
“O que venho contar aqui � umas das coisas que mais acontece com a maioria dos negros! Isso aconteceu em novembro de 2016. Era umas 7h30, dia de semana, estava indo com um amigo para a academia. Est�vamos de moto e eu estava guiando. Nos deparamos com uma viatura da pol�cia em frente a uma escola. Era algo normal da rotina deles, n�o era uma blitz, nem nada. Por�m, quando bateram o olho em mim, logo me mandaram encostar."
"Me revistaram, fizeram um monte de perguntas, me deixaram um longo tempo esperando, puxando fixa, at� que viram que n�o tinha nada e n�o devia nada a ningu�m. Alegaram que eu “parecia suspeito” e ainda mandaram eu tirar minha barba. Depois, me liberaram. E como eu estava dizendo, eu estava com um amigo na garupa da moto. Ele � branco e n�o encostaram a m�o nele. Foi uma abordagem como poderia ser com qualquer um, branco ou negro, mas as conclus�es que eles tiveram levaram em considera��o apenas a cor da minha pele”.
Recebi esse relato de um homem negro, de Miracema, uma cidade do Estado do Rio de Janeiro, em 2018. E de l� pra c�, infelizmente, essa triste realidade ainda permanece. S� para voc� ter uma ideia, oito em cada dez pessoas negras j� foram abordadas pela pol�cia. Entre pessoas brancas, esse n�mero cai para duas em cada dez. Os dados s�o da pesquisa in�dita 'Por Que Eu?', realizada pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e o Data Labe.
A pesquisa indica tamb�m que os negros tiveram sua ra�a/cor expressamente mencionada por agentes de seguran�a p�blica durante a abordagem em propor��o muito maior: 46% das pessoas negras ouviram refer�ncias expl�citas a sua ra�a/cor; entre as brancas, somente 7% tiveram a ra�a/cor mencionada.
O estudo ouviu 1.018 pessoas, entre maio e junho de 2021, no Rio (510) e em S�o Paulo (508). Segundo o relat�rio, ser negro nos dois estados pesquisados significa ter risco 4,5 vezes maior de sofrer uma abordagem policial em compara��o a uma pessoa branca.
No grupo daqueles que declararam ter sido abordados mais de 10 vezes, o percentual entre os negros foi mais que o dobro (19,1%) em rela��o aos respondentes brancos (8,5%).
Outro dado do relat�rio 'Por Que Eu?' que escancara o racismo institucional durante as abordagens policiais � a diferen�a de tratamento na abordagem. As pessoas negras s�o o grupo com maior n�mero de v�timas de comportamentos abusivos por parte dos policiais. Por exemplo, 42,4% das pessoas negras abordadas relataram que policiais tocaram suas partes �ntimas, ante 35,6% dos brancos.
Al�m disso, 88% dos negros ainda informaram ter vivido alguma situa��o de viol�ncia em suas experi�ncias de abordagem contra 66% dos brancos.
Em 2013, participei da produ��o da s�rie de reportagens especiais “Pele escura, morte invis�vel - a viol�ncia contra a Juventude negra”, que teve a grata oportunidade de ganhar uma categoria do Pr�mio Abdias Nascimento. Durante a produ��o dessa s�rie, entrevistei um policial que afirmou (com um tom de voz muito bravo) que era uma fal�cia dizer que existe racismo institucional nas abordagens policiais.
Vamos l�: naquele mesmo ano, uma mensagem vazada do comando da PM em Campinas, no interior paulista, determinava abordagem com foco em “transeuntes e em ve�culos em atitude suspeita, especialmente indiv�duos de cor parda e negra com idade aparentemente de 18 a 25 anos”.
Diante de tantas viv�ncias, dados e pesquisas, chega a ser at� cinismo n�o reconhecer que o racismo estrutural tamb�m se manifesta no sistema de justi�a criminal no Brasil. E as abordagens policiais seguem essa mesma l�gica.
Como a tem�tica racial � tratada nos cursos de forma��o da pol�cia em cada estado e de qual � a carga hor�ria sobre esse assunto? No dia a dia desses agentes de seguran�a p�blica, como a tem�tica do racismo estrutural e institucional � trabalhada?
Esses agentes recebem palestras, treinamento e capacita��o sobre o assunto? Passam por um processo de conscientiza��o sobre as diferentes formas que o racismo se manifesta, os preju�zos que nascem dele e como combater na pr�tica?