Nos primeiros anos da TV Itacolomi, não havia reportagem de rua. Os redatores recebiam e apuravam informações, e os locutores liam as notícias - (crédito: Imagem cedida/Erasmo Ângelo)
crédito: Imagem cedida/Erasmo Ângelo
Até o momento em que a TV Itacolomi foi ao ar pela primeira vez, em 8 de novembro de 1955, não havia televisão em Minas Gerais. Os destemidos desbravadores deste novo mundo tinham, majoritariamente, experiência em teatro, rádio e jornal impresso - o que é totalmente diferente de se fazer televisão. Não precisou de muito tempo para que os profissionais mostrassem como a comunicação muitas vezes é feita com intuição, e parte desse sucesso veio dos jornalistas da Itacolomi.
A redação do começo da emissora era composta, basicamente, por jornalistas advindos do jornal Estado de Minas e dos extintos Diário da Tarde e Rádio Guarani. Os três veículos eram as fontes das notícias, que passavam pelo crivo dos redatores antes de serem lidas pelos locutores dos noticiários. Foi assim, com muita simplicidade, que os primeiros profissionais da televisão mineira desenvolveram as bases do telejornalismo, seguidas até hoje.
Na segunda parte da série especial dos "70 anos da TV Itacolomi", o Estado de Minas apresenta, a partir do relato de ex-funcionários, o ofício de informar os mineiros na primeira emissora de Minas Gerais.
(Confira as outras matérias deste especial no final do texto)
O jornalismo esteve presente na programação da TV Itacolomi logo na primeira semana, quando, dois dias após a inauguração, foi ao ar uma mesa redonda mediada pelo locutor Bernardo Grimberg. O debate foi entre presidentes de algumas empresas públicas de Minas Gerais e o então governador do estado, Clóvis Salgado.
Este tipo de programa salvou muitas vezes a programação da emissora, que era inteiramente ao vivo, e acontecia com alguma frequência de surgir contratempos que impediam algum programa de ir ao ar. A solução era chamar, de última hora, alguma autoridade para dar uma entrevista, e assim "tapar o buraco" na programação. Houve caso de o entrevistado sair da cama de pijama e ir correndo para os estúdios da Itacolomi para "quebrar esse galho".
Algum tempo depois, o jornalismo se diversificou com a chegada dos noticiários. O primeiro deles foi o "Repórter Real", patrocinado pela companhia aérea Real Aerovias Brasil. Ao longo dos anos, surgiram outros jornalísticos, como o "Ultra notícias", "Além da notícia", "O grande jornal" e o "Jornal Bancominas", sucesso absoluto e que chegou a alcançar mais de 90% de audiência.
O primeiro a se destacar na tela da Itacolomi, ainda nos anos 1950, foi "O Repórter Esso", a testemunha ocular da história. O noticiário começou como um programa radiofônico, patrocinado pela empresa de petróleo Esso, com conteúdos oriundos de agências de notícias americanas.
Inicialmente, o programa era dedicado a informar os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial sob a perspectiva dos Estados Unidos, país do qual o Brasil era aliado no conflito. Porém, o sucesso do programa foi enorme e, mesmo com o fim do conflito, continuou sendo produzido.
Na década de 1950, o noticiário ganhou sua versão televisiva, exibida por emissoras de todo o país. Mas, como não havia tecnologia para exibi-lo nacionalmente, cada emissora produzia o programa localmente - na Itacolomi, quem apresentava era o locutor Luiz Cordeiro.
