Já ouviu falar em “food noise”? O termo, popularizado recentemente, descreve os pensamentos intrusivos e persistentes sobre comida que ocupam a mente ao longo do dia e podem levar a escolhas impulsivas, episódios de compulsão e culpa.

A nutricionista e pesquisadora Sophie Deram traz ao debate uma visão baseada em ciência e compaixão: “não é ‘frescura’ nem falta de força de vontade; é biologia, ambiente e comportamento interagindo o tempo todo”, diz.

Pesquisadores vêm utilizando o conceito de food noise para descrever esse “barulho mental” constante ligado à comida. Ele envolve a interação entre o cérebro, os estímulos do ambiente e hábitos construídos ao longo do tempo, especialmente em pessoas em restrições alimentares e preocupadas com a comida.

Estudos mostram que vias de recompensa e saciedade estão diretamente relacionadas a esse fenômeno: “Alimentos ultraprocessados, por exemplo, tendem a amplificar o ruído por sua alta palatabilidade e acesso facilitado, junto com as imposições em tentar evitar o consumo."

"Além disso, fatores como privação de sono, estresse elevado e dietas restritivas de longo prazo aumentam a reatividade do cérebro às pistas alimentares, intensificando os pensamentos sobre comida”, explica Sophie.

Sinais

Entre os sinais que podem indicar a presença de food noise estão:

  • Pensar grande parte do dia em comida (ou no que “não deveria” comer)
  • Sentir culpa após comer e buscar compensação
  • Ter episódios de fome urgente diante de estímulos alimentares
  • Perceber piora em momentos de estresse
  • Cansaço ou noites mal dormidas
  • Notar que dietas muito restritivas intensificam ainda mais esse ciclo

“Em consultório e na pesquisa, vemos que o cérebro fica com mais preocupação e insistindo sobre a comida. A boa notícia é que ele também desaprende com intervenções adequadas e técnicas comportamentais. Reorganização e transformação diárias mudam o resultado”, acrescenta Sophie.

 

Como lidar com o food noise?

Embora medicamentos da classe GLP1 estejam sendo estudados por reduzir a predição de recompensa e apetite em alguns casos, Sophie ressalta que eles podem anestesiar esse ruido, mas não são a única via.

Abordagens comportamentais e ambientais seguem essenciais e devem ser personalizadas por equipe de saúde. “Quando falamos em food noise, não estamos demonizando a comida, nem prescrevendo mais uma dieta. Estamos reconhecendo que há pessoas vivendo com um ‘ruído’ constante que drena energia e alegria de comer", ressalta.

"O caminho não é restringir mais — é reconstruir uma relação segura com a comida e com o corpo, ajustando ambiente, rotina, sono e estresse, e trazendo o prazer de volta ao prato”, explica a especialista, que também lidera um treinamento para profissionais de saúde focado em terapia nutricional.

Sophie Deram, nutricionista e pesquisadora

Vincent Bosson Photography/Divulgação

Existem estratégias práticas e baseadas em evidências para “baixar o volume” desse ruído:

  • Reduzir a preocupação com a comida e manter uma rotina estruturada de refeições, sem grandes períodos de jejum, ajuda a reduzir pensamentos intrusivos. A reconexão com o corpo e os sinais internos de fome, saciedade e consciência alimentar são essenciais a essa reconstrução
  • Sono adequado e a gestão do estresse podem modular o apetite e os sinais de fome e recompensa
  • A prática da atenção plena nas refeições — desacelerando, percebendo sabores, texturas e sinais do corpo — contribui para que o comer volte a ser um momento de prazer e autorregulação.
  • O acompanhamento com nutricionistas e psicólogos especializados em comportamento alimentar e, em alguns casos, avaliação médica

“Prazer, presença e prática: este é meu tripé. Quando o comer volta a ser prazeroso e conectado aos sinais do corpo, o food noise perde espaço”, diz a nutricionista.

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