Belo Horizonte entra na semana decisiva para saber se será pioneira no país a adotar a tarifa zero no transporte público. A Câmara Municipal vota, nesta sexta-feira (3/10), em primeiro turno, o Projeto de Lei 60/2025, que prevê ônibus gratuitos em toda a capital no prazo de quatro anos.

Se aprovado, o texto pode transformar a cidade na primeira capital brasileira a zerar a passagem, mas enfrenta resistência do prefeito Álvaro Damião (União Brasil), que considera a proposta uma “utopia” e trabalha nos bastidores para barrá-la.

O PL foi apresentado pela vereadora Iza Lourença (Psol) e reúne apoio das bancadas de esquerda e alguns partidos da direita. O texto estabelece que a gratuidade seja financiada por meio da criação da Taxa de Transporte Público (TTP), uma contribuição mensal de R$ 168 a R$ 185 por trabalhador, aplicada apenas a empresas com dez ou mais funcionários. Negócios menores ficariam isentos.

Estudos elaborados pela UFMG que embasam a proposta projetam arrecadação de R$ 2 bilhões por ano, R$ 200 milhões a mais que o necessário hoje para manter o sistema, o que permitiria modernizar a frota e ampliar linhas.

Para a autora do projeto, a expectativa é de mobilização popular e pressão direta sobre os vereadores. “Estamos com a expectativa de ter uma grande mobilização para sexta-feira. Estamos chamando as pessoas para irem até a Câmara acompanhar a votação. Sabemos que a prefeitura tem trabalhado muito para rejeitar o projeto. Então, do nosso lado, estamos trabalhando para aprovar”, disse Iza Lourença ao Estado de Minas.

Ela também defende que BH já conquistou protagonismo nacional com a pauta. “Foram 22 assinaturas, um grande feito. Isso reacendeu o debate no Brasil e fez com que Lula também colocasse o tema na pauta do governo federal. Estou confiante de que podemos abrir caminhos nessa experiência de uma capital com tarifa zero. Depois da pandemia, o número de usuários reduziu drasticamente. E não tem por que a prefeitura bancar grande parte do custo e continuar com um transporte caro e ruim”.

Especialistas veem mudança estrutural

Entre os especialistas, o consenso é de que a proposta mexe na lógica de financiamento de um sistema em crise. O economista André Veloso, integrante do movimento Tarifa Zero, aponta: “A tarifa paga pelos usuários corresponde a apenas 25% do custo do sistema. O vale-transporte representa só 1%. O que o PL faz é criar uma taxa justa, aliviar o bolso da população e atrair mais gente para o ônibus”.

O urbanista e professor da UFMG Roberto Andrés reforça o impacto político da iniciativa. “Nós vamos ganhar. O prefeito vai perder, porque a população quer a tarifa zero. Só dois grupos estão contra: os empresários de ônibus e o prefeito”. Para ele, a mobilização social e o ineditismo da proposta podem colocar Belo Horizonte como referência nacional.

Damião contra a proposta

O prefeito Álvaro Damião, porém, se mantém como principal voz de oposição ao projeto. Ele classificou a proposta como “utopia” e “maldade”. “Hoje o transporte custa R$ 2,5 bilhões e pode chegar a R$ 3 bi. Se damos ônibus de graça, dobra o número de passageiros. Quem vai pagar essa conta?”, disse.

Além da crítica à viabilidade financeira, Damião aponta risco de fuga de empresas: “Quem vai agradecer são as cidades vizinhas, que vão receber as empresas daqui”.

Nos bastidores, a prefeitura tem atuado para obstruir a votação, oferecendo cargos e emendas em troca de apoio. Vereadores também relatam que o Executivo atropelou o rito da Câmara ao impor a data da votação sem acordo com o Colégio de Líderes.

Hoje, o texto conta com 22 assinaturas formais, mas os votos certos no plenário ainda estão distantes dos 28 necessários.

A tramitação também foi marcada pela disputa de protagonismo: a coleta de assinaturas só ganhou força após vereadores do PL apresentarem um texto alternativo para reduzir a passagem. Em resposta, PSOL e PT protocolaram um substitutivo próprio, sem convite à direita.

Lula traz o debate para Brasília

Enquanto Belo Horizonte se prepara para a votação, o tema avança no plano nacional. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu à equipe econômica que avalie formas de reduzir ou até eliminar a cobrança de tarifas de ônibus no Brasil. A ideia, a menos de um ano e meio das eleições de 2026, pode se tornar uma das bandeiras do governo.

A discussão foi retomada após conversas de Lula com aliados como o deputado Jilmar Tatto (PT-SP), que defende a gratuidade. O presidente já havia visto proposta semelhante em 2012, quando Fernando Haddad, hoje ministro da Fazenda, concorreu à Prefeitura de São Paulo defendendo o custeio via acréscimo na gasolina. Agora, Lula pediu a Haddad novos cálculos. Entre as alternativas em estudo está oferecer transporte gratuito em dias específicos, como domingos e feriados, modelo já adotado em cidades como São Paulo, Brasília, Belém e Vitória.

Pressão sindical

Na capital mineira, sindicatos intensificaram a pressão pela aprovação. Nesta semana, 40 entidades divulgaram nota conjunta em defesa do PL 60/2025, chamando a tarifa zero de “esperança real de justiça social e alívio financeiro”.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia

O documento destaca que o fim do desconto de até 6% no salário para o vale-transporte geraria ganho direto ao trabalhador e defende que o novo modelo injete R$ 2 bilhões anuais no sistema, com margem para investimentos.

compartilhe