
“N�o tenho nada contra, mas na minha casa/fam�lia n�o aceito filho gay”, “ter uma filha l�sbica com certeza � uma vergonha”, “prefiro um filho ladr�o do que travesti", “prefiro filho morto a um filho gay”. Sei que essas frases s�o brutais e LGBTQIA+f�bicas. E infelizmente, elas s�o frequentes e muito “naturalizadas”. Tanto, que com certeza voc� j� escutou express�es semelhantes de algu�m da sua fam�lia, de algum amigo, vizinho ou conhecido. Ou ent�o, talvez, voc� j� proferiu algumas das frases ao longo da vida.
Infelizmente, essa viol�ncia verbal contra a comunidade faz parte de muitos lares brasileiros. E em muitos casos elas se concretizam. Todos os anos no pa�s, milhares de pessoas LGBTQIAP sentem a dor do abandono familiar, sentem a dor de serem expulsas de casa por serem quem s�o. E digo mais, muitas dessas pessoas s�o menores de idade, com nenhuma estrutura para se manter, para sobreviver.
ANTRA em parceria com o Projeto Al�m do Arco�ris/AfroReggae, estima-se que 13 anos � a idade m�dia em que pessoas LGBTQIAP s�o expulsas de casa pelos pais.
S� para voc� ter uma ideia, segundo dados compilados pela De acordo com o Dossi� dos assassinatos e da viol�ncia contra pessoas trans brasileiras em 2020, da ANTRA: “Essa rejei��o [familiar], pode ter um impacto devastador sobre os indiv�duos e isol�-los dos espa�os sociais essenciais ao seu bem-estar, al�m de provocar um aumento das dificuldades de acesso e continuidade na forma��o escolar. Por consequ�ncia, pela falta de suporte, de apoio, a qualifica��o profissional se torna invi�vel, impondo-lhes uma interrup��o do processo de acesso � cidadania e causando impactos em sua sa�de mental, al�m de alto n�veis de isolamento e suic�dio, como veremos mais adiante.”
Por v�rias vezes aqui, trouxe dados, viv�ncias e relatos das situa��es que impactam a vida da comunidade LGBTQIAP . Falta de acesso � sa�de, moradia, sa�de, educa��o, qualifica��o profissional, sem falar na falta de acesso ao mercado de trabalho e os altos �ndices de assassinatos que essa popula��o enfrenta.
Ou seja, diante de tantas lutas, � de extrema import�ncia pol�ticas p�blicas eficazes e tamb�m o acolhimento, respeito e amor da fam�lia.
Olhando para minha viv�ncia, felizmente j� experimentei e experimento esse amor na pele. Dias antes de iniciar minha terapia hormonal, em 2019, tomei a decis�o de compartilhar minha transi��o com minha m�e.
Na �poca, ela tinha 71 anos, ou seja, de uma gera��o completamente diferente da minha. Al�m disso, ela vem de experi�ncias religiosas que n�o incentivam o acolhimento de pessoas LGBTQIAP . E, diante disso, senti muito medo de uma poss�vel rejei��o da minha m�e. Tanto que no dia que fui conversar com ela, estava muito nervoso, com as pernas bambas e choroso. “Ser� que ela vai se sentir decepcionada? Ser� que minha m�e vai ficar muito triste, desapontada, vai deixar de falar comigo?”. Tanta coisa passou pela minha cabe�a.
Mas juntei coragem, pedi para ela sentar no sof� e, para o assunto ficar mais pr�ximo de sua realidade, pedi para lembrar do personagem trans de uma novela. Confesso que n�o acompanhei a trama, mas foi bom usar esse exemplo para ela ter um par�metro do que estava acontecendo comigo. Expliquei que nunca me identifiquei dos pronomes no feminino, que nunca me identifiquei com o nome no qual fui registrado. Al�m disso, falei que n�o queria que ela se afastasse de mim, que eu ainda era um filho que ama e respeita a fam�lia, falei dos meus conflitos e dores di�rias, chorei.
Ela se levantou e me abra�ou, disse que n�o precisava chorar. Falou que estava tudo bem, ela n�o iria me abandonar.
Minha m�e sempre foi uma mulher de coragem e de muita empatia. Da minha inf�ncia e adolesc�ncia, n�o tenho mem�rias dela me perseguindo ou colocando press�o para mudar minha forma de vestir ou para mudar minhas brincadeiras favoritas. Nem mesmo na fase adulta quando cortei o cabelo ou as roupas masculinas. No fundo acho que ela sempre soube.
Nos dias que se seguiram percebi minha m�e ainda mais pr�xima e atenciosa e isso me deu muito al�vio e paz! Minha m�e � uma das melhores Ilhas de Acolhimento que tenho. Minha m�e cuidou da fam�lia dela, ela n�o me abandonou e isso fez e faz toda diferen�a na minha vida!
De acordo com o Dossi� dos assassinatos e da viol�ncia contra pessoas trans brasileiras em 2020, o acolhimento familiar se torna um fator de prote��o extremamente importante para a popula��o trans e isso vale para toda a comunidade LGBTQIPA . Segundo a ANTRA, esse acolhimento familiar pode contribuir para reduzir a baixa escolaridade e a exclus�o escolar, as taxas de depress�o, ansiedade, uso abusivo de subst�ncias t�xicas, tentativas de suic�dio e outros agravos que a exclus�o gera.
Mas infelizmente, de maneira “cultural”, a LGBTQIAP fobia � promovida, “naturalizada” e replicada de gera��o a gera��o em muitos lares brasileiros. Sei ainda que existem diferentes entraves que dificultam o acesso a informa��es qualificadas sobre nossa comunidade. E, nesse contexto, a religiosidade, em muitos casos, acaba refor�ando a transfobia e a homofobia, contribuindo para o aumento do �ndice do abandono familiar no Brasil.
Mas at� quando isso ser� usado como “desculpa” para n�o acolher familiares LGBTQIAP? At� quando a comunidade vai sentir a dor da rejei��o da pr�pria familiar? At� quando pessoas que fazem parte dessa popula��o ser�o expulsas de casa?
E quando falamos de fam�lia, � muito importante refor�ar o seguinte: fam�lia � troca e compartilhamento! N�o existe fam�lia perfeita, mas fazer parte de uma fam�lia � saber que pode contar com essas pessoas, mesmo em tempos dif�ceis e dolorosos. � com a fam�lia que aprendemos o que � afeto, acolhimento e lealdade. � com a fam�lia que aprendemos o que � amor e respeito �s diferen�as. “� com ela, e muitas vezes por ela, que a gente cresce e amadurece” (Zenklub).
Fam�lia � a nossa mais importante rede de apoio! Muitas vezes ela � constitu�da por parentes, mas tamb�m por amigos, pessoas incr�veis que a vida trouxe. Fam�lia s�o pessoas que fazem verdadeiramente a diferen�a em nossas vidas!
Na sua fam�lia tem alguma pessoa LGBTQIAP ? Ent�o seja rede de apoio! Seja uma Ilha de Acolhimento para essa pessoa!