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Estado de Minas PADECENDO

Precisamos discutir o aborto

Ser a favor da descriminaliza��o do aborto n�o � ser a favor do aborto. Aborto � uma realidade. Mulheres abortam, mesmo sendo ilegal


17/04/2022 04:00 - atualizado 13/04/2022 15:10

ilustração
(foto: Depositphotos)

 
No Brasil, a gravidez s� pode ser interrompida quando acontece em decorr�ncia de estupro, quando o feto � anenc�falo, ou quando apresenta risco � vida da m�e. Mas o que acontece � que muitas mulheres fazem aborto ilegal e, ao mesmo tempo, mulheres que se enquadram num desses tr�s casos em que o aborto � permitido por lei s�o desencorajadas a faz�-lo.
 
Desde abril de 2012, o Brasil n�o avan�a em rela��o ao direito ao aborto. Voc� j� parou para pensar sobre o assunto? Vou contar tr�s hist�rias reais, que ocorreram h� mais de uma d�cada, alterando apenas os nomes das pessoas para preservar suas identidades.

Clarissa
Clarissa n�o foi presa. N�o precisou usar o SUS. N�o ficou internada. Ela � branca, classe m�dia. Teve acesso a uma boa educa��o. Ela tinha 19 anos, tinha um namorado, fazia faculdade e descobriu que estava gr�vida de cinco semanas.
 
Ela queria aquele beb�. Contou para as amigas, para os colegas de faculdade, mas o namorado n�o queria filho naquele momento. A m�e era cat�lica, pr�-vida, mas tamb�m n�o achava que era hora de a filha ter um beb�.
 
Foi acompanhada pela m�e e pelo namorado �quele consult�rio naquele pr�dio chique. A ginecologista fez o aborto no mesmo dia. Clarissa, deitada, ouvia o barulho daquela m�quina sugando o feto. Quando terminou o procedimento a m�dica disse que o problema estava resolvido.
 
Ela sofreu muito. Sua vontade n�o foi ouvida. Mas o sofrimento foi emocional. Fisicamente, ela estava bem, sem nenhuma consequ�ncia. Ela teve um atendimento digno. N�o correu risco de morte. A fam�lia tinha dinheiro para pagar.
 
Esse texto faz parte do livro "Sem para�so e sem ma��" publicado em 2020.

Ana
Ana tinha 19 anos, havia acabado de passar no vestibular, quando engravidou do namorado. Descobriu a gravidez quando j� estava com quase dois meses. N�o teve tempo para amadurecer a ideia. N�o teve uma rede de apoio para acolh�-la.
 
O namorado n�o pediu para ela abortar, mas tamb�m n�o disse que a apoiaria se ela quisesse ter o beb�. Infelizmente, � preciso um espermatozoide para que a mulher gere um filho, mas falta homem para encarar as responsabilidades da paternidade.
 
Contou para poucas pessoas esperando apoio. N�o teve. S� ouviu que n�o poderia ter aquele filho, que seus pais n�o aguentariam a not�cia. Sentiu-se sozinha. Queria que algu�m a encorajasse a levar adiante. Apaixonou-se pelo beb� assim que ouviu seu cora��o batendo naquele ultrassom. Levou aquela imagem impressa. Seu namorado a aguardava do lado de fora. Nem quis ver a imagem. Levou-a para sua melhor amiga. Ela tamb�m n�o quis ver, n�o queria criar aquele sentimento. O sentimento dela era s� dela, n�o teve com quem dividir.
 
Sentiu-se culpada por n�o ter enfrentado as pessoas. Por n�o ter tido for�as para assumir sozinha. Culpa-se por ter deitado naquela cama e deixado seu beb� ser sugado. Aquela dor a acompanhou. Mesmo depois de casada. Mesmo depois de ter engravidado novamente e ter tido uma filha.
Queria ter sido acolhida. Queria ter tido apoio. Queria n�o ser julgada. Sempre reza pelo beb� que se foi. Sempre pede perd�o. E tenta se perdoar.
 
Esse texto faz parte do livro "Sem para�so e sem ma��" publicado em 2020.

A menina
“Ela estava na maca ao meu lado. Eu tinha 28 anos, casada, engravidei tomando p�lula, sem planejar, gravidez tub�ria, perdi o beb�. Fui operada. Ela tinha 16, engravidou do primeiro namorado. Tentou abortar em casa. Eu fui operada �s pressas; a trompa rasgou. Hemorragia interna. Ela foi operada �s pressas; o cabide que ela usou no momento de desespero perfurou o �tero. Hemorragia severa.
Eu tinha minha fam�lia me apoiando, meu marido na sala de espera. Ela tinha um namorado de 19 anos que a ajudou pesquisando como fazer aborto em casa e no procedimento.
 
Eu senti a dor de perder um beb� e a dor f�sica de toda a situa��o. Ela sentiu desespero, medo, dor, arrependimento, culpa, julgamento e mais dor.
 
Eu estava tranquila, medicada para a dor f�sica e de roupas limpas. Ela estava coberta de sangue, pingava da maca. Estava desesperada, tentava justificar em meio a l�grimas que achou que o pai ia mat�-la, e que ela estava perdida e n�o pensou direito... Ela implorava por medicamento para dor.
Eu fui bem tratada durante todo o processo, as enfermeiras me falaram que eu teria outro beb� em breve, uma ficou fazendo carinho no meu cabelo enquanto eu aguardava no p�s-operat�rio. Fui muito bem acolhida, me cobriram porque a anestesia me fez sentir frio.
 
Ela ouviu que colheu o que plantou. Ela foi julgada por todos ali. Ouvi dizerem, para ela ouvir, que ela estava merecendo aquela dor, que deu sorte de n�o morrer! A enfermeira s� levou o cobertor para ela quando eu pedi pelo amor de Deus! Ela tremia muito.
 
Senti a dor dela ali, mais forte que a minha, a dor na alma, a dor que vinha junto com mil sentimentos, aos 16! A dor que extrapolava o cora��o dela e atingia o meu!! Pude sentir a agonia dela! Chorei pelo meu beb�, e chorei por ela, com ela!
 
Uma menina, desesperada, achou que n�o tinha op��o! Uma menina jogada e sendo julgada por diversas mulheres, que talvez quando meninas, se tivessem engravidado, fariam o mesmo diante da press�o de um namorado. Ou n�o. N�o importa. O que importa � que n�o precisa ser como foi!
Em vez de quase morrer, ela poderia ter tido atendimento, aconselhamento, acolhimento!”
Relato de Mariana Lacerda, que viveu essa situa��o em 2009.
 
Selecionei apenas tr�s hist�rias entre dezenas, todas muito parecidas. Jovens confusas, sem apoio emocional. Com medo. Sofrendo sozinhas. A Ana precisou de muito tempo para se perdoar. Clarissa n�o escolheu, escolheram por ela, quem teve que dar conta das consequ�ncias emocionais? Ser� que a menina da �ltima hist�ria sobreviveu? Ser� que se ela n�o tivesse tanto medo dos pais ela teria tomado aquela atitude?
 
Eu n�o tenho respostas. Mas uma coisa � fato. Ser a favor da descriminaliza��o do aborto n�o � ser a favor do aborto. Aborto � uma realidade. Mulheres abortam, mesmo sendo ilegal. Mulheres abortam por escolha pr�pria, ou abortam obrigadas, mas abortam. E elas merecem seguran�a, suporte, apoio psicol�gico, atendimento m�dico adequado.

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