A MONTANHA DE MANN

Thomas Mann e a fonte geradora de múltiplos sentidos

Professor de alemão e teoria da literatura na UFMG, Georg Otte analisa o sentido dos mitos bíblicos em "José e seus irmãos"

Publicidade
Carregando...

Georg Otte
Especial para o EM

É uma das curiosidades na história do Prêmio Nobel de Literatura que, em 1929, Thomas Mann foi premiado em função de sua obra “Os Buddenbrook”, publicada em 1901, ou seja, 28 anos após a publicação. Para a decepção do laureado, o comitê, em sua justificativa, não fazia referência à sua obra “A montanha mágica”, de 1924, que ele, assim como a crítica da época, considerava como sua obra prima.

Leia: A conexão brasileira do escritor alemão que ganhou o Nobel e atacou o nazismo

Leia: A infância brasileira de Júlia, mãe de Thomas Mann, em Paraty

Se “Os Buddenbrook” narrava a decadência de uma família de comerciantes no decorrer de suas quatro gerações, com claras referências a personagens históricas de Lübeck, cidade natal de Mann, “A montanha mágica” troca o diagnóstico da burguesia hanseática pelas vivências do seu protagonista Hans Castorp, que deixa esse meio social do Norte da Alemanha para trás para se retirar num sanatório nos Alpes suíços, perto de Davos. Sem dúvida, o sanatório também tem sua vida social, mas esta se restringe um grupo bem circunscrito e ao mesmo tempo isolado dos pacientes de tuberculose, isto é, das pessoas que já não exercem mais suas funções sociais. O tempo nesta “montanha mágica” é diferente do tempo na “planície”: não são mais os negócios que determinam a vida das pessoas, mas é o ócio que a doença impõe a elas. A magia da montanha faz com que Castorp perca a noção do tempo e se surpreenda com o tempo que já passou nesse lugar: a permanência no sanatório, programada para algumas semanas, acaba durando meses e até anos, de maneira que, só depois de sete anos, ele consegue voltar ao Norte da Alemanha.

O número sete está presente em todo o romance, conferindo-lhe um aspecto mítico (o sete está no nome do personagem Settembrini; a ação do romance se inicia no ano 1907; o livro é dividido em sete capítulos etc.). Além desse jogo com os números, há uma série de referências mitológicas e de alusões a diversos contos de fada coletados pelos irmãos Grimm. A própria erudição de Settembrini serve para explicar as analogias mitológicas evocadas quando ele compara, por exemplo, o sanatório com o Hades, o reino dos mortos da mitologia grega. A evocação, evidentemente, se deve ao fato de muitos pacientes estarem fadados à morte e de seus corpos serem levados de trenó vale abaixo por uma saída secreta na base do sanatório. Settembrini compara Castorp com Ulisses em sua visita ao Hades para consultar o já falecido Tirésias sobre o fim de sua viagem, visita esta que alude também à descida de Orfeu ao Hades (que o cristianismo transformaria posteriormente em “inferno”).

Thomas Mann, evidentemente, não era o único autor de sua época que recorria à mitologia grega para falar da vida de um herói moderno. Basta lembrar que, dois anos antes da publicação de “A montanha mágica”, em 1922, James Joyce havia publicado o “Ulisses”, cujos 18 episódios estão calcados nas errâncias do herói da Odisseia de Homero. Nas duas obras, os heróis são, na verdade, anti-heróis, compartilhando com o Ulisses grego a inexorabilidade do destino, sem, no entanto, dispor dos ardis deste para superar todo tipo de perigo. Hans Castorp não apenas perde a noção do tempo, mas também qualquer controle sobre sua própria vida. “A montanha mágica” vai na contramão do tradicional romance de formação alemão (Bildungsroman), cujos heróis costumavam vencer todas as adversidades da vida para se revelarem como donos do seu destino.


