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Estado de Minas HOMENAGEM

Pel�

Acho que antes de falar mam�e, aprendi a falar Pel�. Acho que foi minha primeira frase foi 'Gol de Pel�'


31/12/2022 06:00 - atualizado 30/12/2022 14:08

Starling e Pelé
Batemos um breve papo, n�o me lembro sobre o que, at� que nossas malas aparecessem na esteira (foto: Arquivo Pessoal)
Quando nasci, Pel� tinha 17 anos e nos dava o primeiro t�tulo mundial. O r�dio, nosso centen�rio div�, fazia os dribles viajarem da grama a nossa imagina��o. O gol era de Pel� e nosso. Cada um tinha o seu pr�prio gol de Pel�.

A arte da locu��o de Waldir Amaral e Jorge Cury transformavam a realidade em del�rio coletivo. 

Na minha casa, em Ibi�, um grande r�dio de v�lvulas ficava no meio da copa. O Rep�rter Esso nos visitava diariamente e os gols de Pel�, sempre que o Santos jogava.

Acho que antes de falar mam�e, aprendi a falar Pel�. Acho que foi minha primeira frase foi “Gol de Pel�”. 

Aprendi a jogar bola na garagem da minha casa, com uma bola Pel�. Era uma bola de borracha marrom que vinha com a imagem do Rei dando uma bicicleta. Com frequ�ncia, a bola passava sobre o port�o e caia no meio da rua, onde, acredito, Pel� driblava at� os pneus dos carros e sobrevivia ilesa do outro lado da cal�ada.

A primeira vez que o vi jogando foi na tela do Cine Brasil de Ibi�. Dos filmes em cartaz, me lembro de poucos, Bem-Hur com certeza. Mas, me recordo de cada detalhe das jogadas e gols de Pel� em c�mera lenta nas lentes poderosas do Canal 100.

V�amos o mundo pelo jornal que passava antes dos filmes, revistas impressas e cole��o de figurinhas. O delay era de semanas a meses.  O importante era confirmarmos o que j� hav�amos ouvido e sonhado. O fundamental era assistirmos o soco no ar. 

Em nossas peladas na garagem, gol sem o soco no ar n�o valia nada. 

O �nico VAR que t�nhamos era o “var catar” a bola no mato.
 

Certa vez, batendo uma pelada no campo que ficava na beira do Rio Miseric�rdia, corri pela esquerda e chutei da entrada da �rea. A bola bateu num montinho de estrume de vaca seco, enganou o goleiro e entrou no canto oposto. 
 
Com bosta ou sem bosta, o gol valeu e foi classificado como uma literal cagada.

Alguns minutos depois, estranhamente o suposto estrume seco se moveu para uma moita na beirada do campo. Tratava-se na realidade, de uma baita Jararacu�u artilheiro que imediatamente foi apelidado de Pel�.

Para minha revolta, o gol foi invalidado, Pel� estava impedido. A cobra era cobra de verdade e ganhou clem�ncia pelo apelido recebido. Afinal, quem se atreveria a matar a cobra Pel�?!

Pel� era celebridade e craque at� no meu jogo de bot�o. Imbat�vel! Com ele fiz gols de toda forma e passei manh�s e tardes sem perceber o tempo fluir.

Pel� foi meu companheiro insepar�vel de inf�ncia. Minha inspira��o para crescer e fazer gols na vida.

No dia 23/11/1968, sa� de trem de Ibi� e vim a Belo Horizonte assistir um jogo entre Atl�tico e Santos. Na realidade viajei uma noite inteira para ver o Pel�. N�o foi como eu imaginava. Foi muito melhor.
 

Como Santista e Atleticano, fiquei com o cora��o partido. Porem, ver o Pel� tabelando com Edu foi inesquec�vel.

O jogo terminou 2 x 2, para minha alegria. Lola e Vaguinho marcaram para o Galo. Edu e Pel� empataram o jogo no segundo tempo. Finalmente vi, o soco no ar.

