80 anos do fim da Segunda Guerra/ Hiroshima e Nagasaki

As cinzas que continuam queimando

Clássico do jornalismo literário, "Hiroshima" dá rosto, voz e memória aos sobreviventes da bomba atômica. E ainda ecoa como um alerta moral para a humanidade

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Júlio Moreira

“O que enfrentamos não é apenas uma nova arma, mas um novo tipo de poder – um salto tecnológico com consequências morais”
(John Hersey)

Em um mundo em que inteligências artificiais tomam decisões de vida ou morte, drones autônomos realizam ataques e algoritmos escolhem alvos com precisão matemática, o alerta feito por Hersey há quase 40 anos soa assustadoramente atual. A tecnologia avança – mas a ética que deveria guiá-la tropeça.

De Hiroshima aos conflitos contemporâneos, o risco permanece: desvincular o poder tecnológico da consciência moral é repetir tragédias em novas linguagens. Por isso, “Hiroshima”, publicado por John Hersey em 1946, continua essencial.

Antes de se tornar livro, o texto foi publicado como uma reportagem na revista “The New Yorker” (“O Nova-Iorquino”), em 31 de agosto de 1946. Pela primeira vez, a revista dedicou toda a sua edição a um único texto. A repercussão foi imediata. Lido no rádio e debatido no Congresso, o relato chocou o público americano, que desconhecia os efeitos humanos da bomba.

Hersey não se prendeu a análises militares. Preferiu ouvir seis civis japoneses – um médico, uma freira, um operário, uma viúva, um jovem cirurgião e um pastor metodista – e acompanhar suas jornadas nos dias e meses após o ataque de 6 de agosto de 1945. Às 8h15 da manhã, a bomba “Little Boy” destruiu Hiroshima. O que se seguiu foi fogo, ruína, sede, perda. Mas também resistência.

“O que aconteceu com essas pessoas era mais importante do que qualquer opinião que eu pudesse ter”, declarou Hersey em entrevista à rádio pública NPR, na década de 1970. Sua escolha ética foi desaparecer da cena e permitir que os fatos falassem por si.

Com estilo sóbrio e narrativo, ele descreve queimaduras, busca por parentes, água envenenada, sintomas da radiação. Em entrevista à “Columbia Journalism Review”, em 1974, afirmou: “Quanto mais terrível a história, mais contida deve ser a linguagem”.

Em conferência na Universidade de Harvard, em 1984, chamou os sobreviventes de “os verdadeiros guardiões da memória”. Para Hersey, lembrar era resistir ao esquecimento.

Hiroshima inaugurou uma nova forma de contar a verdade. E abriu as portas para que, 20 anos depois, Truman Capote expandisse essa narrativa com “A sangue frio”, dramatizando um crime real com técnicas de romance. Hersey mostrou que era possível documentar o horror com empatia. Capote revelou que se podia fazer literatura com a realidade, sem traí-la. Um plantou as raízes. O outro fez o gênero florescer

Em 1986, nos 40 anos da bomba, Hersey declarou à “The New Yorker”: “Se um livro pode fazer o mundo pensar duas vezes antes de usar novamente uma bomba atômica, ele já cumpriu seu papel.”

Hoje, quando máquinas matam sem remorso e decisões letais são automatizadas, Hiroshima continua sendo um alerta – silencioso, mas devastador. Uma lembrança de que a ética deve sempre anteceder a tecnologia. E que a vida humana deve ser o limite absoluto da guerra. n

Hiroshima
• John Hersey
• Companhia das Letras
• 160 páginas
• R$ 69,90

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