A doença silenciosa que pode virar diabetes, e ainda dá tempo de reverter
Campanha reforça a urgência do diagnóstico precoce e da mudança de hábitos para evitar o avanço do diabetes tipo 2
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“Eu tenho certeza que nesta sala alguém tem pais, tios(as), avó ou avô, irmão que já é acometido pela diabetes tipo 2 (DM2)”, destaca Roberta Brito, gerente médica na MERCK. A afirmação se alinha aos recentes dados do Atlas Global da Doença, publicado pela Federação Internacional de Diabetes (IDF) no início do ano: 589 milhões de pessoas em todo o mundo, entre 20 e 79 anos, vivem com o problema.
O número representa um aumento de quase 6% em quatro anos, já que o atlas de 2021 registrava pouco mais de 15 milhões de casos. Mas, mais do que discutir os tipos de diabetes e as mudanças no estilo de vida, as sociedades médicas agora voltam o olhar para uma condição que ainda pode ser revertida: a pré-diabetes.
O que é pré-diabetes?
A pré-diabetes é uma condição que eleva o risco de desenvolvimento do DM2 - um passo em direção a uma doença crônica capaz de comprometer o sistema cardiovascular, renal e a visão.
“Esse nome não ajuda, ele piora muito as coisas, porque quando eu penso em ‘pré’, parece que estou me preparando para ter. Mas ninguém quer se preparar para ter uma diabetes tipo 2. Então, o nome tá errado. Isso tem uma frente importante das sociedades médicas tentando mudar isso”, esclarece Roberta Brito.
A gerente médica comenta ainda que o termo pode reforçar um comportamento clássico entre os brasileiros: a negligência com a própria saúde. “O brasileiro, infelizmente, tem aquela coisa: ‘eu tô bem, não vou procurar, porque quem procura acha’. Eu escutava minha mãe falar isso. A questão é que não há nada melhor do que a prevenção e o diagnóstico precoce.”
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O que muda em um quadro de pré-diabetes?
A alteração está na glicose — o açúcar no sangue. Uma pessoa dentro dos parâmetros normais apresenta glicemia em jejum (após cerca de 8 horas sem se alimentar) menor que 100 mg/dL. Acima disso, até 125 mg/dL, configura-se como pré-diabetes.
Além disso, a hemoglobina glicada (HbA1c), que reflete a média glicêmica dos três meses anteriores, passa a níveis acima de 5,7%. Quando esse valor ultrapassa 6,4%, o diagnóstico é de diabetes tipo 2. Outra forma de detecção é o teste oral de tolerância à glicose (TTGO): valores entre 140 e 199 mg/dL após duas horas indicam pré-diabetes.
“Eu preciso ter duas glicemias alteradas para a gente chamar de diabetes”, destaca Denise Franco, endocrinologista, especialista em tecnologia no tratamento do diabetes e membro da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).
“O que estamos falando hoje são dessas pessoas que estão nesse estágio de pré-diabetes. A gente costuma dizer que é uma tolerância à glicose diminuída. Isso quer dizer que, quando a pessoa é exposta ao açúcar, o organismo já não responde normalmente. Ou seja, a secreção de insulina, necessária para levar a glicose para dentro da célula, já não é a resposta que gostaríamos - e é por isso que a intervenção é essencial”, explica.
Denise reforça que “ninguém dorme saudável e acorda diabético”. Segundo a endocrinologista, o processo pode levar anos. “Quando diagnosticamos o diabetes, isso já significa que uns cinco anos antes a função da célula beta - responsável pela produção de insulina - já vinha comprometida.”
Perfis que exigem atenção redobrada
Alguns grupos apresentam maior risco de desenvolver a condição:
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Histórico de diabetes gestacional
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Histórico familiar da doença
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Síndrome dos ovários policísticos (SOP)
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Colesterol alterado
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Sobrepeso ou obesidade
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Sedentarismo
De acordo com a SBD, cerca de 30 milhões de brasileiros vivem com pré-diabetes, mas apenas 1 em cada 9 sabe que tem a condição. Apesar de silenciosa, a condição aumenta em 15% o risco de alguns tipos de câncer, 20% o risco cardiovascular e 67% o risco de complicações renais.
