
Beijo pode ser demonstra��o de afeto, de respeito, de amor, de desejo, mas beijo tamb�m pode ser uma forma de ass�dio quando � beijo roubado, beijo for�ado, sem consentimento. Todo beijo carinhoso deveria ser validado, j� os beijos n�o consentidos deveriam ser, no m�nimo, questionados, mas n�o � isso que acontece.
Na minha inf�ncia, sempre assistia ao desenho do incans�vel Pepe Le Gamb�, nascido em 1945, na Fran�a. Pepe passava o desenho inteiro assediando a gatinha Penelope, que tem pavor dele. Mesmo ela fugindo, ele insiste, a persegue, a pega � for�a. A beija sem que ela queira. Nunca vi ningu�m reclamando do personagem, porque naturalizamos o ass�dio dos homens �s mulheres. Homens assediam, mulheres s�o assediadas e assim �. Mas n�o deveria ser.
E quem n�o adora o coelho Pernalonga? Aquela figura beijoqueira, que beijava (na boca) o Hortelino, o carinha da barba ruiva, e beijou at� um jogador de basquete em um filme. Coelho macho beijava personagens machos, se vestia de mulher e estava tudo bem. E sabe qual � a idade do Pernalonga? Ele tem 80 anos; 80 anos, travesti e beijoqueiro divertindo v�rias gera��es.
Hoje, em pleno 2023, me pergunto se o mundo girou ao contr�rio. �s vezes, � como se ainda faltassem 80 anos para o Pernalonga nascer. Se aparece um desenho novo com beijos “n�o-h�tero”, vem uma onda de pessoas que n�o posso chamar de conservadoras, porque v�o muito al�m de querer conservar qualquer coisa. � um grupo que quer andar para tr�s mesmo, retroceder. N�o acho que o termo conservador lhes caiba, prefiro usar regressistas.
A pol�mica do momento � o desenho “Nimona”, lan�ado h� pouco pela Netflix. � um filme sobre amizade, sobre amar o outro pelo que ele �, e n�o por sua apar�ncia. O desenho tamb�m fala de confian�a, de �tica, de car�ter, de honra e de representatividade. A anima��o � linda, o roteiro � �timo. O problema, para alguns, � que Ballister, o protagonista, � gay. E existe uma rela��o de amor linda entre ele e outro cavaleiro, tudo muito sutil. At� que vem uma cena com um beijo entre eles. Um beijo que n�o dura nem 2 segundos, tempo suficiente para incomodar muita gente.
N�o h� nada de errado com o beijo. O desenho � classifica��o 10 anos, � um beijo de afeto, um beijo rapidinho, sem sexualiza��o. Um beijo consentido! Pernalonga e Pepe Le Pew podem beijar, mesmo for�ando o beijo. Ballister n�o tem direito de beijar seu amor, como qualquer pr�ncipe e princesa sempre tiveram em v�rios desenhos. At� mesmo a Bela Adormecida - que foi beijada por um desconhecido enquanto dormia.
Outro dia, uma seguidora me enviou a seguinte mensagem:
"Bom dia Bebel, gostaria que voc� gravasse um v�deo sobre o desenho Nimona. Eu assisti com meus filhos e fiquei decepcionada com o beijo dos cavalheiros no final. Queria saber se � s� preconceito meu mesmo ou se est�o pegando pesado com as crian�as."
Quando recebi a mensagem, eu ainda n�o tinha visto o desenho, mas fiz a seguinte pergunta para ela:
“Antes mesmo que eu assista, vou deixar uma pergunta para voc�: ‘Se fosse um beijo entre uma mulher e um homem voc� ficaria decepcionada da mesma forma?’” Ela disse que n�o.
A quest�o n�o � o beijo, � ser um beijo de dois homens. O que esse beijo ensina? Que quando h� amor entre duas pessoas, elas demonstram o afeto e, uma das formas de demonstr�-lo, � com um beijo. J� o beijo heterossexual entre o Gamb� e a gata ensina que � normal um macho assediar uma f�mea.
Os beijos do Pernalonga e da Bela Adormecida ensinam sobre beijo sem consentimento. Mas s� o beijo entre os dois cavaleiros incomoda, s� ele “vai influenciar as crian�as”. N�o vai. N�o � assistindo a um desenho que dura 1 hora e 38 minutos, que tem um beijo de um segundo e meio, que a crian�a vai ser influenciada a ser gay. Podem relaxar! A sexualidade humana � extremamente complexa e n�o vai ser um beijinho desses que vai “engayzar” nossos filhos. Se esse beijo te incomoda, talvez seja hora de voc� olhar para dentro para entender de onde vem esse inc�modo.
Um beijo n�o � s� um beijo. Um beijo diz muito sobre quem beija. E como interpretamos cada beijo, diz muito sobre n�s mesmos.