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Estado de Minas SA�DE PARA PESSOAS TRANS

Homens trans e assist�ncia ginecol�gica: medo, dor e constrangimento

'Sim, homens trans tamb�m precisam de atendimento ginecol�gico e esse acesso precisa ser naturalizado'


28/10/2022 12:00 - atualizado 28/10/2022 12:18

Cadeira de um consultório ginecológico
'N�o s� mulheres cis podem ser acometidas por c�ncer de mama. Homens cis e pessoas transexuais e transg�neros tamb�m' (foto: Pavel Danilyuk)

H� uns 15 dias, mais ou menos, fui pela primeira vez ao ginecologista depois do in�cio da minha transi��o. Foi uma consulta por meio do meu plano de sa�de. Pra quem n�o sabe, sou um homem negro retinto, trans e neurodiverso (no meu caso, dislexia e TDHA). Isso mesmo, homens trans tamb�m precisam ir ao ginecologista. E nessa semana tive que voltar l�, mas antes tive que me preparar psicologicamente e tirar for�a e coragem do “suvaco”. “Mas por que, Arthur?”

Vamos l�: na primeira vez que cheguei no endere�o do consult�rio m�dico, de cara me deparei com o porteiro me olhando de cima a baixo, com cara de assustado e com frases do tipo: “Voc� quer vemos mesmo o doutor X? Voc� veio fazer uma entrega para ele, n�?" 

E como j� falei, nesta semana tive que voltar l�. Tanto a secretaria como o m�dico mais uma vez me trataram muito bem, de forma humanizada, mas mais uma vez, quando passei pelo porteiro do pr�dio, ele me olhou com uma cara de assustado. Dei bom dia, falei que tinha hor�rio com o dr X e dei minha identidade. Vale ressaltar, que j� fiz minha retifica��o de nome, ou seja, na minha identidade j� tem meu nome, Arthur. Mas mesmo com a minha identidade nas m�os, o porteiro perguntou: “Qual � seu nome?”. Na mesma hora respondi, ‘� Arthur, est� no documento!’. 

Imagina s�, sempre que voc� precisa de atendimento � sa�de acaba tendo que dar mil explica��es, explica��es de “porque voc� � assim”, tem que explicar v�rias vezes qual � a diferen�a de uma pessoa trans e uma pessoa cis, al�m disso, sempre tem que escutar frases passivo agressivas do tipo: “�, as coisas est�o mudadas mesmo, no meu tempo n�o era assim, mas cada um faz o que quiser da vida, n�”, como se ser trans fosse algo errado, ruim ou/e apenas uma escolha. Ou imagine se sempre que  voc� procurasse atendimento m�dico as pessoas que trabalham no lugar te olham assustadas, te encarando como se fosse um ser de outro mundo? Com certeza isso iria impactar na sua ansiedade, sua sa�de mental, iria gerar medo e um sentimento de n�o pertencimento gigantesco. 

Talvez voc� esteja pensando: “Poxa Arthur, o porteiro, nem a secret�ria, nem mesmo o m�dico tem a obriga��o de adivinhar que voc� � um cara trans”. Mas n�o estou pedindo adivinha��o. Eu estou falando � de respeito na pr�tica. Estou falando da import�ncia da promo��o ao acesso � sa�de para todas as pessoas, da necess�ria naturaliza��o da presen�a de corpos trans em hospitais, consult�rios m�dicos, centros de sa�de, cl�nicas, e por a� vai. 

Estou falando da falta de investimentos para promover sensibiliza��o, conscientiza��o e informa��o �s pessoas que trabalham diretamente ou indiretamente com a rede privada de sa�de e na sa�de suplementar. Sabe o senhor que trabalha como porteiro no pr�dio? A ideia aqui n�o � transformar ele em vil�o. Longe disso. Quero ressaltar que com certeza ele s� teve essa atitude porque faltou informa��o e treinamento. Se ele tivesse passado por um programa de diversidade e inclus�o, com certeza o porteiro teria outras formas mais adequadas de abordar pacientes trans. 