DECLÍNIO INEVITÁVEL

Enquanto o Ulisses de Homero zomba dos seres supostamente mais poderosos (como, porexemplo, no episódio com Polifemo), é a própria realidade que zomba dos anti-heróis doséculo 20, sofrendo a ironia do destino. Tanto as quatro gerações da família Buddenbrookquanto Aschenbach, o protagonista de “A morte em Veneza”, por mais que aparentem ter ocontrole da situação, não escapam do declínio inevitável, seja ele da ordem econômico, sejade ordem moral. Thomas Mann, o “alemão irônico”, conforme o título do livro de ErichHeller, constrói sua ironia em cima da luta vã de suas personagens contra forças que serevelam superiores. Assim, em “A montanha mágica”, recorre a referências míticas para deixarclaro que, no início do século 20, o indivíduo não é mais “senhor na própria casa”, paracitar a famosa frase de Sigmund Freud. Em meados dos anos 20 do século passado, o mitose ofereceu como opção para demonstrar a impotência desse indivíduo diante do poder doinconsciente, e não é por acaso que o próprio Freud recorre ao mito de Édipo para ilustraruma constante no desenvolvimento humano da qual o indivíduo não escapa, da mesmamaneira que Édipo não conseguiu fugir do seu destino, pressagiado pelo oráculo de Delfos.

Em 1925, um ano após a publicação de “A montanha mágica”, o mito recebe um tratamentofilosófico até então inédito com a publicação do segundo volume da “Filosofia das formassimbólicas”, de Ernst Cassirer, intitulado “O pensamento mítico”. Para Cassirer, o mito não éapenas um refúgio para quem questiona a validade universal do pensamento científico; muitopelo contrário, para o filósofo, ele é o berço de todos os setores da cultura moderna enquanto“formas simbólicas”, inclusive das ciências. Cabe observar, no entanto, que, apesar deatribuir essa posição central ao mito, Cassirer acaba considerá-lo como algo superado peladiferenciação da cultura em setores distintos e mais elaborados.

VISITA AO EGITO

No mesmo ano de 1925, Thomas Mann partiu para um cruzeiro pelo Mediterrâneo oriental,que incluía uma visita ao Egito e seus sítios arqueológicos. De certa maneira, Mann ampliava seu horizonte mitológico nessa viagem, que o levava também a lugares bíblicos. Enquanto o conhecimento da mitologia grega fazia parte da educação nos ginásios humanistas alemães (na acepção do humanismo renascentista, que fez “renascer” o passado greco-romano), o estudo das heranças egípcias e judaicas ficava restrito aos especialistas nasuniversidades. O autor, que não deixou de questionar aquela formação tradicional, muitasvezes imposta de forma autoritária, havia se transformado num especialista (não acadêmico) das culturas orientais quando começou a trabalhar, um ano depois de sua viagem, noprimeiro volume de “José e seus irmãos”, intitulado “As histórias de Jacó”.

A narrativa sobre a figura de José ocupa um espaço relativamente longo em Gênesis,estendendo-se do capítulo 37 até 50, superando qualquer outro relato de uma vida na Bíblia. Segundo Jan Assmann, não é apenas o tamanho, mas também o detalhismo e a qualidadeliterária do texto que lhe confere um lugar particular no Velho Testamento e que leva a suporque se trate de uma narrativa acrescentada posteriormente ao texto bíblico. Goethe,entretanto, que a chama de “graciosa” (anmutig) e “natural” (natürlich), lamenta que ela é“demasiadamente curta, sendo que sentimos a vocação de elaborá-la em detalhes.” Se, paraGoethe, o episódio bíblico demandava uma elaboração maior, para Mann o “José”,inicialmente concebido como novela ao modo de “A morte em Veneza”, se transformou numatetralogia de mais de mil páginas.

A publicação da tetralogia de Mann se deu entre os anos 1933 e 1943, coincidindo, portanto, com aascensão e o auge da barbárie nazista, de maneira que os últimos dois volumes tiveram queser publicados fora da Alemanha. Talvez o Prêmio Nobel tenha evitado que Mann fizesseparte dos escritores publicamente condenados pelos nazistas durante a queima de livros em10 de maio de 1933; no mesmo dia, entretanto, ele foi excluído do “Conselho Literário” (Literaturbeirat) da cidade de Munique por ter se recusado a assinar uma “declaração defidelidade” ao Governo nazista, promovido pela Academia Prussiana das Artes. Foi duranteuma viagem ao exterior que seus filhos Klaus e Erika lhe aconselharam não voltar para aAlemanha devido ao risco da perseguição política. Ele resolveu então morar com sua esposaKatia na Suíça para depois, em 1938, se exilar nos Estados Unidos.

