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CPI da Covid: Decisão de Dino é bem recebida pela base do governo no Congresso

Determinação do ministro Flávio Dino, do STF, à Polícia Federal para abertura de investigação vem no momento em que o Palácio do Planalto tem dificuldades para barrar pautas do bolsonarismo e do Centrão

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A base do governo no Congresso recebeu positivamente a determinação do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de instaurar o inquérito solicitado pela Polícia Federal (PF) para apurar as conclusões da CPI da Covid, encerrada em 2021, no Senado. A decisão vem num momento em que o Palácio do Planalto encontra dificuldades para evitar o avanço, no Congresso, de pautas que atendem aos interesses dos bolsonaristas e do Centrão — como a PEC da Blindagem, que impede que o STF investigue parlamentares sem que o Legislativo autorize; e o projeto de lei de uma anistia que livre todos os envolvidos na tentativa de golpe de Estado, inclusive, o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses de prisão por chefiar o grupo que atentou contra o Estado Democrático de Direito.

O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) — que foi vice-presidente da CPI e, atualmente, é líder do governo no Congresso —, avaliou a decisão de Dino como um "alívio". "Justiça nunca é recebida com euforia, mas com consolo. Nós demonstramos que milhares de mortes poderiam ter sido evitadas, se não houvesse negligência ou ação deliberada do governo. É um grito de fundo do peito, um acalento para milhões de famílias que perderam parentes", disse ao Correio.

À época da conclusão da CPI, Bolsonaro classificou o relatório final de "palhaçada" e reclamou da repercussão internacional que teria ao pedir seu indiciamento. "Me rotulam como genocida, curandeiro, exterminador de índios. Isso prejudica o ambiente de negócios e gera desconfiança lá fora", disse, em entrevista a uma rádio de Mato Grosso do Sul.

A CPI aprovou o relatório em 26 de outubro de 2021. O documento recomendou o indiciamento de 66 pessoas físicas e duas jurídicas por supostos crimes comuns, crimes contra a humanidade e crimes de responsabilidade. Apesar das conclusões, o então procurador-geral da República, Augusto Aras, recusou-se a dar andamento às investigações. Com a decisão de Dino, a PF terá prazo inicial de 60 dias para complementar os trabalhos do Senado e avaliar se há indícios suficientes para indiciamentos.

"Destaco que a investigação parlamentar apontou indícios de crimes contra a Administração Pública, notadamente em contratos, fraudes em licitações, superfaturamentos, desvio de recursos públicos, assinatura de contratos com empresas de fachada para serviços fictícios", frisou Dino na decisão.

Série de transgressões

A CPI apontou crimes comuns, crimes de responsabilidade e crimes contra a humanidade durante a pandemia. O relatório, de autoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL), listou uma série de delitos atribuídos a Bolsonaro e seus aliados e apoiadores. Entre os crimes comuns previstos no Código Penal estão epidemia com resultado de morte (pena de até 30 anos), charlatanismo (por incentivar remédios sem eficácia contra a covid-19, como hidroxicloroquina e ivermectina), falsidade ideológica, corrupção ativa, incitação ao crime, emprego irregular de verbas públicas e prevaricação.

A CPI também sugeriu o indiciamento do ex-presidente por crimes contra a humanidade, previstos no Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda. Entre eles, extermínio, perseguição e atos desumanos para causar sofrimento intencional. A pena pode chegar à prisão perpétua.

Foram apontados, ainda, crimes de responsabilidade, previstos na Lei 1.079/50, que podem levar à perda do cargo e suspensão de direitos políticos. Juristas como Miguel Reale Júnior e a ex-juíza do TPI Sylvia Steiner afirmaram que Bolsonaro violou direitos fundamentais ao promover aglomerações, desencorajar a vacinação, postergar a compra de imunizantes e ridicularizar vítimas da doença.

Encerrados os trabalhos da comissão, em outubro de 2021, o relatório foi encaminhado à PGR. Aras, contudo, argumentou que não recebeu provas organizadas e pediu ao STF o envio de todo o material à PF. O então relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, autorizou a entrega. Com a posse de Barroso na presidência do Supremo, em setembro de 2023, a relatoria passou a Dino, que, agora, deu prosseguimento ao pedido policial.

A decisão do ministro inclui Bolsonaro, três dos seus filhos, além de outros 20 nomes ligados ao bolsonarismo — como as deputadas Bia Kicis (PL-DF) e Carla Zambelli (PL-SP), atualmente presa na Itália, além de empresários e blogueiros. O gabinete do ministro destacou que a investigação pode alcançar mais pessoas, além das 24 listadas inicialmente.

