
Sou “param�dica”, heran�a talvez do DNA paterno. O certo � que al�m das oito cirurgias com anestesia geral que j� fiz – sempre nas m�os de Juarez Furletti, que n�o trabalha mais como anestesista porque fez 70 anos, acho a maior covardia –, saco longe os sintomas de doen�as, minhas e dos pr�ximos. Nos anos depois de minha �ltima cirurgia de c�ncer, era procurada na reda��o aqui do jornal por amigas para opinar sobre at� onde iam os sintomas de suas doen�as.
Uma empres�ria me telefonou contando seus sintomas no maior segredo, a fam�lia n�o sabia de nada. E n�o sabia mesmo, ela me informou que tinha c�ncer de p�ncreas – geralmente, o paciente n�o vai longe. Resolvi telefonar para uma pessoa da fam�lia e contar o que estava acontecendo. Era um filho, que realmente n�o sabia do estado de sa�de da m�e, que morreu logo depois.
� por isso mesmo que passo longe desses avisos aterradores de sintomas da COVID-19. Tusso e espirro muito de manh�, quando fa�o minha refei��o, h� anos n�o tenho mais olfato e o paladar est� p�ssimo. Todos os sintomas do coronav�rus. Como j� s�o meus companheiros h� anos, n�o tomo o menor conhecimento deles. Gostaria de ter esses sentidos de volta para poder apreciar uma manga ub� como sempre apreciei, sentir o aroma dos perfumes que sempre usei.
Para completar a perda dessas caracter�sticas naturais do corpo, perdi tamb�m a l�grima. N�o cai dos meus olhos nem quando descasco cebola ou participo de situa��es de tristeza extrema. Essa hist�ria de l�grima me custa mais caro: andei fazendo uma pesquisa para descobrir como � poss�vel desentupir o canal lacrimal para poder chorar � vontade (nunca fui chorona), mas meu sobrinho m�dico me aconselhou a deixar pra l� – n�o vale a pena e o processo � muito inc�modo.
Ent�o, n�o sofro com essa onda de infodemia, que divulga nos notici�rios da TV tudo que � sintoma de morte certa. Como contei aqui, semanas atr�s, o �nico caso grave que apareceu em minha fam�lia de COVID-19; tenho o maior interesse de continuar com o resultado do drama familiar. Meu sobrinho, que tem um pouco de diabetes, do qual cuida pouco, foi parar no CTI do Hospital Mater Dei em p�ssimo estado. Tinha tudo de ruim que a doen�a traz, como problemas renais e de pulm�o. Na avalia��o leiga, estava mais pra l� do que pra c�.
Henrique Salvador, que � muito meu amigo, me telefonava diariamente informando o desenrolar do estado do sobrinho. Mas nunca, mesmo quando eu insistia, ele se aventurava a fazer uma previs�o. O certo � que, a uma altura do tratamento, foi preciso colocar o paciente no Prisma, aparelho que s� existe no Mater Dei, para que fosse submetido � hemodi�lise renal e de sangue ao mesmo tempo – durante tr�s dias. Depois disso, foi melhorando.
Marcos Lasmar, que assumiu o caso, n�o deixou que ele sa�sse do hospital com um cateter funcionando para caso de necessidade. E l� ficou meu sobrinho por mais alguns dias. O sofrimento durou um m�s, no total.
No �ltimo s�bado, ele foi me visitar em casa, para mostrar seu estado geral: j� est� dirigindo, vai ao escrit�rio de sua firma todas as manh�s, � tarde se submete � sess�o de fisioterapia com um especialista. Nos primeiros dias em casa, n�o se virava na cama, tinha de ser levado pelo enfermeiro para tomar banho. Quando se sentiu melhor, achou que podia fazer uma caminhada, n�o conseguiu dar 10 passos sem achar que ia morrer de cansa�o. O fisioterapeuta coordenou seu retorno. Ele come�ou com aparelho para andar, passou a ser amparado pelo profissional e, aos poucos, foi recuperando o controle muscular. Depois de alguns dias, passou a andar sem ser amparado.
Da� para achar que j� podia guiar seu carro foi um tempo pequeno. Recuperando-se aos poucos, com o corpo retomando o antigo vigor, ele j� guia e sai de casa, sempre com uma companhia, � claro. Na tarde em que foi � minha casa, contou todas as suas d�vidas, ganhos e a��es de agradecimento (� batista). Estava fazendo tempo para seguir para uma das distra��es de que mais gosta: jantar fora. Foi com a mulher, numa boa, ao �nico restaurante onde encontrou vaga. Os outros, mais conhecidos, estavam totalmente reservados. Mas no dia seguinte iria repetir a dose. Deus o tenha.
