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Estado de Minas

Aprendendo a perder. Numa realidade paralela no ano de 2070...

Foi depois de todo o caos, de todas as mortes, de tantas perdas, que pudemos rever nossos valores



Estou sentada na cadeira que havia sido da minha bisav� Adalgisa, assim como ela, eu tamb�m n�o consigo me lembrar de acontecimentos recentes, nem de pessoas mais jovens. Sempre que algu�m vem me visitar me apresento. E as pessoas que reconhe�o me parecem bem mais velhas do que eu me lembrava.

A casa estava cheia. Olhei para minhas m�os e as reconheci, apesar de enrugadas, as unhas continuavam curtas e sem esmalte. As pessoas se sentaram ao meu redor e me perguntaram como havia sido sobreviver a 2020. Eu era uma sobrevivente, disso eu me lembrava.

Pedi para algu�m colocar meu CD da Nina Simone, eles riram, o que era CD? Mas a m�sica tocou:

“It's a new dawn
It's a new day
It's a new life
For me
And I'm feeling good”

Dois mil e vinte, meus queridos, foi o ano que nos ensinou a perder. �ramos extremamente competitivos, precis�vamos ser melhores que os outros. Ganhar mais, comprar mais, viajar mais, ter mais luxos, carros blindados, carros...

Todo mundo queria ter um carro at� aquele ano. S�mbolo do individualismo da nossa gera��o. Mais carros, mais tr�nsito, mais polui��o, mais calor. As pessoas achavam normal usar duas horas do seu tempo di�rio, dentro de um carro, muitas vezes sozinha. Perdendo a paci�ncia.

Quanto mais as vias eram alargadas, mais as pessoas compravam mais carros e tornavam necess�rios novos alargamentos, novas obras. As cidades eram deles.

As edifica��es n�o aproveitavam a ilumina��o e a ventila��o natural, ar-condicionado era chique, at� que o v�rus chegou e inviabilizou todos aqueles ambientes fechados e climatizados. Nem escrit�rios, nem cinemas, nem shoppings, nada sem ventila��o natural era vi�vel depois do v�rus.

Naquele ano a gente teve que aprender a perder. E, sabe, perder n�o � ruim. Perder traz amadurecimento, evolu��o. Se a gente n�o tivesse perdido tanto naquele ano, n�o ter�amos mudado tanto. N�o ter�amos corrigido nossos erros.

Em 2020 perdemos o direito de ir e vir, essa liberdade de ir para a rua na hora que bem entende. Precisamos fazer isolamento social, meses sem sair de casa. Trabalhando em casa, com as crian�as tento aulas on-line. Tivemos que fazer isso para nos proteger e para proteger quem precisava sair para trabalhar e cuidar dos doentes.

Depois perdemos o direito de mostrar nossos rostos em p�blico, fomos obrigados a usar m�scaras. Fizemos isso para nos proteger, e para proteger os outros. 

Perdemos o direito dos encontros, dos abra�os, das demonstra��es de carinho pelo toque. Perdemos a tranquilidade de respirar o mesmo ar que as outras pessoas respiravam.

Perdemos o direito de ir aos est�dios torcer por nossos times de futebol. De ver nossa banda favorita ao vivo fazendo um super show para uma multid�o que se espreme para ficar mais perto do �dolo.

Em alguns momentos, perdemos at� a f�. Perdemos as for�as. Perdemos a esperan�a

Por�m, no meio daquilo tudo, olh�vamos para os nossos filhos e precis�vamos pensar no futuro deles. Na felicidade deles. Na vida que eles ainda tinham para viver.

Perdemos nosso individualismo, ganhamos a coletividade. Precis�vamos cuidar dos outros, mesmo aqueles que nem conhec�amos.

Perdemos amigos, perdemos parentes. Perdemos a oportunidade de nos despedir e de nos consolar presencialmente. Ganhamos saudades de quem partiu.

Foi depois de todo o caos, de todas as mortes, de tantas perdas, que pudemos rever nossos valores. Foi ent�o que, finalmente come�aram a entender a necessidade da redistribui��o de renda, da taxa��o de grandes fortunas.

Foi depois de tudo aquilo que n�s percebemos que n�o era necess�rio ter grades no condom�nio se ningu�m estivesse passando fome, se todos tivessem acesso a uma boa educa��o e a empregos que garantissem mais que a sobreviv�ncia do indiv�duo. Foi quando aprendemos a valorizar o professor.

Foi quando conseguimos fazer uma reforma pol�tica, porque vimos que o formato daquela �poca n�o beneficiava a popula��o. Tamb�m foi, a partir daquele ano, que desconstru�mos mitos e paramos de esperar por milagres.

Aquele ano foi uma mistura de v�rios filmes e livros, assistam, leiam:
Feiti�o do tempo
O po�o
Ensaio sobre a cegueira
Titanic
Eu sou a lenda
Denise est� chamando

O dia da marmota se repetiu por meses, anos... Quando a gente achava que tinha chegado ao fundo do po�o, a gente descia mais. 30% ficaram contaminados pela cegueira branca. Depois de muito tempo conseguimos nos livrar dos zumbis

Perdemos muito. Todas aquelas perdas nos transformaram, transformaram a sociedade, as rela��es humanas e nossa rela��o com o planeta.

“� um novo come�o
� um novo dia
� uma nova vida
Para mim
E eu estou me sentindo bem”

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