
Uma Kombi estaciona em frente a uma reparti��o p�blica do estado na Regi�o Central de Belo Horizonte. Quatro homens descem do ve�culo e entram no pr�dio. Apresentam-se como funcion�rios da fabricante das duas impressoras de grande porte que acabavam de ser compradas pelo governo. “As m�quinas precisam de manuten��o. Temos que lev�-las.” Na Kombi l� fora, l�-se em suas portas a mesma marca grafada nos equipamentos. As impressoras s�o entregues e nunca mais retornam para o governo. Viraram replicadoras de boletins, jornais e panfletos contra a ditadura militar.
O ano era 1966. Os “funcion�rios” da fabricante de impressoras eram, na verdade, alunos da Faculdade de Filosofia e Ci�ncias Humanas (Fafich) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) militantes do movimento estudantil contr�rio ao governo imposto pelos militares no Golpe de 1964, que completa 50 anos no dia 31. As cinco d�cadas do in�cio do per�odo mais sombrio da hist�ria brasileira, que durou 21 anos, s�o o tema de uma s�rie de reportagens especiais que come�aram a ser publicadas pelo Estado de Minas em 23 de fevereiro e seguem at� 1º de abril.
O roubo das impressoras s� teve sucesso pela ousadia e perspic�cia dos estudantes. Mas o acesso � informa��o de que as m�quinas estavam na reparti��o p�blica s� foi poss�vel pela exist�ncia de uma rede de informantes, an�nimos, tamb�m contr�rios ao regime militar. “T�nhamos gente l� dentro”, conta Waldo Silva, de 70 anos, um dos mentores da opera��o para captura das impressoras.

O apoio mais expressivo ao movimento estudantil, no entanto, veio de dentro das pr�prias escolas. Reitores, diretores de cursos e professores, que, muitas vezes mesmo sem concordar com a ideologia de esquerda de seus alunos, invariavelmente defendiam o direito de manifesta��o. A atua��o do corpo docente da UFMG foi fundamental nos tr�s principais confrontos de estudantes contra os policiais da repress�o na d�cada de 1960 em Belo Horizonte: os cercos � Fafich e �s escolas de Direito e Medicina.
Pela defesa dos alunos, o reitor G�rson de Britto Mello Boson, que comandou a universidade de fevereiro de 1967 a outubro de 1969, foi cassado pelo regime militar. Outro ocupante do cargo, Alu�sio Pimenta, que esteve no posto entre fevereiro de 1964 e o mesmo m�s de 1967, foi o principal respons�vel pelas negocia��es com o Ex�rcito para o fim de manifesta��o contra a ditadura organizada por alunos do curso de direito da UFMG no pr�dio da escola, na Pra�a Afonso Arinos, Regi�o Central da capital mineira, em 1966.
Com a recusa dos estudantes em deixar o local, o Ex�rcito cercou o pr�dio. A mobiliza��o durou tr�s dias. “N�o entrava nada. De vez em quando uma cesta com alguma fruta. L� de cima jog�vamos pedras contra os militares, que nos atacavam com bombas de g�s”, lembra o advogado Carlos Cateb, um dos alunos que permaneceram dentro da faculdade durante o cerco. Apesar de toda a press�o, os militares n�o entraram. A �rea em que os estudantes se concentraram para o confronto com o Ex�rcito, uma esp�cie de pilotis do pr�dio da escola, foi entregue ao Diret�rio Acad�mico do curso e recebeu o nome de um ex-aluno, Jos� Carlos Novaes da Mata Machado, assassinado pela ditadura em 1973.
Paraquedistas
Cateb conta que, com o golpe em 1964, as salas do curso de direito passaram a ter policiais militares e soldados do Ex�rcito que assistiam �s aulas dos professores como se fossem alunos do curso. “N�s os cham�vamos de paraquedistas, por realmente serem e nunca ter prestado vestibular. Estavam l� para nos vigiar. E n�o escondiam nada. Muitos iam de farda para a escola”, diz.
Conclu�do o curso, Cateb foi encarregado de organizar a formatura do grupo de alunos que se recusava a receber o diploma ao lado dos paraquedistas. “Fizemos a cerim�nia, considerada n�o oficial, no Cine Metr�pole, com a presen�a de aproximadamente 80 estudantes. J� os militares e outra parte dos alunos que prestaram vestibular se formaram na Reitoria.”
O hist�rico de Cateb dentro da escola, e tamb�m ao longo da vida profissional – o advogado trabalhou para v�rios presos pol�ticos durante a ditadura –, fez com que o ex-estudante da UFMG fosse considerado pelos militares n�o s� como “comunista” – tratamento comum a advers�rios do regime –, mas tamb�m como agente do governo da ent�o Uni�o Sovi�tica. “Uma vez, um coronel chegou a dizer que eu recebia em rublos.”
Cateb ficou conhecido no meio jur�dico por usar um sistema de comunica��o com os clientes que burlava a seguran�a e nunca foi descoberto pelos militares. Nas audi�ncias, sempre ao lado de pelo menos dois guardas, o advogado e o preso pol�tico colocavam ma�os de cigarros sobre a mesa. O cliente via o ma�o de Cateb e na pr�xima audi�ncia tinha um da mesma marca. Ambos retiravam o filtro, colocavam mensagens cifradas e voltavam com o filtro. Na outra sess�o, os ma�os eram trocados. “Acho que com isso conseguimos salvar a vida de algumas pessoas”, afirma Cateb.