Dados apresentados no Congresso da Associação Europeia para o Estudo do Diabetes (EASD) 2025 mostram que normalizar a glicemia em pacientes com pré-diabetes, alcançando a remissão da condição (normoglicemia), pode reduzir em mais de 50% o risco de morte cardiovascular ou hospitalização por insuficiência cardíaca, e em mais de 40% o risco de mortalidade por todas as causas.
“Essas evidências comprovam que reverter o pré-diabetes para valores glicêmicos normais não está apenas associada à menor incidência de diabetes tipo 2, mas também representa uma abordagem pioneira para a prevenção primária nos indivíduos com pré-diabetes”, comenta Denise Franco.
"Antes que vire"
A conscientização sobre a pré-diabetes ganha força com o Dia Mundial do Diabetes, lembrado nesta sexta-feira (14/11), e com a campanha “Antes que Vire”, que reforça que a prevenção e o diagnóstico devem ser prioridade durante todo o ano. A ação reúne a SBD, a MERCK e a Diabetes Brasil (ADJ).
“A iniciativa reforça nosso compromisso com a prevenção e a educação em saúde, estabelecendo estratégias de controle não apenas para evitar a evolução para o diabetes tipo 2 (DM2), mas também para reduzir o risco cardiovascular e melhorar a qualidade de vida da população”, reforça Roberta Brito.
“Antes que vire” está sendo realizada em diferentes regiões do país. No final do mês de outubro, a capital mineira recebeu a ação de saúde, que ofereceu gratuitamente testes de glicemia, peso, altura e medição da circunferência abdominal.
Para aqueles que obtiveram um resultado muito alto no questionário de avaliação de risco, também foram disponibilizados testes de hemoglobina glicada. Todas as avaliações foram feitas para identificar quem possui predisposição para desenvolver diabetes ou quem já está diagnosticado com pré-diabetes ou diabetes tipo 2.
Nos casos em que houve diagnóstico no local, os profissionais de saúde da ADJ orientaram sobre os próximos passos.
Já na sexta-feira passada (7/11), a ação promoveu, em São Paulo, uma palestra educativa para a imprensa, também com direito a testes gratuitos. A avaliação e o resultado levam poucos minutos. Ainda que essencial para indicar como vai a saúde do paciente, o procedimento não substitui uma orientação médica.
Mudança de hábitos: corpo e mente
O evento foi mediado por Thelma Assis, médica e apresentadora. “É importante que a população saiba que o rastreio do pré-diabetes é simples, e que, na maioria dos casos, a mudança de hábitos alimentares e a incorporação de atividades físicas regulares são capazes de evitar o desenvolvimento do diabetes tipo 2, uma doença crônica, irreversível e progressiva”, explica Thelminha.
“A gente não pode deixar de lembrar que o Brasil tem uma das populações mais ansiosas do mundo, e que, a qualquer gatilho, tende a comer em excesso. ‘Tive um dia ruim, eu mereço. Tive um dia bom, eu também mereço’”, comenta Thelma.
A médica ressalta que “a comida é algo muito social, e há estímulos para comer o tempo todo”. As projeções para 2050 são alarmantes: 1,3 bilhão de diabéticos no mundo. “Se não mudarmos as estratégias de saúde pública e o estilo de vida, vamos ultrapassar esses dados bem antes. Temos que focar na prevenção e disseminar informação de qualidade”, reforça.
Em alguns casos, ou quando a mudança de estilo de vida não é suficiente, o uso de medicamentos pode ser necessário para normalizar a glicemia.
“A Organização Mundial da Saúde recomenda pelo menos 150 minutos de atividade física por semana — o equivalente a 30 minutos por dia, cinco vezes na semana. Pode ser uma caminhada, levar o cachorro para passear, mas o ideal é incluir exercícios programados, como musculação, pilates, natação. Algo que você goste de fazer, porque a regularidade é o que faz a diferença”, orienta Denise.
A endocrinologista destaca ainda que é possível entrar em remissão, ou seja, manter níveis normais de glicose por mais de um ano. “Se eu conseguir intervir com mudanças de estilo de vida e tratar, eu posso sair daqueles valores alterados. Mas não adianta mudar e não acompanhar. E se precisar de medicação, é importante aderir ao tratamento para garantir a evolução e sair do risco.”