TCE evitou gastos irregulares de R$ 8 bilhões no primeiro semestre com IA
Com auxílio de robôs, auditores do Tribunal de Contas provocaram processos que anularam ou revogaram editais que somam R$ 3,4 bilhões
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Siga noO Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG) evitou mais de R$ 8 bilhões em gastos irregulares em processos licitatórios no estado neste primeiro semestre de 2025. Segundo dados da Corte, o valor corresponde a editais que foram alvo de 362 ofícios enviados aos gestores públicos apontando os vícios e solicitando correções nas licitações, com uma média de resolução de 95% dos casos. No período, a fiscalização do TCE ainda provocou a anulação ou revogação de editais que somam cerca de R$ 3,4 bilhões.
Os resultados foram obtidos com ajuda de robôs que integram a Diretoria de Fiscalização Integrada e Inteligência, conhecida como “Suricato”, que fiscaliza milhares de editais para otimizar as atividades dos auditores de controle externo. Quando a inteligência artificial inerente ao sistema identifica um erro em algum processo público, os robôs sinalizam a situação para um técnico do TCE fazer uma segunda avaliação e evitar um “falso positivo”.
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Em julho, o sistema fez com que o Tribunal determinasse a suspensão de um processo de compra de bebidas para a manutenção de atividades comerciais e turísticas do balneário de Montezuma, na Região Norte do estado, no valor de R$ 8,1 milhões. A decisão do conselheiro em exercício Hamilton Coelho reconhece os indícios de irregularidades denunciados pelo Suricato no edital lançado pela Empresa Municipal de Turismo (Emutum).
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O diretor da Central de Inteligência do TCE-MG, Pedro Henrique Azevedo, explica que na maioria dos casos os problemas identificados são erros materiais decorrentes de falta de orientação nas prefeituras, mas em outros casos a equipe considera abrir uma representação com os conselheiros pedindo a suspensão do edital.
“O município estava adquirindo mais de R$ 4 milhões em bebidas alcoólicas, de tudo que você pode imaginar, de vinho até catuaba. A gente tem com muita frequência casos envolvendo aquisição de bens de luxo, como carros com requisitos de requinte que não condizem com a administração pública”, disse em entrevista ao Estado de Minas.
No caso de Montezuma, as irregularidades foram encontradas pelo robô Solaris, que analisa os editais de licitação em geral. O edital da Emutum previa a compra de 79 itens de bebidas, sendo 43 delas com álcool em valores que representam 7% da receita do município. O valor total da contratação ultrapassa a receita anual prevista para a empresa de turismo.
Segundo o TCE, as inconsistências encontradas no pregão eletrônico exigiam a contratação de marcas específicas de bebidas sem justificativa, o que viola o princípio da concorrência previsto na lei de licitações (Lei nº 14.133/2021). Ainda de acordo com o tribunal, essa prática compromete o uso adequado do dinheiro público, já que produtos similares ou melhores acabam sendo desconsiderados do processo.
Além de suspender o pregão, o conselheiro Hamilton Coelho determinou que a empresa municipal ficasse impedida de dar sequência ao edital até a conclusão do processo. Caso a Emutum pretenda anular o certame ou realizar outro pregão eletrônico, o TCE deverá ser comunicado no prazo de cinco dias a partir da prática, sob pena de multa. O tema ainda será discutido em sessão da Segunda Câmara do TCE, quando os demais conselheiros vão se pronunciar se referendam ou não a decisão do relator.
Solaris e Apolo
Somente no primeiro semestre, a ferramenta Solaris analisou mais de 80 mil editais e gerou mais de 14 mil alertas automáticos de potenciais indícios de vícios. Cerca de 300 editais com possíveis irregularidades foram oficiados pelo TCE, em alcance de controle que soma R$ 2,3 bilhões. Do total, 38% desses processos foram revogados ou anulados, em valores na ordem de mais de R$ 713 milhões.
O robô Apolo, que trabalha em cima de planilhas de obras públicas, ajudou os auditores a analisarem mais de R$ 7 bilhões em editais. Foram enviados 61 ofícios para prefeituras, consórcios e órgãos estaduais em processos que somam R$ 5,8 bilhões. De acordo com o Tribunal, em 54 casos os gestores adequaram o processo. Outros sete casos se tornaram processos que ainda tramitam na Corte de Contas.
Em um dos casos resolvidos com auxílio do Apolo nesse semestre, os auditores identificaram uma licitação para pavimentação de uma estrada municipal no interior, com valor estimado em R$ 19,6 bilhões. O robô identificou na planilha orçamentária do certame, itens possivelmente superfaturados (com valor acima do custo de mercado). Após ofício do TCE, o município revogou o edital e publicou um novo com as correções sugeridas no valor de R$ 12,9 milhões - economia de quase R$ 7 milhões.
“O Apolo e o Solaris leem os editais de licitação e as planilhas de obras e apontam para o auditor de controle externo, servidor efetivo do tribunal, potenciais indícios de violação à lei de licitações. A gente recebe esses editais ou captamos em determinados sites e os robôs rodam em cima desses processos. Os próprios auditores configuram as trilhas dos robôs para identificar os indícios. (...) A gente tem um índice de sucesso muito alto, só que fazemos essa filtragem para não ter o que nós chamamos de falsos positivos”, disse Pedro Henrique Azevedo.
O diretor explica ainda que o mais importante do processo é o trabalho do auditor validando o que foi encontrado pelos robôs. “É o que o presidente Durval Ângelo chama de tecnologia com alma. Então a gente precisa ter esse olhar do auditor de controle externo”, afirmou, destacando ainda que o TCE agora trabalha para aprimorar as ferramentas para editais de concurso público e Lei Orçamentária dos municípios.
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“A nossa ideia é ampliar essas trilhas de fiscalização realizadas pelos auditores. São os auditores que pensam do início ao fim essas trilhas e daí para frente nós começamos a explorar não apenas irregularidades em licitações, mas também em concursos públicos e nos orçamentos dos municípios como um todo”, completou.