (Neif), do Departamento Estadual de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Pelas redes sociais, a deputada federal Duda Salabert (PDT) afirmou que acompanha o caso desde a tarde de domingo (9/11), quando a família de Alice informou sua morte. A parlamentar, primeira mulher trans eleita do Congresso Nacional, disse que vai cobrar que a polícia faça o seu trabalho. “O agressor, até hoje, a polícia não identificou ou não teve interesse em descobrir, como acontece em boa parte dos crimes contra pessoas trans no Brasil”.
O ATAQUE
Na madrugada de 23 de outubro, Alice foi atacada por um homem, acompanhado de outros dois que riam e zombavam da violência, segundo o boletim de ocorrência, registrado pela própria vítima em 5 de novembro. O agressor é alto, branco, de cabelos castanhos escuros ou pretos, vestia calça jeans e blusa preta, descreveu. A mulher afirmou não conhecer o homem e relatou que a agressão foi inesperada e sem motivo aparente, o que caracterizaria um ato de transfobia.
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Alice perdeu a consciência e foi socorrida pelo Samu, sendo encaminhada para a UPA Centro-Sul. Durante a madrugada, Edson contou que acordou e foi ver a filha. Ao abrir a porta do quarto ela disse: “Pai, olha o que fizeram comigo”. Em 2 de novembro, Alice foi levada de ambulância para o Pronto Atendimento da Unimed Contagem, onde exames apontaram fraturas nas costelas, cortes no nariz e desvio de septo. Segundo o pai, ela passou os dias seguintes debilitada e com dores abdominais intensas.
“Depois que ela voltou para a casa foi só luta. Ela começou a vomitar, não conseguia se alimentar, perdeu 13 quilos. Estava muito fraca e com muita dor”, comentou.
No sábado (8/11), os médicos diagnosticaram uma perfuração no intestino, possivelmente causada por uma das costelas quebradas ou, segundo suspeita do pai, agravada pelo uso de anti-inflamatórios após a agressão. Alice foi submetida a uma cirurgia de emergência, mas não resistiu à infecção generalizada. n