O Correio entrou em contato com alguns dos citados no inquérito, como os parlamentares Flávio Bolsonaro, Carlos Bolsonaro, Bia Kicis, além de Onyx Lorenzoni (do ex-ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro), mas não obteve resposta. Carla Zambelli também não se manifestou.

Os piores momentos da pandemia

Colapso do sistema de saúde — A partir de março de 2021, diversas cidades e estados, como Manaus e o Rio Grande do Sul, viram seus sistemas de saúde entrarem em colapso. Hospitais ficaram superlotados, faltaram leitos de UTI, oxigênio, medicamentos e profissionais de saúde. A escassez de oxigênio em Manaus, que causou a morte de dezenas de pacientes por asfixia, foi um dos momentos mais chocantes. Hospitais de campanha se espalharam pelo país, na tentativa de atender à grande demanda de infectados.

Recorde diário de mortos — Em 6 de abril de 2021, o Brasil registrou o maior número de mortes em 24 horas desde o início da pandemia: 4.211 vítimas. Esse dia, simbolizado por um recorde trágico, refletiu o agravamento da situação em todo o país e mostrou a necessidade urgente de medidas mais rigorosas.

Disseminação da variante Delta — A partir de julho de 2021, a variante do vírus, que era mais transmissível, espalhou-se rapidamente pelo país. Embora a vacinação estivesse avançando, a nova cepa causou um aumento nas internações e mortes, especialmente entre pessoas que ainda não tinham sido vacinadas ou que não tinham completado o esquema vacinal.

Incerteza sobre as vacinas — No início da pandemia, a falta de vacinas e a lentidão no processo de imunização geraram grande incerteza e medo na população. Houve longas filas e confusão nos postos de saúde, e muitos brasileiros temiam que não haveria doses suficientes para todos. O governo à época ignorou as propostas feitas pelo laboratório Pfizer e atrasou a negociação. Em relação ao imunizante desenvolvido pela AstraZeneca, o ex-presidente Jair Bolsonaro colocou em xeque a segurança do imunizante.

Mentiras e desinformações — Entre as mentiras disseminadas pelos apoiadores de Bolsonaro estava que as vacinas contra a covid-19 eram inseguras porque foram desenvolvidas às pressas. Mas também chegaram a divulgar que os imunizantes alteravam o RNA mensageiro (mRNA) e, por consequência, o DNA humano. Isso contribuiu para que muitas pessoas não se vacinassem.

Tragédia de Manaus — Em janeiro de 2021, Manaus sofreu um colapso completo no fornecimento de oxigênio em hospitais. A falta de tanques e a logística precária fizeram com que pacientes, inclusive, jovens e crianças, morressem por asfixia. Um grupo de integrantes do Ministério da Saúde à época chegou a ir à capital amazonense para insistir na suposta eficácia do chamado "tratamento precoce" — que incluía receitar hidroxicloroquina e ivermectina, medicamentos sem qualquer eficácia contra a covid-19.

Logística capenga — O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, responsabilizou a White Martins e a Secretaria de Saúde do Amazonas pelo colapso do fornecimento de oxigênio em Manaus, mas ele mesmo foi acusado de omissão por não ter agido de forma coordenada com antecedência, mesmo com os alertas de uma possível crise. O Ministério Público Federal (MPF) chegou a pedir uma indenização de R$ 4 bilhões aos governos do Amazonas e da capital do estado pela falta do elemento vital.

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Bolsonaro não levou pandemia a sério — Em vários momentos, menosprezou a gravidade da covid-19 — até com deboches sobre a falta de ar, um dos efeitos da doença. Alguns dos comentários que fez: "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu não sou coveiro" (respondendo a um jornalista sobre as mortes); "É uma gripezinha", "resfriadinho", "meu histórico de atleta"(expressões usadas em um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e tevê); "Deixem de ser um país de maricas" (ao defender o fim da quarentena e a retomada da economia, em cerimônia no Palácio do Planalto); "O cara vira um jacaré" (sobre possíveis efeitos colaterais das vacinas); "Não tem por que correr atrás da vacina" (ao afirmar que não tinha pressa para assinar a compra dos imunizantes); "O vírus foi criado em laboratório" (insinuando, sem provas, que a covid-19 teria sido elaborada como parte de uma "guerra biológica" que teria o governo da China por trás).

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