
A decis�o do Supremo e a soltura de Lula atualizaram uma filosofada da ent�o presidente Dilma: “N�o acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”. Pois nesses �ltimos dias perdemos todos, inclusive os que foram soltos. Perderam os soltos, porque ganharam a liberdade, mas n�o s�o livres. N�o ser�o livres para andar na rua, numa pra�a, num aeroporto, sentar na cadeira de um engraxate, como fiz hoje. Perderam os que vinham torcendo pelo fim da cultura da impunidade, e o Supremo deu um choque de presun��o de inoc�ncia para corruptos duas vezes condenados.
Talvez s� Bolsonaro tenha sa�do ganhando, porque a partir de agora n�o se sustenta a opositora tese do autoritarismo e da intoler�ncia. Nesse epis�dio, o presidente realizou o sonho de Montesquieu, respeitando a decis�o de outro poder, inclusive quando a soltura foi disciplinadamente obedecida num pr�dio do Poder Executivo, sob a chefia do presidente da Rep�blica, e cumprida pela cust�dia da Pol�cia Federal, tamb�m sob o comando do presidente. A decis�o do Supremo e a soltura de Lula flu�ram no Poder Executivo com respeito institucional. A pr�tica da toler�ncia derrubou a vers�o de intoler�ncia. Pelo outro lado, na linguagem do condenado rec�m-solto, o que se viu foram agress�es �s institui��es e aos agentes p�blicos da lei, justo por quem havia sido bafejado por decis�o jur�dica com fuma�a de casu�smo.
N�o sejamos injustos em reclamar do Supremo. O Poder Legislativo, que fez a Constitui��o de 1988 com 90 direitos e sete deveres, tratou de proteger os infratores, e n�o as v�timas. Deu direitos e garantias e ainda proibiu que se mexa nelas, mesmo reconhecendo que todo poder emana do povo. Em 2016, o Supremo estabeleceu que depois do segundo julgamento j� n�o se examinam provas nem fatos, mas s� embargos, com a culpabilidade j� decidida, levando, portanto, o condenado a come�ar a cumprir o castigo exemplar. Naquele ano, em que o Supremo, em duas vota��es, reconheceu isso, j� ficava claro que a Constitui��o estava nebulosa naquele ponto. Mas as propostas legislativas para emendar esclarecendo ficaram paradas. Agora querem correr, mas nada conseguir�o sem derrubar o artigo 60, da cl�usula p�trea, para s� depois derrubar a outra jabuticaba, a do “tr�nsito em julgado”. Mas haver�, nos plen�rios, 60% de justos para aprovar a mudan�a?
Quando viveremos nesse vale das trevas at� que chegue o ju�zo final? O de Maluf demorou um quarto de s�culo, entre o crime e o castigo. Enquanto o bandido tiver o dinheiro que conseguiu com a corrup��o ou os roubos e assaltos, para pagar caros advogados, os recursos se suceder�o at� que paralelas se encontrem. Definido o culpado na segunda inst�ncia, ficar� pendente o essencial: quando ir� o culpado para a cadeia?. Nos outros pa�ses do mundo, ningu�m fica solto depois de confirmada a senten�a. Aqui, vergonha nossa, enquanto houver dinheiro para advogados haver� impunidade para condenados. Mas se em democracia todo poder emana do povo, os que exercem o poder de legislar em nome do povo precisam anular as leis da impunidade, em respeito � maioria dos eleitores e por dever com seus filhos, netos e bisnetos, que merecem ganhar um pa�s com vergonha. Ou os brasileiros j� nascer�o perdendo.