A família do estudante mineiro José Carlos Novaes da Mata Machado, então com 27 anos, torturado e morto pelo Estado brasileiro em 1973, durante a ditadura militar, recebeu a indenização por danos morais que a União foi condenada a pagar em 2003 - passaram-se 22 anos até os valores, de R$ 590 mil, serem efetivamente pagos.
A indenização foi paga à viúva de Mata Machado, Maria Madalena Prata Soares, hoje com 78 anos. Na ocasião do seu assassinato, o estudante estava no último ano do curso de Direito da UFMG e casado há cerca de três anos. Mata Machado deixou um filho, Dorival Soares, então com um ano e oito meses.
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A família conseguiu a certidão de óbito do estudante apenas em 1995, quando a Lei nº 9.140 passou a reconhecer como pessoas mortas os desaparecidos em decorrência da ditadura militar, acusados de participação em atividades políticas. Os restos mortais de Mata Machado foram encontrados alguns anos antes, em uma vala clandestina em Perus (SP), com os ossos do crânio quebrados.
Mata Machado era militante da esquerda católica e vivia na clandestinidade devido à sua atuação nas organizações Ação Popular (AP) e Ação Popular Marxista-Leninista (APML). O estudante foi preso pelos militares em outubro de 1973 em São Paulo (SP), e levado para Recife (PE), onde foi torturado e morto no DOI-Codi junto do companheiro de militância Gildo Lacerda, que havia sido preso em Salvador (BA).
O regime militar apresentou uma versão de que os dois militares foram mortos por um terceiro, de codinome “Antônio”, que disparou contra os dois após desconfiar da presença de policiais à paisana. Na ocasião, a Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco abriu um inquérito que logo foi arquivado sob alegação de falta de elementos para que fosse oferecida uma denúncia aos agentes do Estado que praticaram o ato.
Contudo, uma investigação da Comissão Nacional da Verdade, finalizada em 2014, desmentiu a versão dos militares - inclusive com testemunhos de outros presos políticos presentes no DOI-Codi no momento da execução de Mata Machado.
A família do estudante impetrou um pedido de danos morais em 1999 contra a União em razão da sua morte pelas mãos do estado. Durante o processo, a União se defendeu dizendo, entre outros argumentos, que a própria atividade de militância praticada por Mata Machado contribuiu para sua morte.
A sustentação não convenceu o juiz federal Carlos Augusto Tôrres Nobre, que sentenciou o pagamento da indenização sob a alegação de não haver dúvidas da responsabilidade do Estado na morte de Mata Machado. “Não é esta a resposta que se espera dos órgãos de persecução do Estado. Como ao Estado cumpre proteger a vida, assim também é dele o dever de investigar e punir os que a malferem”, diz um trecho da sentença.
O processo continuou em tramitação após recursos da União, que argumentava que o direito de indenização estava prescrito. Assim, a sentença só transitou em julgado em 2023.
O advogado Eduardo Diamantino, que participou do processo desde o início, destaca que houve uma “notável demora” para o desfecho do caso - e à devida indenização aos enlutados. "Ainda que tardia, foi feita Justiça à família. Há vasta jurisprudência no sentido de que são imprescritíveis as ações indenizatórias por atos contra os direitos fundamentais praticados por agentes do Estado”, afirma.
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