Dois anos depois, j� morando na casa do meu irm�o em Belo Horizonte, assisti, ao vivo e a cores, a inesquec�vel copa de 70. Meu irm�o quebrou o p� chutando uma mesa, num lance hist�rico em que Pel� deu um drible de corpo no Mazurkievski e chutou para fora. O ex-goleiro do meu Galo, continuou procurando a bola pelo resto de sua vida.

Meu irm�o e o mundo inteiro nunca se esqueceram daquele gol que n�o foi, mas se tivesse sido, n�o teria feito a menor diferen�a. O calo �sseo o lembrava todos os dias de um dos lances mais geniais de todos os tempos.

Em meados da d�cada de 90, fui a Londres participar de uma reuni�o. Na longa fila burra da imigra��o tinha gente de todo canto do mundo. Gente de toda cor, sotaques mil, vestes do mundo amarrotadas de viagem.

No vai e vem da fila, percebo ao meu lado um negro de �culos escuro, mais ou menos da minha altura, elegantemente vestido com um terno impec�vel e um sobretudo bege que parecia ter sa�do da capa naquele instante. A cara era de gente conhecida que eu n�o sabia de onde.
 
 
Pel� !! Exclamei em voz alta. Foi inevit�vel.

Quem estava ao meu lado logo perguntou! Cad�?! Where?!

Ele simplesmente abriu o seu sorriu inconfund�vel, acenou e permaneceu pacientemente na fila da imigra��o, como todos os demais mortais que l� estavam. O tumulto foi inevit�vel.

Subitamente a fila andou mais r�pido que o normal. Os oficiais da imigra��o queriam ter a chance de atender o Rei. 

Foi quando virei para ele e disse:

-Rei, voc� � ministro, n�o precisa ficar na fila.
 
Nesse momento percebi o que ser um verdadeiro Rei.
 
-Estou em viagem pessoal, n�o � legal - respondeu ele.
 
-Pacientemente seguiu na fila dando aut�grafos em passaportes que certamente viraram rel�quias.

Um oficial saiu da cabine e o conduziu por um caminho destinado a autoridades, o qual ele havia se negado a seguir por iniciativa pr�pria. O tumulto causado pela presen�a do Rei amea�ava a formalidade brit�nica.

Alguns minutos depois, para minha surpresa, l� estava ele novamente ao meu lado recolhendo a sua pr�pria bagagem.

Dessa vez, pedi-lhe permiss�o para tirar uma foto ao seu lado. Com a cara mais tranquila do mundo e com a gentileza de quem sabia ser �dolo, pousou ao meu laudo e tiramos uma foto. Batemos um breve papo, n�o me lembro sobre o que, at� que nossas malas aparecessem na esteira.

Ele pegou a dele, eu peguei a minha. Nos despedimos e ele saiu sozinho por uma porta qualquer.

H� poucos dias, vasculhando a minha caixa de retratos, encontrei a foto hist�rica ao lado do meu �dolo de uma vida inteira.

Ser de carne e osso que carrega a pr�pria bagagem e o fardo de ser quem sempre foi. Parou guerras na �frica, virou atleta do s�culo e se despediu dos campos dizendo love, love, love.

Pel� � uma entidade. A alegria, o s�mbolo e a imagem de um pa�s. Uma onda de r�dio, uma miragem.

Embaixador planet�rio a nos representar no infinito.

Pel� encantou nossas vidas e nos mostrou que para dar socos no ar e fazer o improv�vel, � preciso persistir, dedicar, chorar, ter um pouco de sorte. E, sobretudo, sorrir.

Obrigado Pel�. 
 
No dia 23/11/1968, saí de trem de Ibiá e vim a Belo Horizonte assistir um jogo entre Atlético e Santos
No dia 23/11/1968, sa� de trem de Ibi� e vim a Belo Horizonte assistir um jogo entre Atl�tico e Santos (foto: Reprodu��o)
 

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