(FOLHAPRESS) - O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), deu ritmo acelerado ao processo sobre a trama golpista e prevê o início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) 144 dias após a abertura da ação penal.
A velocidade contrasta com a cadência imposta por Moraes no processo contra a cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal, acusada de se omitir intencionalmente para permitir a invasão às sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Os PMs são réus há mais de 500 dias, e o processo está pronto para julgamento desde 2 de maio deste ano. Mesmo assim, um vaivém da ação penal na pauta da Primeira Turma do STF fez com que o desfecho do caso ficasse sem data prevista.
Moraes pediu menos de 24 horas após o fim do prazo das alegações finais que o ministro Cristiano Zanin, presidente do colegiado, pautasse o julgamento contra Bolsonaro e outros sete acusados de integrar o núcleo central da trama golpista.
No dia seguinte, Zanin se manifestou: marcou a data de 2 de setembro para o início do julgamento, com duas semanas de sessões. O resultado deve ser conhecido no dia 12.
No caso dos PMs, as alegações finais foram apresentadas há mais de 100 dias. Moraes colocou o julgamento na pauta do plenário virtual do STF duas vezes, mas desistiu de apresentar o voto nas duas ocasiões, sempre às vésperas do desfecho do caso.
Na primeira vez, Moraes agendou o julgamento para 13 de junho. Dois dias antes da abertura do plenário virtual, o ministro pediu a retirada de pauta, sem dar justificativa. Mais recentemente, ele incluiu o caso dos PMs para julgamento online em sessão que se iniciaria em 8 de agosto. Retirou o caso da pauta no dia 6 e o recolocou para análise da Primeira Turma horas depois.
A decisão definitiva de cancelamento se deu no dia 7 de agosto - véspera do julgamento, depois que as sustentações orais de todos os advogados já haviam sido incluídas no sistema do Supremo.
Os processos contra os PMs e contra Bolsonaro têm diferenças que influenciaram o ritmo de tramitação. Uma das principais é o fato de que o núcleo central da trama golpista, no qual o ex-presidente foi incluído, tem um réu preso: o general e ex-ministro Walter Braga Netto, detido desde dezembro de 2024.
O Código de Processo Penal estabelece que processos com réus presos não têm os prazos interrompidos durante o recesso do Judiciário. Isso garantiu que, mesmo nas férias de julho, as defesas tivessem de correr para preparar as alegações finais.
O processo contra os PMs começou com os sete réus presos. Mas, gradualmente, eles foram colocados em liberdade, até o último deles deixar o presídio, em maio de 2024.
Com isso, a PGR teve mais tempo para apresentar as alegações finais, já que o prazo passou a contar em dezembro daquele ano, às vésperas do recesso. Em vez de 15 dias, a acusação teve 73 dias para apresentar sua versão final. O mesmo prazo foi dado depois às defesas dos réus.
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Um fator que destoou na tramitação célere no caso da trama golpista foi o fato de haver delator, o tenente-coronel Mauro Cid. A legislação prevê que colaboradores devem se manifestar antes dos demais réus, o que faz as defesas terem um prazo extra para se manifestar.
A Folha pediu manifestação ao gabinete de Moraes, mas não obteve resposta. Em conversa com influenciadores digitais na quinta (14), ele negou que tenha acelerado o processo contra Bolsonaro.
O comentário foi feito em resposta a um humorista que perguntou por que o processo da trama golpista está em fase final enquanto a investigação sobre as fraudes do INSS está longe de seu desfecho.
"Entre investigação, denúncia e o processo [sobre a tentativa de golpe de Estado], nós vamos completar quase dois anos. A questão do INSS não tem seis meses, e as pessoas colocam na desinformação que é o mesmo prazo. Comparar coisas diversas é muito complicado", disse.
A Folha ouviu ministros do Supremo, auxiliares e advogados ligados aos casos nos últimos dias. A avaliação no entorno de Moraes é que o julgamento dos PMs só deve ocorrer após o início da análise da trama golpista.
Os sucessivos adiamentos no processo sobre a Polícia Militar fizeram circular entre advogados teorias sobre os motivos que levaram o ministro a tomar a decisão.
As defesas dos réus argumentam que a PGR chegou a conclusões contraditórias nos processos sobre os PMs e sobre a trama golpista - neste, um dos réus é Anderson Torres, ex-titular da Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF).
O procurador-geral Paulo Gonet diz que ele foi omisso na organização do esquema de segurança da Esplanada dos Ministérios no 8 de Janeiro. Uma das provas, segundo a PGR, seria a não difusão de um relatório de inteligência que alertava para a possível quebradeira.
"O Relatório nº 6/2023 também não foi divulgado aos demais órgãos, tendo em vista a difusão extremamente restrita no âmbito da SSP/DF, contrariando princípios fundamentais da atividade de inteligência, que preveem a ampla divulgação das informações, para assegurar a coordenação e eficácia na prevenção de ameaças à ordem pública", diz a PGR, em alegações finais, sobre Anderson Torres.
Já nas alegações finais do processo contra os PMs, Gonet diz que a cúpula da Polícia Militar teve acesso a informações de inteligência que previam os atos de violência - mas que, por omissão dolosa, o planejamento da segurança não foi seguido.
"Para além dos dados anteriormente citados, relatórios de inteligência, cujos conteúdos chegaram ao conhecimento dos denunciados, indicavam que - CACs - estavam sendo convocados para 'sitiar Brasília', especificamente no dia 8.1.2023, e que havia uma mobilização pela presença de - adultos em boa condição física?", diz Gonet antes de citar especificamente o relatório produzido pela secretaria.
A PGR sustenta contra os PMs a tese de que não houve um apagão na inteligência, como chegou a ser defendido pelos policiais durante as investigações. Segundo a Procuradoria, os réus estavam "municiados com informações suficientes para que a PM-DF pudesse cumprir, com êxito, o dever de interromper o curso causal que rumava aos atos criminosos".
"[Os acusados] promoveram um planejamento ineficiente, ignorando deliberadamente as informações de que haveria invasão a edifícios públicos e confrontos violentos, inclusive com indivíduos dispostos à morte", conclui a PGR.
A suposta contradição foi explorada pela defesa de Torres nas alegações finais da trama golpista apresentadas ao Supremo na quarta-feira (13).
"A contradição é, portanto, insuperável. Se a PM-DF sabia dos riscos e se omitiu de forma dolosa, como sustenta a PGR na ação penal contra seus comandantes, então é absolutamente irrazoável, e até mesmo incompatível com os princípios mais basilares do direito penal atribuir ao secretário de Segurança Pública o dever de ter impedido essas supostas condutas autônomas, intencionais e clandestinas", afirmou o advogado Eumar Novacki.