“Ah, Arthur, voc� est� exagerando”. Infelizmente n�o estou. J� relatei aqui em um outro artigo que para evitar constrangimentos e discrimina��es uma vez pedi a recomenda��o de endocrinologistas que j� atendiam pessoas trans. Recebi mais de tr�s indica��es de um mesmo m�dico. Ent�o fiquei mais relaxado, sem tanto medo ou receio. Mas, assim que ele abriu a porta, j� soltou uma enxurrada de “piadas” transf�bicas e homof�bicas. 
 
Em um determinado momento, j� n�o aguentando, perguntei se ele realmente j� tinha experi�ncias de atender pessoas trans e disse que aquela atitude n�o era correta. Nossa conversa se prolongou e ele resgatou a mem�ria da primeira vez que viu uma mulher trans. Ele estava de 5 para 6 anos. Segundo o m�dico, todas as pessoas adultas que estavam no mesmo ambiente deram risada e fizeram “piadas” em rela��o a mulher trans sem nenhum pudor. Depois de muito refletir, o m�dico percebeu que ele naturalizou essa situa��o absurda durante toda vida.  
 
Ou seja, mesmo chegando � vida adulta, mesmo tendo um poder econ�mico mais elevado, mesmo com acesso � educa��o e tendo uma profiss�o que tem como base o atendimento a diversas pessoas, este m�dico ainda reproduzia estere�tipos e preconceitos contra a comunidade trans por mais de 50 anos. 

Infelizmente, algumas m�dicas e m�dicos chegam ao ponto de se recusarem a tocar o corpo de pessoas trans por nojo ou receio, ainda que isso seja feito de uma maneira “sutil”. Outros profissionais justificam a recusa em atender com o argumento de que nunca atenderam uma pessoa trans e, por isso, preferem n�o arriscar. 
 
Ou seja, estere�tipos, preconceito e desinforma��o se manifestam na forma como esses profissionais atuam em rela��o � popula��o trans.

S� para voc� ter ideia, em janeiro de 2020, participei da produ��o de um programa jornal�stico que tinha como principal tema as viv�ncias de pessoas trans. Uma das entrevistadas compartilhou que, durante uma consulta m�dica, ao explicar que era uma mulher trans, antes mesmo de explicar qual era o motivo que a levou at� o consult�rio, o m�dico pediu uma triagem de exames para saber se ela tinha alguma infec��o sexualmente transmiss�vel. Infelizmente, ainda hoje, muitos profissionais subentendem e associam o meu corpo trans a IST's. 

Al�m disso, durante consultas m�dicas, alguns profissionais da sa�de ainda se recusam a respeitar o nome e pronomes de pessoas trans. Ali�s, muitas vezes nosso constrangimento j� come�a na recep��o do consult�rio ou hospital, quando em alto e bom som anunciam nomes que n�o s�o os nossos. Situa��o que sempre vem acompanhada de risadas, “piadas” e olhares invasivos. 

E � sempre importante lembrar, ainda mais nesse Outubro Rosa de conscientiza��o, preven��o e combate do c�ncer: n�o s� mulheres cis podem ser acometidas por c�ncer de mama. Homens cis e pessoas transexuais e transg�neros tamb�m. Mas como a popula��o trans pode procurar orienta��o, consultas, exames e tratamento se o sistema de sa�de ainda insiste em ignorar nossa exist�ncia? 

N�s, pessoas trans e travestis, n�o somos n�meros frios, n�o somos entretenimento ou seres ex�ticos. N�s tamb�m temos necessidade de procurar atendimento � sa�de. A� eu pergunto, a rede de sa�de privada e suplementar tem investido em palestras, mentorias, rodas de conversa, programas completos de diversidade e inclus�o para melhor acolher a comunidade trans e travesti?

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