Entrevista/Paulo Schiller 

(Tradutor de “Sátántangó” e “Ausência de destino”)

Por que o senhor afirma que o húngaro é “um mundo completamente à parte”? Poderia explicar por que é um idioma “aglutinante”?

Originário do norte da Sibéria, o húngaro tem algum parentesco com o finlandês e o estoniano, sem compartilhar com elas nenhuma palavra. Sintaxe nada comparável às línguas que nos são mais familiares. “Házainkban” é um exemplo de aglutinação. Significa “Em nossas casas”: Ház, “casa”; Aink, “nossas”; Ban, “dentro de”.

O que foi mais desafiador na tradução de “Sátántangó”?

Foram principalmente as frases longas que ocupam várias páginas. Frequentemente o sentido geral da frase só ficava claro ao final e algo que eu tinha imaginado ou escrito no início tinha de ser ressignificado.

Por que acredita que podemos considerar “Sátántangó” como uma espécie de “Grande sertão: veredas” da Hungria?

Assim como Rosa, László cria todo um universo num pequeno vilarejo. Rosa afirma que o sertão é o mundo. O vilarejo de László é o mundo (só que nele chove o tempo todo). Os dois enredos e seus personagens vivem questões humanas universais.

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O senhor também traduziu “Ausência de destino”, de Imre Kertész, que ganhou nova edição em 2025, e outros dois romances do vencedor do Nobel de 2002. Quais as características mais marcantes da escrita do autor?

Aqui temos o avesso de László. Uma escrita direta, sem rodeios, nada barroca. Em “Ausência” a escrita de um adolescente. “A língua exilada” é uma coletânea de ensaios numa escrita bem acessível. “Liquidação” é ficção de escrita sem enfeites. 

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Consegue enxergar conexões, temáticas ou estilísticas, entre os autores húngaros que traduziu? 

Traduzi muitos outros. László se distingue de todos. Talvez se aproxime um tanto de Gyula Krúdy, no estilo e temática (“O companheiro de viagem”, publicado no Brasil na coleção Prosa do Mundo, da CosacNaify), uma espécie de Proust húngaro. Os demais - Márai, Dragomán, Antal, Nádas - são romancistas de grande qualidade, mas de escrita mais convencional.

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Indicaria a leitura de outros livros de autores do país?

Dos que traduzi, Gyula Krúdy (autor de “O companheiro de viagem”). “O rei branco”, de (György) Dragomán é excelente. “A bíblia”, de (Péter) Nádas, também é ótimo.

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