BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Câmara dos Deputados impôs uma derrota ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e retirou de pauta a MP 1303 (medida provisória) de aumento de impostos. Na prática, a decisão enterra de vez a medida, importante para sustentar a arrecadação e reduzir despesas obrigatórias em 2026, ano eleitoral.
Um requerimento de retirada de pauta foi aprovado por 251 votos a 193. A votação ocorreu na noite desta quarta-feira (8/10), último dia de vigência da MP, que agora perderá validade.
Segundo técnicos da área econômica, a derrubada da MP deve causar um bloqueio nas despesas de 2025, incluindo emendas parlamentares, e abrir um impasse de R$ 35 bilhões no PLOA (projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2026. Para governistas, esse era justamente o objetivo de partidos do centrão e da bancada ruralista: restringir o espaço fiscal de Lula no ano em que ele deve buscar a reeleição.
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A derrota veio mesmo após o governo fazer uma série de concessões na tentativa de ampliar o apoio à medida, o que incluiu poupar as bets (casas de apostas) do aumento na tributação proposto inicialmente e manter a isenção sobre rendimentos de títulos imobiliários e do agronegócio.
Apesar desse esforço, a MP foi aprovada por apenas um voto de diferença na comissão mista em sessão nessa terça-feira (7/10). O placar de 13 a 12 acendeu um alerta no governo, que passou a entender a rejeição dos parlamentares não mais como uma questão de mérito, mas sim política.
Horas antes de a MP ser sentenciada às gavetas do Congresso, o relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), reconheceu o risco de derrubada do texto e atribuiu esse desfecho a uma disputa eleitoral antecipada capitaneada por partidos do centrão e pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tido como o nome favorito da oposição para enfrentar Lula na corrida presidencial.
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O mesmo discurso foi encampado por lideranças governistas. Tarcísio nega qualquer atuação contra a MP.
Na avaliação do governo, a falta de votos suficientes para aprovar a medida reflete uma disputa eleitoral antecipada, com partidos do centrão e a bancada ruralista quebrando um acordo para votar contra o texto com o objetivo de restringir o espaço fiscal que Lula terá em ano eleitoral.
Esse revés ocorre apenas uma semana após a Câmara dar sinal verde ao projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda a quem ganha R$ 5.000 e institui um imposto mínimo sobre contribuintes de alta renda - medida que era promessa de campanha de Lula e será usada pelo PT como trunfo para alavancar sua candidatura ao Palácio do Planalto no ano que vem.
Como reação, os governistas partiram para a disputa política junto à opinião pública, sob o argumento de que a derrota imposta pelo Congresso vai deflagrar cortes de outros gastos e projetos sociais.
Antes da votação, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) criticou a tentativa do Congresso de restringir as contas do Executivo.
"É o mesmo movimento que foi feito em 2022, com sinal trocado. Em 2022, o governo [do ex-presidente Jair Bolsonaro] usou o Congresso para liberar geral o Orçamento, dar calote num, não pagar o outro e assim por diante, para, na farra de gasto que foi feita em 2022, ter vantagens eleitorais. Isso não se confirmou. Porque a população percebe essas coisas. Agora, querer restringir o orçamento para prejudicar o governo, não vai acontecer, vai prejudicar o Brasil", disse.
A previsão inicial do governo era arrecadar R$ 20,9 bilhões em receitas extras com a medida em 2026, previsão que já havia caído a R$ 17 bilhões com as mudanças feitas por Zarattini.
O Executivo ainda calculava uma economia de R$ 15 bilhões em despesas no ano que vem ao endurecer regras do seguro-defeso (benefício pago a pescadores artesanais no período em que a atividade é proibida), limitar a concessão de auxílio-doença por meio de atestado médico (sem perícia presencial) e incluir o Pé-de-Meia (que paga bolsas de incentivo à permanência de alunos no ensino médio) no piso constitucional da educação.
Segundo técnicos do governo, a derrubada da MP deve causar um bloqueio nas despesas de 2025, incluindo emendas parlamentares, e abrir um impasse de R$ 35 bilhões no PLOA (projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2026, já que a medida incluía não só receitas extras, mas também redução de despesas.
Sem a vigência da MP, cujo prazo de tramitação se encerrou nesta quarta-feira (8/10), os parlamentares terão que revisar as projeções do PLOA para sua aprovação. Segundo técnicos do governo, o ajuste na despesa, da ordem de R$ 15 bilhões, será inescapável. Do contrário, o Congresso Nacional aprovaria um PLOA ilegal, que não cumpre o piso constitucional da educação.
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No caso das receitas, o Legislativo poderia repor o valor com outras fontes de arrecadação ou aprovar uma despesa menor para cumprir a meta fiscal. Se isso não acontecer, ou a receita for inflada artificialmente, o governo precisará fazer um contingenciamento de recursos na primeira avaliação, programada para março de 2026. A medida alcançaria inclusive as emendas parlamentares.
Algumas das medidas de contenção de gastos foram importantes para ajudar na execução do Orçamento de 2025, sobretudo a do seguro-defeso e a limitação do Atestmed, do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
O diagnóstico do governo é que só no pagamento do benefício aos pescadores houve uma economia superior a R$ 2 bilhões. Nesse contexto, a derrubada da MP se reverteria automaticamente em um bloqueio de mais de R$ 2 bilhões ainda este ano - dos quais cerca de R$ 500 milhões recairiam sobre as emendas parlamentares.
Parlamentares governistas chegaram a citar que o Ministério da Fazenda pode editar decretos e portarias para aumentar a tributação e recuperar parte da arrecadação prevista com a MP, o que pode prejudicar ainda mais os setores taxados na medida. No entanto, técnicos afirmam, sob reserva, que ainda não há nenhuma tratativa concreta nesse sentido.
A MP dos impostos foi publicada pelo governo em junho para compensar a perda de arrecadação com a derrubada parcial do decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) - o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou inconstitucional o trecho que tributava o risco sacado (operação financeira onde um banco ou instituição antecipa pagamentos a fornecedores).
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Entre as principais alterações no texto original, Zarattini poupou as bets (casas de apostas) da alta na tributação, manteve a isenção sobre rendimentos de títulos imobiliários e do agronegócio, e unificou a alíquota do Imposto de Renda sobre aplicações financeiras e investimentos (exceto os isentos) para 18%, contemplando inclusive a JCP (Juros sobre Capital Próprio).