A oposição declarada ao nazismo coincidiu, portanto, com o interesse do autor pela históriadas culturas do Oriente Médio e pelo mito em geral, que, como já foi dito, alcançaradignidade filosófica nos trabalhos do seu contemporâneo Ernst Cassirer. De 1934 a 1955 eletrocou uma série de cartas com Karl (Károly) Kerényi, conhecido então pelas suas obrassobre a mitologia grega. Nessa correspondência, Mann manifesta sua preocupação com ofato de o nazismo ter embasado sua ideologia em pressupostos míticos como aquele do“sangue e solo” (Blut und Boden), que servia para justificar sua política expansionista e paradefender a pretensa supremacia da raça “ariana”, ou seja, seu antissemitismo (...).

DILEMA IDEOLÓGICO

Thomas Mann encontrou-se num certo dilema, uma vez que a dedicação ao José e às reflexões associadas sobre o mito o aproximavam de uma ideologia que rejeitava. Alémdisso, suas ocupações o levaram a se retirar para sua vida privada, pois lhe trouxeram umcerto conforto psicológico. No prefácio à tradução americana da tetralogia, publicada em umúnico volume, ele chega a agradecer a sua própria obra pela tranquilidade que lheprovidenciava em meio às turbulências familiares e políticas: “Agradeço essa obra, queserviu de apoio neste caminho que me levou através de vales tão escuros, que foi para mimrefúgio, consolo, pátria, símbolo da estabilidade, garantia da minha própria perseverança em meio à turbulências.

Sem dúvida, a dedicação a questões míticas contribuiu para esse sentimento de estabilidade,uma vez que criaram uma certa distância às notícias inquietantes vindo da Alemanha nazista.Por outro lado, o exílio nos Estados Unidos, mais exatamente no bairro Pacific Palisades emLos Angeles, não impediu que se engajasse na oposição ao nazismo, mesmo porque vivia navizinhança imediata de outros autores exilados. Convidado por organizações judaicas a semanifestar contra a perseguição dos judeus, gravava mensagens em discos que foram levadosvia aérea para a BBC em Londres para difundi-las em seus programas radiofônicos naEuropa.


“ARRANCAR O MITO DOS FASCISTAS”

O dilema em relação ao mito foi objeto de sua correspondência com Kerényi. Mais que umavez ele salienta a distância que separa seu interesse pelo mito do uso que dele faziam osnazistas. Numa das cartas a Kerényi, ele promete “arrancar o mito das mãos dosobscurantistas fascistas e de direcioná-lo para o humano”. Em outra ocasião, numa conferência sobre sua obra, ele não apenas enfatiza esse distanciamento, mas fala tambémda inspiração judaica de sua obra, não apenas por se apoiar em Gênesis, mas também pelocaráter midráshico de sua escrita:

“As pessoas queriam ver em José e seus irmãos um romance judaico (Judenroman), e até um romance parajudeus. Ora, a escolha de um tema ligado ao Velho Testamento certamente não aconteceu por acaso. Com todacerteza, ela se deu num contexto desafiador-polêmico com as tendências da época, que me causaram granderepulsa, tendo em vista a paranoia especialmente inadmissível na Alemanha, que representa um elemento fundamental do mito plebeu fascista. Escrever um romance no espírito judaico era adequado à épocaexatamente porque parecia ser inadequado. E não há dúvida: a minha narrativa se atém, com uma fidelidademeio jocosa, aos dados do Gênesis, podendo ser lido como uma exegese ou uma amplificação da Torá, comoum midrash rabínico. Mas, mesmo assim, o caráter judaico é apenas o primeiro plano na obra, apenas umelemento estilístico entre outros, uma camada de sua linguagem que mistura, de forma peculiar, o arcaico e omoderno, o épico e o analítico de forma particular”.

