Dia 20 de Janeiro, dia de S�o Sebasti�o, foi meu anivers�rio. Ganhei de presente, por coincid�ncia astral, a vacina��o contra COVID-19, que come�ou exatamente neste dia D e na hora H.
Fui vacinado no Hospital Vera Cruz, mesmo nosoc�mio onde nasci e trabalho h� mais de 32 anos. Logo depois da agulha transfixar a minha pele e depositar milhares de cad�veres de coronav�rus em meu deltoide esquerdo, percebi uma transforma��o imediata.
Meus sentidos ficaram mais agu�ados e passei a ver detalhes que nos escapam aos olhos, quando a ang�stia e a incerteza permeiam a alma. A falta de horizonte gerada pela epidemia fez o mundo ficar cinza. Mil tons de cinza, sem nenhuma sensualidade. Pelo contr�rio, nunca vi nada t�o �rido e broxante quanto o stress epid�mico.
M�scaras tampando o sorriso, �culos escondendo o brilho dos olhos, aus�ncia de apertos de m�o, abra�os � dist�ncia. Tr�s beijinhos, nunca mais. Passamos a valorizar coisas que faz�amos automaticamente, sem perceber a sua beleza. Trata-se do valor intr�nseco do jeitinho de cada um. Tudo que nos foi negado pelo v�rus e fez o mundo ficar cinza, ins�pido e inodoro.
Mesmo antes da espetada t�o esperada, ao desembarcar do elevador que me levou at� o local da vacina��o, j� percebi a mudan�a dos funcion�rios pr� e p�s vacina.
Metamorfose esperan�osa daqueles que aguardavam a sua vez de serem o cemit�rio de coronas, e n�o v�timas dele. Vit�ria sublime da ci�ncia ao devolver o brilho no olhar e colorir as faces, mesmo ainda escondidas pelas m�scaras salvadoras e repletas de simbolismo.
Todos, sem exce��o, estavam movidos por uma excita��o m�gica de serem socorridos num barco de refugiados em mar revolto. De volta � terra firme. P�s no ch�o, mesmo sabendo da longa estrada a seguir, e ainda descal�os.
Esperan�a de quem lutou luta desigual. Resistiu a intemp�ries e sobreviveu. A alegria era contagiante. Agradecimentos � ci�ncia, ao SUS, ao Butant� e at� � China.
Teve uma pessoa apenas que me chamou no canto e perguntou: - Carlos, esta vacina � segura? - Claro! Respondi. Passou por estudos rigorosos e tem mais de 15 anos de conhecimento acumulado para chegar at� esse momento.
Al�m disso, para quem come camar�o em espetinho na praia, toma caipirinha com gelo de proced�ncia duvidosa e arrisca um quibe na rodovi�ria, n�o faz sentido algum questionar a idoneidade de uma vacina. Afinal, para afogado, jacar� � toco. Tome logo essa vacina porque que a fila est� grande e estamos em festa.
Ali�s, n�o vi qualquer jacar� por l�. Nenhuma metamorfose negacionista ou terraplanista. N�o vejo a hora do pa�s inteiro viver esse momento m�gico.
Antevejo a vida voltando � normalidade, as pessoas dan�ando nas ruas, se abra�ando e beijando, sem medo ou culpa por estarem felizes. Nossos filhos com mochilas nas costas, indo e voltando para a escola, sem medo de levar para casa a orfandade.
Tempos dif�ceis passar�o, com, ou apesar, da incompet�ncia de gestores insens�veis e irrespons�veis. Eles passar�o... e a sociedade seguir� seu processo penoso, mas inexor�vel, de metamorfose e amadurecimento.
Fazendo a ficha para ser vacinado, me perguntaram: - Quantos anos o senhor tem? Respondi da mesma forma que Galileu Galilei: - Oito, dez, ou, com muita sorte, vinte, quem sabe! Vamos, me d� logo essa vacina, porque quero aproveitar muito bem o tempo que me resta!
Os meus textos contam sempre com a carinhosa revis�o da Joana (minha esposa), Jaqueline (querida amiga e virologista da FIOCRUZ-BH), Barbara (minha filha), Afonso Borges (amigo de toda hora) e da equipe do Benny Cohen (EM).