Um dia depois da votação que tirou da pauta da Câmara Municipal, ao menos por enquanto, o debate sobre a Tarifa Zero em Belo Horizonte, o prefeito Álvaro Damião (União Brasil) recorreu às redes sociais, neste sábado (4/10), para elogiar os vereadores que rejeitaram a proposta em plenário.
Em tom de vitória política, Damião tratou o resultado como um gesto de responsabilidade. “A Câmara Municipal de Belo Horizonte - pela maioria dos seus vereadores - deu uma demonstração inequívoca de seu compromisso com a cidade, com as finanças públicas e com o dinheiro recolhido através dos impostos de cada cidadão”, escreveu no X.
O prefeito também direcionou críticas aos defensores da proposta, que classificou como “irreal e eleitoreira”. “Os vereadores não derrotaram a ‘tarifa zero’, como querem fazer crer os que iludem o povo mais simples com propostas irreais apenas com intuitos eleitoreiros”, publicou.
O chefe do Executivo disse ainda que a prefeitura apoia a redução das tarifas e mencionou ter discutido o tema em reunião com o presidente Lula (PT). “Somos todos a favor da redução das tarifas para os usuários. A Prefeitura já faz isso subsidiando cerca de 800 milhões só para o orçamento deste ano. Do contrário, a tarifa já estaria custando quase o dobro do valor atual”, afirmou na publicação.
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O PL 60/2025 foi rejeitado pela maioria dos vereadores na tarde dessa sexta-feira (3/10), em meio a protestos nas galerias do plenário Amintas Barros. Para avançar, a proposta precisava de pelo menos 28 votos favoráveis entre os 40 parlamentares na Casa. No entanto, apenas 10 vereadores disseram “sim” na hora decisiva. Outros 30 votaram contra.
Antes de ir a plenário, o PL contava com a assinatura de 22 vereadores, de 13 partidos distintos. A multiplicidade de legendas dava ao projeto um tom multipartidário e aumentava a expectativa de que a proposta pudesse prosperar.
No entanto, nas últimas semanas, as críticas ao modelo de financiamento por parte de entidades empresariais, reduziram o apoio. Apenas dez parlamentares mantiveram o compromisso inicial. Na véspera da votação, Helton Júnior (PSD), um dos signatários da proposta, deixou a vice-liderança do governo na Casa em razão de divergência com a base, já que ele se posicionou a favor do projeto.
Manifestantes lotaram as galerias durante a votação, vaiaram vereadores contrários e interromperam discursos, o que levou o presidente da Casa, Juliano Lopes (Podemos), a suspender a reunião duas vezes. Do lado de fora, parte do público relatava dificuldade para entrar no local. Ao final, a revolta se transformou em gritos de “covardes” e “fascistas” contra os vereadores que votaram pela rejeição.
Quem paga a conta?
O centro da divergência foi o modelo de financiamento. O projeto, baseado em estudo da UFMG, previa que a partir de 2028 o sistema de ônibus seria custeado por um fundo específico, abastecido pela criação da Taxa do Transporte Público (TTP). A cobrança, estimada em R$ 169 por empregado, recairia sobre empresas com mais de dez funcionários e substituiria o vale-transporte.
Estudos apontavam que a Tarifa Zero poderia gerar benefícios econômicos e sociais. Uma análise do Cedeplar/UFMG estimou que cada R$ 1 investido retornaria R$ 3,89 em ganhos de consumo. Mas outro levantamento, da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), projetou efeitos negativos, como risco de fechamento de até 55 mil postos de trabalho e impacto de R$ 3,1 bilhões em faturamento empresarial.
Essas estimativas divergentes acirraram o debate e foram exploradas pelos vereadores para reforçar o argumento da inviabilidade. “Depois de muito estudo, muito diálogo com os vereadores e com os setores produtivos da cidade, a prefeitura entendeu que não há viabilidade nesse momento de implantar um tarifa zero. Alguém vai pagar a conta mesmo”, afirmou Bruno Miranda (PDT), líder do governo na Casa.
Após a votação, ele defendeu que a discussão sobre financiamento do transporte ultrapasse os limites municipais. “Se a gente entende que o ônibus gratuito é uma política pública, que haja então financiamento tripartite, entre o governo federal, estadual e municipal. Agora, se a conta ficar nas costas de quem gera emprego e do orçamento público, a cidade vai quebrar”, disse.
Ele ainda lembrou que o atual contrato de concessão vence em dois anos e terá de ser relicitado, o que pode abrir espaço para uma nova discussão do Tarifa Zero. “Essa discussão tem tempo de acontecer, mas precisa ser feita com profundidade, com estudos, com clareza sobre qual público vai ser atendido e de onde virão os recursos. Do contrário, é apenas ilusão", disse.
Oposição convoca manifestação
Com a derrota, os defensores do projeto convocaram uma manifestação para domingo (5/10), em repúdio ao resultado. Autora da proposta, Iza Lourença (Psol) criticou a ausência de alternativas para enfrentar o colapso da mobilidade na capital. Ela defendeu que o grupo responsável pelo projeto sempre esteve aberto a negociar ajustes e a considerar novas propostas, mas que nenhuma alternativa foi colocada em discussão.
“Nós poderíamos negociar várias coisas no projeto para que tivesse mudança para o segundo turno. Colocamos esse projeto na mesa e falamos que a gente poderia negociar qualquer outra proposta que viesse. Infelizmente, não chegou nenhuma”, disse.
Apesar da derrota, a vereadora afirmou que a mobilização em torno do tema não será interrompida. "Acho lamentável, mas a nossa luta não para por aqui. A gente sabe que a mobilidade urbana em Belo Horizonte está em colapso. Ninguém aguenta mais a situação dos ônibus", afirmou.
Durante a sessão, os vereadores favoráveis à Tarifa Zero anunciaram que pretendem reapresentar o projeto no início do próximo ano letivo, já que o regimento interno da Câmara impede que a mesma proposta seja debatida novamente no mesmo exercício.
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A parlamentar ainda convocou a população a transformar a indignação em ação nas ruas. “Domingo estamos chamando uma manifestação para que as pessoas que se indignam com o voto dos vereadores aqui hoje possam ir para a rua se expressar, para que a gente possa aumentar a nossa mobilização e vencer”, anunciou.