
Existem coisas que me fascinam. Coisas simples.
�s vezes acordo de madrugada e caminho pela casa no escuro. � como caminhar dentro da pr�pria alma.
A prop�sito, n�o h� alma que n�o tenha uma cadeira para ser trope�ada. N�o h� alma que n�o xingue ao pisar em brinquedos largados pela casa. N�o h� alma que n�o perdoe e n�o esque�a o que � para ser esquecido.
As madrugadas nos brindam com o sil�ncio. Ou um quase-sil�ncio. Quando ficamos quietos e prestamos bastante aten��o, o rel�gio com seu tique-taque nos lembra que o apetite de Cronos � insaci�vel, assim como o da companhia el�trica que mant�m o ru�do monof�nico de uma geladeira.
Um carro ao longe, o vento pela fresta da janela, um latido, uma tosse. COVID?! N�o, pigarro.
Mesmo querendo abra�ar o sil�ncio, o quase n�o nos permite.
Tudo na vida � quase. Quase feliz, quase bom, quase-sil�ncio, quase, quase...
Mas n�o importa. Quase, j� � uma prova que voc� tentou.
� no quase sil�ncio que o universo sopra a poesia. Os sons n�o se propagam no espa�o, mas vibra��es sim.
Toda casa tem seu sil�ncio pr�prio e seus ru�dos t�picos. DNA familiar expresso no jeito de ser dos que ocupam aquele espa�o.
Os ru�dos familiares s�o como a cor dos olhos, a impress�o digital e as linhas das m�os que estabelecem o destino daquele mundo. S� n�s sabemos o quase sil�ncio que nos abriga e aconchega.
Os passos noturnos da minha m�e, a t�bua solta no piso, a �gua caindo no copo, a descarga e a torneira do banheiro, a mola enferrujada da porta, o ajeitar da coberta. Um pum...
O pigarro do meu av�, a lenha no fog�o, a tampa do bule, o caf� na caneca, o aroma.
Cal�ou as botas, pegou o balde, caminhou at� o curral, peou a vaca. O leite bateu no fundo do balde, encheu. Raspou as botas no fac�o da porta.
Casas e �teros t�m muito em comum.
Lembro-me com saudade de todas as casas pelas quais passei. N�o me esque�o do sil�ncio e do n�o sil�ncio de cada uma delas.
Mundos visitados, mundos vividos, sil�ncios a percorrer, novos ru�dos a serem decifrados e degustados.
*Este texto � dedicado � Glorinha, enfermeira com a qual trabalhei quase uma vida e que nos deixou nesta madrugada silenciosa