"Indiozinho", mascote da TV Itacolomi, segue na lembrança dos antigos espectadores da emissora
Acervo TV Itacolomi
Os estúdios da TV Itacolomi ficam no Edifício Acaiaca, no Centro de Belo Horizonte | 70 anos da TV Itacolomi
Arquivo EM
Equipe e veículo de transmissão de imagens externas | 70 anos da TV Itacolomi
Arquivo EM
A apresentadora e atriz Dulce Maria nos camarins da TV Itacolomi, em BH | 70 anos da TV Itacolomi
Arquivo EM - 21/8/1959
Cena do programa Circo Itacolomi, transmitida em 1956 | 70 anos da TV Itacolomi
Arquivo EM - 1956
A TV Itacolomi foi pioneira na transmissão de jogos de futebol e transmitiu as primeiras imagens em cores de uma partida oficial de um campeonato
Eugênio Silva/O Cruzeiro/Arquivo EM - 26/10/1964
Moradores de BH se reúnem em frente à loja da Televisão Mineira para ver as primeiras imagens transmitidas pela TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi
Arquivo EM - 15/7/1955
Musicais de época eram transmitidos pela TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi
Revista O Cruzeiro/Arquivo EM - 31/12/1955
O presidente Juscelino Kubitscheck discursou na solenidade de inauguração da TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi
Revista O Cruzeiro/Arquivo EM - 8/11/1955
O jornalista Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados, durante a inauguração da TV Itacolomi, em BH | 70 anos da TV Itacolomi
Revista O Cruzeiro/Acervo EM - 1955
O advogado, político e jornalista Pedro Aleixo durante entrevista a TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi
Arquivo EM
Apresentação do cantor Roberto Carlos no Minas Tênis Clube, no aniversário da TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi
Arquivo EM - 10/11/1968
Na foto, musicais Philips da TV Itacolomi, em 1958 | 70 anos da TV Itacolomi
Acervo Iannini/Divulgação
Cena do programa "Boliche Mobin" com os apresentadores Gilberto Amaral e Dulce Maria, exibido pela TV Itacolom | 70 anos da TV Itacolomi
Arquivo EM
Aguinaldo Rabelo e Dulce Maria, apresentadores do Programa Infantil "Mercadinho Mirim", exibido pela TV Itacolomi | TV Itacolomi
Arquivo EM - 1957
Cena do Programa Infantil "Mercadinho Mirim", apresentado por Agnaldo Rabelo e Dulce Maria na TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi
Arquivo EM - 1957
A atriz Clausy Soares posa ao lado de maquete da sonda soviética Luna, em 3/10/1959 | 70 anos da TV Itacolomi
Acervo Carlos Fabiano
Crianças no Programa de Elias Salomé, que foi ao ar em 18 de julho de 1956 | 70 anos da TV Itacolomi
Acervo Carlos Fabiano
Dalva Righetti no Programa Brasa 4, apresentado entre 1966 e 1972 na TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi
Arquivo pessoal
Zélia Marinho (Zelinha), apresentadora do programa infantil "Roda Gigante", da TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi
O Cruzeiro/Arquivo EM
Jayme Gomide, apresentador da TV Itacolomi - 70 anos da TV Itacolomi
Arquivo EM
Grandes coberturas
As principais notícias do Brasil e do mundo eram veiculadas na Itacolomi, mas foi por suas lentes que acontecimentos históricos de Minas Gerais foram levados aos telespectadores mineiros. Um dos fatos registrados pela emissora foi a reconstrução da Barragem da Lagoa da Pampulha, obra finalizada em 1958, quatro anos após o rompimento. Ainda no mesmo ano, as ruas da capital mineira foram tomadas pelo furor da conquista da primeira Copa do Mundo pela Seleção Brasileira, conquistada na Suécia.
No começo da década de 1960, a paisagem urbana da capital passou por transformações marcantes, como a retirada do obelisco da Praça Sete em 1962, sendo levado em seguida para a Praça da Savassi. No ano seguinte, houve o fim do serviço de bondes e a remoção dos trilhos nas ruas – tudo isso registrado pela televisão. Em 1964, o golpe militar fez extinguir o movimento dos trabalhadores favelados, responsável por grandes manifestações contra o despejo de favelas.