O artigo de Alan Levenson, que tem o título significativo “Christian Author. Jewish Book?” e do qual retiramos a citação acima, procura mostrar que o “autor cristão” Thomas Mann sevale do midrash em sua elaboração da figura bíblica de José, deixando de lado a prática dosexegetas cristãos que viam em cada elemento narrado um “teologema”, isto é, um objeto deexegese bíblica, e em cada profeta um precursor de Jesus: “O uso do mito por Mann evita oreducionismo encontrado tão frequentemente na abordagem da realização do anunciado(fulfillment).” Trata-se, no caso do cristianismo, da abordagem exegética da prefiguração– também chamada de “tipologia” (na acepção teológica) –, que foi fundamental comorecurso do cristianismo para consolidar a figura de Jesus e para, assim, se distanciar datradição judaica.

Embora Levenson veja no tratamento dado ao protagonista José outra prefiguração de Jesus, deixando claro que Mann não escapou por inteiro à tradição exegética cristã, ele chega aoresultado de que sua obra se insere muito mais na tradição judaica pelos seus aspectos lúdico,detalhista, especulativo, reconciliador e holístico. Levenson cita outros comentaristas,como Ludwig Lewisohn, que chegou a chamar a obra de Mann de “super-midrash”, e argumenta contra a posição de Gabriel Josipovici de que o método interpretativo de Manniria de encontro à “primazia da narrativa”.

A distinção entre uma leitura cristã e outra judaica do Velho Testamento se resumiria,portanto, na oposição entre uma abordagem predominantemente exegética (interpretativa) eoutra que ressalta a “primazia da narrativa”. Acontece que o próprio conceito de midrash émuito amplo, podendo ser tanto a denominação de um método hermenêutico, portanto,exegético, quanto de um tipo de narrativa. Além disso, os midrashim se distinguem deacordo com seu referencial: no caso da Ágadá, se referem as narrativas da Bíblia, no caso daHalacá, são comentários sobre as leis religiosas.

Trata-se, sobretudo, de comentários que, aocontrário da exegese dogmática cristã, têm um caráter pontual, ampliando, de certo modo, anarrativa original, seja interpretando, seja dando continuidade ao texto original. É nessesentido que a obra de Thomas Mann ganha um caráter de midrash, pois estende umanarrativa da Bíblia, considerada, por si só, excepcionalmente longa. Como no caso dosmidrashim, sua narrativa em terceira pessoa não se limita simplesmente ao ato de narrar,mas o narrador – supostamente – onisciente comenta a própria narrativa, ampliando ohorizonte do acontecimento particular para inseri-lo em um contexto maior. Essacontextualização não segue o dogma cristão que instrumentaliza o Velho Testamento comoprenúncio do Novo Testamento, mas se baseia em pressupostos míticos como o carátercíclico do tempo ou destino pré-definido do sujeito.

(...)

Os quatro volumes da nossa tetralogia são marcados pela oposição entre monoteísmo epoliteísmo não apenas na Palestina, mas também no Egito, ou seja, ela não se refere somenteao desenvolvimento do judaísmo. De qualquer forma, José não é apenas descendente, mastambém herdeiro de Abraão, Isaac e Jacó no sentido de dar continuidade à defesa domonoteísmo contra as crenças que encontra tanto nas outras nações da Palestina, quanto naprópria família, sem falar do politeísmo no Egito. O conflito com seus irmãos não se deveapenas ao fato de ele ter sido favorecido por Jacó, seu pai, contra as regras da primogenitura,mas também à sua suposta postura de eleito para defender o Deus único. Duplamente eleito,tanto pelo pai, quanto por Deus, José comete a ingenuidade de narrar os sonhos em que essaposição se manifesta, o que só poderia provocar a ira e a decorrente vingança dos irmãos.

Se, por um lado, há em Gênesis a transmissão da Lei, há também uma genealogia que “pesa”sobre José e que se manifesta numa série de analogias que se repetem de geração em geração.José obedece à Lei (quando, por exemplo, resiste ao assédio da esposa de Potifar), mas segueao mesmo tempo a tradição dos seus antecessores ao defender o monoteísmo. A obediênciaà Lei e a tradição familiar estão interligadas, sendo que a tradição que trilha o caminho deJosé e que predetermina suas ações carrega traços muito semelhantes aos mecanismos mito.A “repetição” do confronto entre monoteísmo e politeísmo não se dá somente no tempo cíclico, apontado como próprio do mito, mas também no espaço, quando José presenciaembates semelhantes no Egito.

