
O amor rom�ntico e os relacionamentos nos moldes ocidentais dos �ltimos 5 mil anos foram fundamentais para o estabelecimento do patriarcado e do controle sistem�tico feminino.
Para viver em sociedade, temos que seguir normas e um verdadeiro manual de conduta. Esse sistema de controle passa pela regula��o do nosso tempo, pensamentos e modos de viver. Com o amor e a sexualidade n�o seria diferente. Por mais que o amor possa parecer um sentimento natural do ser humano, a maneira como o vivenciamos est� longe de ser livre.
De acordo com os nossos c�digos sociais, a experi�ncia afetiva e sexual aceita pela sociedade � heteronormativa e deve acontecer por meio de relacionamentos monog�micos, preferencialmente, em matrim�nio.
A monogamia � uma forma de relacionamento em que um indiv�duo tem apenas um parceiro durante a sua vida, ou durante aquela rela��o. Esse padr�o na maneira de vivenciar o amor � difundido pela igreja e se apresenta na b�blia como a pr�tica dos “filhos de Deus”.
Apesar de os textos b�blicos afirmarem que desde o princ�pio “Deus criou o homem e a mulher um para o outro, at� que o pecado os corrompeu” (Gn 1:27; 2:21-25), muitos antrop�logos e arque�logos acreditam que n�o foi sempre que tivemos a monogamia como base para nos organizarmos em sociedade.
O per�odo matriarcal e as antigas organiza��es sociais
O su��o Johann Bachofen foi o primeiro pesquisador a se referir, em 1861, � exist�ncia de sociedades matriarcais durante a pr�-hist�ria. Os pesquisadores da chamada Era do Gelo (40.000 - 10.000 a.C.) descobriram uma grande quantidade de est�tuas femininas representando deusas-m�es que aparentavam ter uma rela��o direta com o matriarcado. O arque�logo brit�nico Sir Arthur Evans, estudioso da civiliza��o min�ica, afirmou que essa se tratava de uma sociedade matriarcal que existiu na Gr�cia entre os s�culos 27 e 11 a.C.
Apesar das sociedades matriarcais ainda serem contestadas, h� diversos ind�cios e fontes arqueol�gicas de organiza��es sociais marcadas pela lideran�a feminina. Na maioria dos casos, as m�es de uma comunidade considerada matriarcal eram tidas como semideusas. A for�a da natureza e da cria��o eram como “poderes divinos” atribu�dos �s mulheres. A no��o de monogamia n�o existia e os filhos eram entendidos como presentes dos deuses para aquela comunidade e, portanto, responsabilidade de todos. Essas sociedades desconheciam a guerra e n�o apresentavam estruturas r�gidas de poder.
De acordo com Mumford (1998), na chamada “agricultura incipiente”, a atividade agr�cola era fun��o feminina, pois possu�a estreita liga��o com a gesta��o. Aos homens, cabia o papel de ca�ador. Desse modo, as mulheres se tornaram respons�veis n�o s� pelo manejo da terra, mas tamb�m por suprir as necessidades b�sicas dos membros do grupo, como a alimenta��o. Essa fun��o, concedeu � mulher um importante papel pol�tico.
Rela��es entre o capitalismo e a monogamia
Em seu livro “A cidade na hist�ria: suas origens, transforma��es e perspectivas”, Lewis Mumford explica que o status dos pap�is sociais masculinos e femininos mudam com a domestica��o dos animais e o desenvolvimento da chamada “agricultura intensiva”. O aumento na produ��o passa a gerar capital excedente e, com isso, a presen�a do homem na comunidade se torna necess�ria: � preciso vigiar e proteger o grupo de saques.
A domestica��o dos animais tamb�m demonstrou que a reprodu��o dependia da presen�a dos machos. Paralelamente a isso, cria-se a no��o de propriedade privada e heran�a. Assim, o sistema patriarcal se instala com a domina��o masculina sobre a procria��o. A revolu��o industrial e a consolida��o do capitalismo refor�am e s�o refor�ados por essa estrutura.
Em sociedades capitalistas patriarcais, a condi��o da mulher � de propriedade e a dos filhos � de m�o de obra. A domina��o masculina come�a no controle da atividade sexual feminina pela monogamia e chega a um modelo opressivo de submiss�o em diversos aspectos. A divis�o das fun��es sociais dos homens e das mulheres s�o radicalizadas com o sexismo tornando-se um poderoso sistema de controle comportamental para ambos.
Durante o s�culo XIII era socialmente aceit�vel que mulheres fossem atacadas e estupradas por grupos de homens caso sa�ssem na rua durante a noite. A viol�ncia contra a mulher e o controle feminino tornaram-se parte das normas sociais. Ao mesmo tempo, os casamentos eram vistos como neg�cios e arranjados a partir de interesses econ�micos e pol�ticos. Mas foi no s�culo XX que o capitalismo criou um mecanismo rebuscado para controle das emo��es femininas: o amor rom�ntico.
O amor rom�ntico e o controle feminino
Para a psicanalista Regina navarro Lins, a forma como amamos � constru�da socialmente. Em seu livro “Novas formas de amar”, ela define o ideal do amor rom�ntico como aquela situa��o em que a pessoa amada � idealizada e o relacionamento surge para completar e salvar os indiv�duos.
Desde o s�culo XX, o amor rom�ntico faz parte da cultura ocidental e � refor�ado pelos contos de fadas, cinema, novelas, m�sicas, teatro e pela publicidade. Nesse tipo de viv�ncia do amor, h� um corte no contato com a realidade e uma proje��o no outro de tudo o que gostar�amos que ele fosse, com o objetivo de suprir as nossas necessidades afetivas e emocionais. Al�m disso, � criada uma situa��o de depend�ncia emocional automaticamente. Pois, a nossa felicidade est� nas m�os do outro.
O ideal do amor rom�ntico interfere diretamente na nossa forma de amar e de se relacionar. Ele refor�a a monogamia como norma de relacionamento, diga-se de passagem, a ser cumprida apenas pelas mulheres. Pois, de forma geral e apesar de tudo, sempre foi aceito que homens tivessem rela��es extraconjugais na nossa sociedade.
Amor e liberdade
Dentro da din�mica da heteronormatividade, o ideal do amor rom�ntico entrega ao homem o controle sobre nossas emo��es e se torna uma fonte de frustra��o. � exatamente por isso que o movimento feminista, ao combater o sexismo, questiona tamb�m as normas sociais para os relacionamentos afetivos e sexuais. Somente a partir da�, torna-se poss�vel criar outros arranjos afetivos e relacionais que podem passar pela homoafetividade e pela n�o monogamia. Entretanto, � importante frisar que n�o h� receita para os novos tempos.
Estamos a inventar uma nova sociedade, livre do sexismo e da domina��o patriarcal. Nessa sociedade, o capitalismo tamb�m precisa ser duramente questionado, pois j� entendemos que vivemos opress�es que v�o al�m das de g�nero. Nessa nova sociedade, o amor rom�ntico precisa abrir espa�o para relacionamentos com envolvimento e autonomia.
Muito mais do que buscar se completar no outro, o feminismo prop�e a cria��o de uma consci�ncia onde o amor que compartilhamos � aquele que transborda do amor-pr�prio que cultivamos.