Já nos anos 1970, a década começou com a maior tragédia da história de Belo Horizonte, e que também foi registrada pelas câmeras da Itacolomi: o desabamento do Pavilhão de Exposições da Gameleira, em 4 de fevereiro de 1971, quando morreram 69 operários – e outras dezenas ficaram feridos.
Jackson Neves, de 71 anos, então ‘foca’ (jargão para jornalista iniciante) foi o primeiro profissional da Itacolomi a chegar no local da tragédia. A informação chegou por telefone, assim que o noticiário da hora do almoço tinha ido ao ar – e em um momento que a redação estava vazia.
“Na hora que cheguei lá, vi aquela coisa absolutamente catastrófica. Gente gritando, gente debaixo das vigas, aquela confusão. Aí eles mandaram o “dinossauro”, que era o carro de externa. O carro só saía da garagem do Palácio do Rádio para fazer jogo no Mineirão. Era uma operação hercúlea para montar esse carro. Aí foi o carro e de lá começou a transmitir ao vivo. Depois chegaram os outros repórteres”, relata Jackson, relembrando o que foi a cobertura mais marcante da sua carreira.
Logo em um dos primeiros dias de televisão, ainda em 1969, Jackson presenciou algo comum durante grande parte da existência da Itacolomi, concomitante à ditadura militar: a censura e o medo de perseguição. Na ocasião, o temor era de que um panfleto de propaganda “subversiva”, pego pelo “foca” no caminho do ônibus até o Edifício Acaiaca, pudesse ser motivo para que os militares abrissem uma investigação.
“Eu comecei a ter olhos de repórter, porque tudo podia ser motivo de reportagem. Quando entreguei o panfleto na redação, eles embolaram e jogaram no lixo na mesma hora, para o censor não ver”, conta.
A figura do censor era recorrente nas redações durante a ditadura. Se tratava de um militar designado a acompanhar o trabalho dos jornalistas e impedir que qualquer informação que pudesse desagradar ao regime fosse veiculada. Absolutamente nada ia ao ar nos noticiários sem que o censor aprovasse.
O caso de censura mais emblemático na Itacolomi ocorreu em 1971, quando anunciou que seria a única emissora brasileira a transmitir a chegada de Fidel Castro no Chile, naquela que seria a primeira visita de Estado do líder revolucionário em sete anos. Na ocasião, o diretor-geral da emissora, José de Oliveira Vaz, recebeu um telex de Brasília proibindo a cobertura da visita e recomendando um levantamento sobre toda a atividade política da direção e dos funcionários da Itacolomi.
Perseguições ao trabalho jornalístico eram comuns desde o início da ditadura militar. O cinegrafista Helio Giovani, de 86 anos, um dos remanescentes da inauguração da emissora, conta que estava em Brasília e registrou as movimentações do golpe de 31 de março. Após ter enganado militares no aeroporto da cidade, que exigiram os filmes de sua câmera, Hélio conseguiu trazer o material para ser exibido na Itacolomi.
Depois que a fita foi ao ar, outros dois policiais apareceram na porta do Edifício Acaiaca exigindo que entregasse o material. “Já tinha sido exibido mesmo. O pessoal da redação disse que eu tinha cada ideia, mas não. Eu não estava falando de fulano ou ciclano, não estava entregando ninguém. Eu estava mostrando jornalisticamente o que aconteceu”, relata.
Dedicação dos profissionais
No começo da emissora, as reportagens eram tecnicamente mais simples, pelas limitações da tecnologia da época. Não havia áudio e as filmadoras, de corda, não conseguiam gravar mais do que 30 segundos ininterruptos. Com o tempo, os equipamentos evoluíram, as transmissões por satélite chegaram e, assim, a Itacolomi pode avançar nas suas coberturas. Foi por ela que os mineiros puderam acompanhar a inauguração de Brasília, em 1960, a chegada do homem à Lua, em 1969, e tantos outros acontecimentos importantes na sua breve história de 25 anos.