Thomas Mann levanta, portanto, uma ambivalência entre mito e Lei muitas vezes ignoradaou até ofuscada pela oposição entre mithos e logos, que pode ser encontrada já na antigaGrécia, quando Platão defende a superação do primeiro pelo segundo. O questionamento datradição por Sócrates, que acaba o levando à condenação à morte, passa muito mais pelaquestão do conhecimento da verdade, isto é, por questões cognitivas, isto é, lógicas, do queéticas. Certamente, a proximidade entre tradição e Lei é um dos motivos por essa negligênciaem relação à ética, uma vez que esta não se baseia apenas em pressupostos racionais, mastambém em “restos míticos” de determinada tradição. Atradição sempre tem uma mítica, pois representa aquilo que foi transmitido de geração em geração, sendo que a Lei, de certamaneira, reúne os sedimentos do fluxo dessas gerações.

(...)

O protagonista José não é um personagem estático, mas passa por situações extremamente difíceis, que são superadas graças à sua fé inabalável no Deus único e acabam levando ao seu amadurecimento individual. Nesse aspecto, ele segue “miticamente” o exemplo dos seus antecessores, mas ao mesmo tempo vai além de um mero prosélito quando, na função de administrador do faraó, garante não apenas a alimentação dos egípcios duranteos anos das proverbiais vacas magras, mas também de outros povos.

Foi justamente naocasião em que os irmãos foram buscar alimentos no Egito que aconteceu o encontro comJosé, que, longe de se vingar deles, se reconciliou com seus irmãos. Além de superar os“choques culturais” e de conquistar, apesar da sua condição de estrangeiro, a confiança dofaraó, José, sempre apoiado em usa fé no Deus único, vence a mentalidade tradicional davingança que costumava fazer parte das narrativas míticas. Esse espírito conciliador nãodeixa de ser uma herança dos seu pai Jacó, que havia conseguido apaziguar os ânimos doseu irmão Esaú e do seu cunhado Labão. As repetições, ou melhor: o caráter cíclico dosacontecimentos apontaria para uma estrutura mítica, mas a superação do mítico em suaacepção de “bárbaro”, também se repete no caminho a um mundo mais humano.

Para Thomas Mann, não se trata de superar o mito, mas de mostrar que “o humano” é, alémdos conflitos herdados, outra herança, capaz de superar esses conflitos. Essa humanizaçãodo mito, no entanto, não é algo óbvio, pois faz parte de uma evolução civilizatória queprocura suprimir os atos violentos, presentes nas diversas mitologias, inclusive na grega. Elafaz parte do já mencionado humanismo renascentista, quando o terror de uma Medusa, porexemplo, perdeu boa parte de seu aspecto assustador para agradar ao gosto refinado daspinturas da época. Na literatura, a alegorização era um recurso importante para atribuirsignificados mais “palatáveis” aos atos violentos. Segundo Hans Blumenberg, o própriomito, enquanto narrativa arcaica, pode ser visto como tentativa de lidar com a “realidadeabsoluta”, isto é, com uma realidade hostil, que perde pelo menos parte do seu aspectoangustiante quando é inserida em um contexto mitológico e transformada em narrativa.

Se,para o fascismo, o mito servia para perpetuar a barbárie e seus atos violentos, a obra deThomas Mann se opõe a essa perpetuação através de uma narrativa que não nega o mito,mas o defende como fonte geradora de sentidos contra a uma realidade aparentementeinóspita. O mito, com licença do trocadilho, mitiga a estranheza da realidade e reconcilia osleitores com ela, assim como José se reconciliou com seus irmãos que por pouco não omataram.

O texto acima foi publicado originalmente em coletânea organizada por Georg Otte e Lyslei Nascimento, com o título “No princípio, o mito: do arcaico ao contemporâneo na literatura” (Editora HN, São José do Rio Preto)

GEORG OTTE é professor de alemão e teoria da literatura na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Tópicos relacionados:

familia historia livro

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay