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Estado de Minas

A lembran�a de um amigo me acompanha nesses dias dif�ceis

Dom Tim�teo Amoroso Anast�cio foi um exemplo de sacerdote, com uma atua��o consistente e generosa, inclusive durante a ditadura


28/03/2022 07:00

Tenho uma irm� mais nova – que sobrou das sete que minha m�e teve – que me aconselha, quando vou deitar e ainda n�o dormi, a fazer um retrospecto do passado. Ela � uma craque nisso, lembra-se de tudo da casa em que moramos na Rua Piau�, quando ela tinha pouco mais de 3 anos. E do Santo Ant�nio ent�o, onde moramos depois, ela se lembra de tudo, das casas, dos moradores, do com�rcio da �poca. 

Minha cabe�a anda fundida com a idade e, de vez em quando, busco uma mem�ria especial, de pessoas que realmente marcaram minha vida. E nesses tempos de dor e recorda��es, o que me vem � lembran�a � a figura de um grande amigo que j� se foi: dom Tim�teo Amoroso Anast�cio, um beneditino que era seguido e admirado por sua consist�ncia religiosa, e n�o por sua cantoria, como se usa atualmente. 
ilustração de dom Timóteo Amoroso Anastácio
(foto: Lelis)

Conheci dom Tim�teo na Livraria Itatiaia da Rua da Bahia, nos tempos dos irm�os Moreira, atrav�s de minha amiga e comadre Neta Moreira, que j� se foi. N�s fic�vamos conversando horas com ele, usando uns truques bem simpl�rios para que ele nos mostrasse a sola de seu sapato – que vivia furada. O cal�ado substituto era fornecido por Edison Moreira, j� bastante usado, mas Dom Tim�teo preferia guardar o seu por mais algum tempo, colocava no fundo um pouco de papel�o.

Quando vinha � capital (era abade do Mosteiro de S�o Bento), ele se hospedava no convento das beneditinas, onde �amos lev�-lo no fim da tarde. E quando a ditadura explodiu, Dom Tim�teo se movimentava como podia, ajudando v�rios amigos a se livrarem da pris�o. 

Numa manh� em que n�o me lembro mais por que, estava na Reda��o do Di�rio de Minas, fazendo n�o sei mais o qu�, ele apareceu aflito, tinha uma fugitiva pol�tica dentro do carro. Queria informa��es sobre barreiras policiais e sobre determinada pessoa que devia abrigar sua amiga. Resolveu tudo rapidamente, porque a mo�a estava escondida dentro do carro emprestado que tinha arrumado, para lev�-la para um esconderijo seguro.

S� nos encontramos alguns anos depois, "deportado" que ele foi para um convento na Bahia, sem a menor express�o. Estive com ele uma manh�, conversamos debaixo da sombra das �rvores do convento onde estava recolhido, sem muito contato com os fi�is, mas a mensagem era a mesma, de f�, de confian�a total na igreja. 

A Bahia foi a pena que a ditadura aplicou contra sua luta – que, mais do que pol�tica, que ali�s de pol�tica n�o tinha nada, ele n�o era um pregador da esquerda, era uma luta crist�. Ele queria salvar quem pudesse da pris�o, dos sofrimentos sem caridade, das torturas, sem falar nas mortes, que silenciaram muita gente boa neste pa�s. Mais pudesse, mais teria feito, porque Dom Tim�teo estava acima de tudo isso que vemos acontecer por a�, nesses �ltimos tempos em que a revolu��o gloriosa s� nos deu dor, perda e, pelo menos nos �ltimos anos, nenhum futuro.

Sua atua��o durante a revolta estudantil no Rio, quando conseguiu abrigar v�rios estudantes, at� mulheres, para espanto dos outros monges, que n�o admitiam mulheres no convento, ficou hist�rica. Sua passagem pela Bahia n�o ficou em brancas nuvens. Entrevistado pela TV Educativa do estado, em 1989, Tim�teo confessava que a Bahia o fez descobrir a dimens�o da alegria, do corpo, da dan�a, do prazer sens�vel. 

"O encontro, por exemplo, com o pessoal dos santos... Uma beleza! Um pessoal, inclusive, de grandes virtudes crist�s, de acolhimento, de humildade, de paci�ncia, de gentileza, de hospitalidade e tamb�m de respeito. Nunca tentaram fazer com que eu deixasse a religi�o cat�lica para me tornar um fiel do candombl�. � aqui que eu quero ficar, viver e morrer, na gra�a de Deus e nos bra�os da minha m�e Igreja. Aqui, na Bahia." 

Esse seu �ltimo desejo foi cumprido, em 3 de agosto de 1994. Nesse dia, uma multid�o de baianos se despediu dele com muitas ora��es na sua viagem para junto do Deus, que tanto testemunhou.

Lembrei-me muito dele agora, nesses tempos de recorda��es – tenho um livro que me deu, com uma linda dedicat�ria –, quando a cada dia percebo que o que forma legi�es de seguidores da f� crist� � muito mais a voz do padre do que propriamente a mensagem que passa. E admiro tanto a mem�ria de Dom Tim�teo, como admiro a figura participante de nosso papa, cuja vida acompanho mesmo antes de ser escolhido, quando morava na Alemanha e gostava de cozinhar pratos italianos para os colegas de mosteiro. Algu�m sabe ou se lembra disso?




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